1923, as primeiras 24 Horas de Le Mans
Há 100 anos, o Automobile Club de l’Ouest, sediado em Le Mans, organizava uma corrida automóvel a sul da cidade: seria disputada ao longo de 24 horas, uma loucura para a altura, e destinava-se a promover o desenvolvimento tecnológico do Automóvel. A pista – se é que prosaicamente assim a podemos chamar – era, evidentemente, a rede viária existente. Só umas décadas mais tarde foi construído um circuito permanente (Bugatti, 1965), mas isso não impediu que se continuasse a utilizar parte das estradas nacionais e departamentais, situação que se mantém até à data. O perímetro total do circuito tem sofrido algumas alterações, com a introdução de chicanes para baixar o andamento dos carros, e mede atualmente 13.626 km, cerca de 85% dos quais percorridos com o acelerador a fundo, a médias por volta superiores aos 250 km/h e com velocidades instantâneas a ultrapassar os 340 à hora.
Edição 100 ou edição do centenário?
De lá (1923) para cá, as 24 Horas de Le Mans apenas não se realizaram em 10 ocasiões: em 1936, devido ao período de tumultos sociais conhecido como a Frente Popular, e de 1940 a 48 (a II Guerra Mundial e o pós-guerra imediato). Este ano é, por isso, a 91ª edição, correspondente ao centenário da primeira prova. Da mesma forma (e a tradição, em Le Mans, é coisa bem defendida e preservada), junho é, maioritariamente, o mês das 24 Horas. Exceções: a prova inaugural (26 e 27 de maio de 1923); 1956 (julho, devido às obras que se seguiram ao trágico acidente do ano anterior); 1968 (setembro, devido ao Maio de 68); e 2020/21 (respetivamente setembro e agosto, devido à pandemia de COVID-19).
Recordistas de vitórias
Entre os pilotos, o dinamarquês Tom Kristensen (9 vitórias) é considerado "Mr. Le Mans". O belga Jacky Ickx triunfou 6 vezes, seguido do britânico Derek Bell, do alemão Frank Biela e do italiano Emanuele Pirro, todos com 5 vitórias. Entre as marcas, o ranking é liderado pela Porsche (19 triunfos), seguida da Audi (13) e da regressada – após 50 anos de afastamento – Ferrari (9).
Mais algumas estatísticas interessantes
Record da distância percorrida: 5410.713 km (Audi, 2010). Velocidade máxima: 407 km/h (1988, Roger Dorchy num WM-Peugeot). Maior diferença entre 1º e 2º: 349.808 km (1929, entre um Bentley e um Salmson). Menor diferença entre 1º e 2º: 20 metros (1966, entre dois Ford GT40). Vencedor mais jovem: Alexander Wurz (1996, aos 22 anos e 91 dias). Vencedor mais velho: Luigi Chinetti (1949, aos 47 anos e 343 dias). Mais vezes à partida: Henri Pescarolo (França, 33). Mais pole positions: Jacky Ickx (5). Volta mais rápida: 3’14"791 (2017, Kamui Kobayashi, Toyota).
A Triple Crown, o que é?
Para os puristas, é o Grand Slam do desporto automóvel: conquistar as 24 Horas de Le Mans, as 500 Milhas de Indianapolis e o GP do Mónaco em F-1. Apenas um piloto conseguiu este feito: Graham Hill venceu em Le Mans (1972), na oval de Indianapolis (1966) e no Principado (em cinco ocasiões – 1963, 64, 65, 68 e 69), juntando a este notável palmarés a conquista do Mundial de Fórmula 1 em 1962 e 1968.
Drama na pista
A 11 de junho de 1955, faz no próximo domingo 68 anos, o Mercedes de Pierre Levegh saía de pista à entrada da reta da meta, saltava um talude e varria consigo os espectadores que assistiam à corrida. O chocante resultado foi de 84 mortes e esse acidente teve uma tal repercussão mundial que a Suíça ainda hoje proíbe competições automóveis no seu território.
A partida: um traço inconfundível de Le Mans
Entre 1923 e 1969, a partida era feita com os carros estacionados em espinha, e com os pilotos de pé, frente a eles, do outro lado da pista. Agitada a bandeira tricolor da França, os pilotos corriam para os respetivos carros e arrancavam o mais rápido possível, frequentemente sem sequer apertarem o cinto de segurança. Em 1969, Jacky Ickx protestou contra o perigo deste tipo de partida, andando para o carro em vez de correr, e demorando o tempo necessário para colocar o cinto. Vinte e quatro horas depois, o piloto belga venceria a corrida, provando que a pressa caótica daquele tipo de partida não tinha razão de ser. Em 1970, a partida seria feita com os carros ainda em espinha, mas os pilotos já sentados ao volante, e desde 1971 utiliza-se a chamada "partida Indianapolis": em andamento, atrás de um safety car e com os carros em formação dois a dois.
Quais as categorias de carros em prova?
HYPERCAR: a junção de um motor de combustão interna com outro elétrico, alimentados por um sistema híbrido de última geração, fazem destes carros o topo da tecnologia das corridas de endurance.
LMP2: a categoria de protótipos mais "pura" ainda em atividade. Châssis, motores atmosféricos e pneus iguais, custos controlados, compete depois a cada equipa preparar e afinar melhor a sua máquina para se sobrepor ao "vizinho" do lado.
LMGTE-Am: sobreviventes das duas classes de GT que competiam até finais da temporada passada, os GTE-Am são basicamente carros do ano anterior, preparados e operados com custos controlados. Constituem, juntamente com os LMP2, a porta de entrada para gentlemen drivers acederem às corridas de resistência, trazendo com eles os milhares de dólares sem os quais esta disciplina do desporto automóvel não conseguiria sobreviver.
Favoritos em 2023
Vencedora nos últimos cinco anos, a Toyota era considerada a equipa a bater. Tem a experiência, o know-how e uma lista de pilotos muito experimentados e todos eles vencedores da prova em anos transatos. A recordista Porsche e a recém-regressada Ferrari – que competiu pela última vez em 1973 pela vitória à geral e não apenas na categoria GT – deveriam constituir os principais adversários da equipa japonesa. A equipa transalpina até começou com o pé direito, conquistando a pole position e monopolizando a primeira linha da grelha com os seus dois carros, o #50 (número adequado para o cinquentenário do regresso a Le Mans) e o #51. Mas Le Mans dura 24 horas e a pole position vale mais como ferramenta de marketing e comunicação e, vá lá, oportunidade de fugir à "molhada" da primeira curva na partida.
Os portugueses em prova
António Félix da Costa foi o único piloto português que pôde lutar pela vitória à geral, já que pilotou um Porsche 963 da classe-rainha Hypercar. Já Filipe Albuquerque competiu na classe LMP2 e as suas hipóteses de sucesso ficaram limitadas a essa extremamente competitiva categoria.