Steven Spielberg tem agora 75 anos, mas durante a infância sabia de cor todas as letras de West Side Story. Não foi, por isso, de espantar que aquando deste remake tenha saltado várias vezes da sua cadeira de realizador, dançado e cantado com todo o elenco. "Tinha este desejo desesperado de fazer a minha versão do West Side Story", revelou em conferência de imprensa.
O musical original estreou na Broadway em 1957 sendo continuamente replicado em variadíssimas produções, um pouco por todo o mundo, até aos dias de hoje. Em 1961 surge a primeira adaptação para Hollywood, por Robert Wise e Jerome Robbins. Um símbolo da cultura norte-americana que conquistou uma fiel audiência, durante décadas consecutivas.
A história inspira-se no clássico Romeu e Julieta de Shakespeare, e transpõe-se para a Nova Iorque dos anos 50, acompanhando o amor de Tony e María, afiliados a gangues rivais, os Jets e os porto-riquenho Sharks, respetivamente.
"Acredito que as grandes histórias devem ser contadas uma e outra vez, em parte para se poder refletir diferentes perspetivas e momentos no tempo", declara Spielberg ao mesmo tempo que confidencia que este foi o filme mais assustador da sua carreira. Uma premissa que não o impediu de recriar o prestigiado musical – o realizador baseou-se na versão da Broadway – juntamente com o guião de Tony Kushner, vencedor de um Pulitzer e de um Tony, e a coreografia de Justin Peck.
E como quem conta um conto acrescenta um ponto, Spielberg quis criar a sua própria visão do West Side Story, cheia de subtilezas que importa referir. "Sabíamos que tínhamos de fazer um filme para o nosso tempo e fazê-lo com uma compreensão contemporânea e com os valores que subscrevemos".
Por exemplo, no grande ecrã, quando as personagens falam em espanhol, não é feita legendagem. Foi intencional e a pensar numa América bilingue. "Queria que o público, tanto os falantes de espanhol como os de inglês se sentassem juntos no anfiteatro", declara Spielberg. "Pensámos que por respeito não deveríamos legendar o espanhol", acrescenta Kushner, "a língua tinha de existir em igual proporção ao lado do inglês, sem ajuda".
A seguir, a seleção do elenco. Independentemente do que havia sido feito no passado, o cineasta queria um cast autêntico, tanto em etnia como idade. Era importante encontrar adolescentes de verdade, mas sobretudo uma representação fiel da comunidade latina. Rachel Zegler, 20, é primeira latina a representar María no grande ecrã. No clássico de 61, o papel foi dado à norte-americana Natalie Wood. Descendente de colombianos, a jovem atriz e youtuber afirma sem rodeios "Hollywood não nos representa de maneira justa com frequência e todo o cuidado e pesquisa feitas para este filme, só me fazem amá-lo ainda mais". Veja-se o exemplo da cena envolta pela música I Feel Pretty: "Era importante para as jovens latinas sentirem-se bonitas exatamente da forma como são, não importa de onde vêm ou da aparência que têm. As pessoas vão-te amar e se conseguires sentir esse amor, vais-te sentir linda".
Depois a jogada de mestre que foi colocar a atriz porto-riquenha Rita Moreno - vencedora de Emmy, Grammy, Oscar e Tony e Anita no filme original - como Valentina, a viúva porto-riquenha da personagem Doc. Papel esse acrescentado à posteriori. A atriz afro-latina Ariana DeBose é a nova Anita e referências várias à sua cor de pele são feitas durante o filme. Intencional, mais uma vez. Na memória fica a única cena no filme na qual as duas se encontram, que, por sinal, remete para uma violação conjunta. Há racismo, há violência, há delinquência. Esta última esmiuçada de uma forma tão humana, que nos faz sentir compaixão por cada uma das personagens.
Finalmente, como não referir Nova Iorque, a cidade que é uma personagem em si mesma. A visão da metrópole de há 70 anos atrás é captada na perfeição, mas há uma mensagem subjacente de pobreza urbana e poder. Jets e Sharks lutam por um lugar na cidade, mas os bairros que reclamam são agora entulho, em prol de um projeto de ordenamento do território para dar lugar ao Lincon Center for the Performing Arts. Uma luta por nada, afinal. Aqui, muito mais politizada do que no original.
Spielberg não tem dúvidas de que "a mensagem de West Side Story é o que vai viver para sempre" e faz o paralelismo com o momento atual "[O filme] trata do que vivemos neste país hoje, uma época de trágica divisão e desconfiança, e o desperdício de vidas humanas por meio da violência, racismo e xenofobia". Para o realizador, a mensagem é clara, esta a ideia de que o amor transcende o preconceito e a intolerância "Embora a história seja uma tragédia, como todas as grandes tragédias, incluindo Romeu e Julieta, o West Side Story sugere que a esperança pode nascer no meio da devastação e do desespero".