Papaia, mais precisamente Laranja Papaia. A precisão do nome da cor é fundamental para a identidade de um carro. Em 1995, os cinco carros que a McLaren colocou em prova nas 24 Horas de Le Mans conseguiram terminar a corrida e para celebrar o feito a marca produziu, no ano seguinte, uma edição limitada a cinco exemplares a que chamou F1 LM. Os veículos ficaram ainda mais especiais com a cor talismã da marca – o laranja papaia. Bruce McLaren queria algo que distinguisse a sua equipa e, entre verdes e vermelhos, a marca estreou esse tom de laranja nos seus carros pela primeira vez, em 1968. Com momentos de mais ou menos relevância, a McLaren nunca apagou a cor da sua história e 50 anos depois das primeiras pinceladas, o laranja papaia voltou a ser a cor dos veículos de Fórmula 1 na temporada de 2018. Dos cinco McLaren F1 LM que existem, um deles é uma das duas estrelas da imagem ao lado e pertence à outra estrela na imagem, Ralph Lauren. Sim, esse Lauren. Mas já iremos ao império de moda e de lifestyle que conta com cinco décadas de existência. Comecemos pela paixão deste designer de moda pelos automóveis. Mr. Lauren gosta de carros de corrida antigos que tenham uma história para contar e participa em eventos como o Concurso de Elegância de Pebble Beach, um destino de sonho para os amantes de carros clássicos. Quando começou a comprá-los, Ralph Lauren não tinha intenção de se tornar colecionador e hoje possui uma das coleções de carros clássicos mais valiosas do mundo. De tal forma que este McLaren entrou tanto no documentário Speed, Style and Beauty: Cars from the Ralph Lauren Collection, do Discovery Channel, de 200, como na exposição L’art de L’automobile: Chefs-d’oeuvre de la Collection Ralph Lauren, no Musée des Arts Decoratifs, em Paris, em 2011. À pergunta se tem algum carro favorito, responde que os carros são como os filhos, pois todos têm alguma coisa para dizer. E quanto à sua preferência pelos veículos motorizados em vez de investir na tradicional arte de museu, Lauren diz que vê "os carros como arte em movimento" e que "não se pode conduzir um quadro". Ao todo, Ralph Lauren tem mais de 70 veículos que mantém numa garagem, em Westchester, nos arredores de Nova Iorque. Em setembro de 2017, respondendo aos pedidos de muitos curiosos, as portas da garagem abriram-se para esta se tornar o inesperado palco do desfile de outono/inverno 2017/18 da marca de moda.
O início do Sonho Americano
A paixão pelos automóveis começou quando Ralph Lauren ainda não os podia comprar e por isso o arranque da coleção está relacionado com o início do sucesso da sua carreira na moda, no final da década de 1960. Ralph Lauren, cujo verdadeiro apelido judaico é Lifshitz, nasceu em 1939 quando começou a II Guerra Mundial e quando despontava a era dourada do cinema. No Bronx, o filho de imigrantes judeus e o mais novo de quatro irmãos encontrava nos filmes o ideal de lifestyle em que queria vir a viver. Poderia pensar-se que, quando mais tarde vestiu Robert Redford em O Grande Gatsby (de Jack Clayton, de 1974) e depois Diane Keaton em Annie Hall (de Woody Allen, de 1977), estaria a tornar um sonho realidade, mas por esta altura as aspirações de Lauren tinham crescido para a ambição de ser ele próprio a criar e a personificar o Sonho Americano. Mas para atingir os objetivos tinha de pôr mãos à obra. Na adolescência mudou de apelido para o que conhecemos hoje (mesmo quem perceba pouco de inglês compreenderá que ter um nome que acaba em shitz pode suscitar algumas piadas muito desagradáveis) e depois de terminar o liceu começou a trabalhar como vendedor enquanto estudava empreendedorismo à noite, mas nunca se chegou a licenciar. Ralph Lauren teve uma curta passagem pelo exército dos Estados Unidos e depois começou por trabalhar na empresa Beau Brummel que confecionava gravatas, tendo convencido os responsáveis da empresa a deixá-lo criar a sua própria linha de gravatas, à qual deu o nome de Polo (mais tarde resgataria esse nome à Brooks Brothers). Iniciou a venda com uma simples gaveta num espaço diminuto no Empire State Building, encarregando-se de fazer ele próprio as entregas nos grandes armazéns. No primeiro ano conseguiu atingir os 500 mil dólares em vendas a espaços como Paul Stuart, Neiman Marcus e Bloomingdale’s. As primeiras alavancas para o seu negócio foram, na verdade, os famosos Bloomingdale’s. Mas a proposta não foi ao encontro das expectativas de Lauren, uma vez que consistia em vender as gravatas com o nome dos armazéns no lugar do nome do criador. Recusou avançar com a encomenda sem o seu nome, mas as gravatas eram tão fantásticas que os Bloomingdale’s cederam… Embora a relação com a department store americana não tenha corrido bem ao primeiro encontro, ela haveria de durar e contribuir para um importante momento de viragem da marca Ralph Lauren, pois foi dentro destes armazéns que o criador viria a ter a sua primeira loja própria. Porque apenas um ano e meio milhão de dólares em gravatas depois, Ralph Lauren estava pronto para expandir o negócio. Primeiro para roupa de homem e mais tarde também para roupa de mulher. A marca estava a tornar-se uma máquina bem oleada e em 1972 nasceu a icónica Polo shirt, cujo logótipo com o jogador de polo ainda é uma assinatura.
