Mas os motores não são todos rotativos?
Sim... e não. Por motor "rotativo" entende-se uma unidade motriz que não recorre ao habitual movimento dos pistões para cima e para baixo (ou para um lado e para o outro, no caso dos motores ‘boxer’), num movimento linear. Em vez disso, nesta arquitetura concebida pelo engenheiro alemão Felix Wankel, existe um rotor de forma triangular, que roda dentro da câmara do motor, assegurando com o seu movimento rotativo as fases da admissão/compressão, explosão e escape, tudo em simultâneo. Vantagens deste tipo de motor: menor tamanho, logo, cilindrada menor; capacidade de atingir rotações mais elevadas, logo, maior potência; menos peças, logo, maior leveza e simplicidade de fabrico; e menos hipóteses de "partir", ou de "gripar", logo, maior fiabilidade. Mas há um reverso da medalha (há sempre um reverso em qualquer medalha): consome mais óleo, consome mais combustível e tem maiores emissões e, ‘last but not least’, os custos de manutenção são superiores.
Um motor rotativo numa pickup?
As desvantagens acima descritas não eram nada que preocupasse o mercado norte-americano, habituado – pelo menos até ao choque petrolífero de 1973 – a ter gasolina a custar cêntimos por litro (menos de um dólar por galão, 3.79 litros) e a motores de grande cilindrada, pesadões, preguiçosos e, principalmente, gulosos. Outra característica de um motor rotativo, quando comparado com um "em linha" ou em V, é o menor binário, já que se privilegia a potência em desprimor do esforço de torsão. Razão para nunca ter havido um motor rotativo num ‘truck’ americano, aqueles veículos avantajados, tão típicos da terra do Tio Sam.
As convenções foram feitas para serem quebradas
Em 1974, a partir de Hiroshima, a Administração da Mazda decidiu mandar às urtigas as convenções até então existentes e instalou um motor rotativo na sua pick-up concebida tendo em vista o mercado norte-americano. Tratava-se de um bi-rotor, ou seja, duas câmaras (2 x 654 cm3), que desenvolvia uns respeitáveis (para a época) 135 cavalos e permitia uma velocidade máxima de 100 milhas por hora (160 km/h) e uma aceleração dos zero aos 100 km/h em 9 segundos – de novo, naquela altura, apenas alguns desportivos tinham acelerações semelhantes. O peso da Mazda pick-up – 1299 kg para um comprimento total de 4.39m – quando comparado com os Ford F-150 (sim, já havia) e os GMC e os RAM e outros ‘trucks’, era um verdadeiro peso-pluma, e aí o motor rotativo assentava na perfeição. Rapidamente batizada REPU (rotary engine pick-up), começava a nascer um culto à volta da pequena pick-up japonesa. Os guarda-lamas alargados, para acomodarem pneus de dimensões generosas, e a inscrição "ROTARY POWER", em letras garrafais, a toda a largura do painel traseiro, contribuíram para impor a sua imagem. A TV e o Cinema não ficaram alheios, em séries e filmes, e nem o Desporto Automóvel escapou ao seu fascínio, com a vitória em 1975 no Rally 24 Horas de Mojave, da categoria SCCA, dedicada ao autocross, ralicross, rampas e provas em estrada.
Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe
Na sua curta vida – cerca de três anos – até a crise petrolífera criada pela Guerra do Yom Kippur ditar o fim da sua produção em 1977, a Mazda REPU foi fabricada num total de 16.129 unidades, não só pick-ups convencionais, já que várias transformações para veículos de reboque e assistência a avarias na estrada, ajudaram ainda mais a criar uma imagem que ficou para a história. Isso e o transporte de uma prancha de surf, já que a comunidade surfista, principalmente no Estado da Califórnia, a adotou sem reservas e fez dela parte do postal turístico "Surfing USA". Só que os 11 litros aos 100 consumidos pelo pequeno motor rotativo faziam parte de um mundo que nunca mais voltaria a ser como era: as preocupações com os consumos de combustível passaram a ser o ponto N.º 1 de qualquer caderno de encargos da indústria automóvel. E a pequena Mazda REPU ficou fora do jogo.