Uma vida cheia
Em 1964, Ralph Lauren casou-se com Ricky Low-Beer, que passou de rececionista de um consultório a modelo e musa da marca. Três filhos (Andrew, David e Dylan) e 55 anos depois são os pilares de uma família muito unida. Aliás, a família faz parte da fantasia e da imagem que ele sempre quis fazer passar (e vender). Ainda que tenha admitido no seu livro Ralph Lauren que a inspiração de moda inicial veio dos tempos de estudante universitário quando admirava o visual Ivy League pela sua simplicidade e tradição, bem como as imagens dos álbuns anuais de estudantes e os uniformes usados nas universidades de Princeton, Harvard e Yale, o próprio explicaria, mais tarde, que na altura em que começou a trabalhar na indústria da moda havia uma admiração geral pela imagem aprimorada dos atores de cinema americanos, assim como pelo estilo country inglês com tradição e sofisticação, mas não havia ninguém que reproduzisse isto para o mercado. Então Lauren não só fez deste estilo o conceito da sua marca, como decidiu adotá-lo para si e ainda tornar-se o melhor modelo possível da marca Ralph Lauren. Ele vê-se como uma celebridade (e não tem vergonha de o admitir) e talvez seja por isso que a marca não tem muitas celebridades associadas ao longo da sua história. O fundador tem sido, inquestionavelmente, o rosto da marca e, para ele, esta é muito mais do que os produtos que vende, é uma filosofia de vida. As lojas Ralph Lauren são mais do que uma montra de produtos porque são espaços onde se entra no universo Ralph Lauren (que hoje conta com uma série de marcas, entre as quais Polo, Purple Label, Collection, Black Label, Blu Label ou RRL, onde cabe moda para homem, senhora e criança, mobiliário, decoração, perfumaria…) e foi por isso que, em 1986, gastou 30 milhões de dólares numa mansão do século XIX, em Nova Iorque, que transformou na sua flagship store na cidade.
"RL likes"
Ralph Lauren disse a Oprah Winfrey, no seu rancho no Colorado, em 2011, numa das (provavelmente) duas únicas entrevistas de vida que deu (a outra foi a Charlie Rose, em 1993), que quando era novo queria ser muita coisa, inclusive o Batman. Veículos de super-herói já vimos que não lhe faltam e quanto a superpoderes é seguro dizer que também os tem. Afinal o império com 50 anos de história que Lauren construiu também teve os seus maus momentos e o homem de estatura baixa, que nunca levanta a voz, sempre arranjou forças e estratégias para os ultrapassar. Como, por exemplo, no início da década de 1970, quando a empresa passou por dificuldades financeiras, Lauren investiu do seu próprio dinheiro até encontrar um sócio com experiência como retail executive que ajudou a redefinir a estratégia da marca e pôs todas as engrenagens a funcionar corretamente. Ou, mais tarde, quando nos anos 90 precisou de nova ajuda e desta vez o banco de investimento Goldman Sachs comprou uma parte da marca Ralph Lauren. Segundo o episódio Ralph Lauren: How I Built a Fashion Empire, do programa Game Changers que o canal Bloomberg dedicou ao criador em 2015, os números resumem-se a 28% por 135 milhões de dólares. Depois deste investimento, a marca teve um crescimento extraordinário e, segundo o mesmo programa, o banco reconheceu rapidamente o seu potencial e o passo seguinte seria cotá-la em bolsa, o que aconteceu em junho de 1997, com algumas dúvidas por parte do criador que receava que a sua posição de acionista lhe tirasse liberdade de ação. E quando a empresa estava num bom momento, foi Ralph Lauren que teve de lidar com a dura notícia de ter um tumor no cérebro, que se confirmou ser benigno, tendo sido removido com uma cirurgia. O enérgico empresário e criador, que aos 80 anos continua a praticar exercício físico cinco vezes por semana, manteve-se no cargo de CEO da sua empresa até 2015. Contudo, embora haja equipas para tudo, ele é extremamente atento aos pormenores e continuou a ser o centro de todas as decisões. Reza a lenda que existem uns pequenos autocolantes com a inscrição "RL likes".
Em outubro de 2018, em entrevista à edição britânica da revista GQ, Ralph Lauren disse: "Eu não tinha um plano diretor e honestamente não planeei isto. Tem sido instinto, faro, amor, paixão e honestidade." Por esta altura, os 50 anos da marca foram assinalados com um desfile/espetáculo no Central Park de Nova Iorque numa pura celebração do ADN Ralph Lauren. É o único designer de moda que ganhou os principais prémios do Council of Fashion Designers of America (CFDA). Hoje, além de um império que chega ao mundo inteiro, detém, pelo menos, 450 lojas e mantém-se o embaixador do sonho e do estilo americano. Ralph Lauren é também Cavaleiro Honorário do Reino Unido, uma condecoração que lhe foi atribuída pela rainha Isabel II e dada em mão pelo príncipe Carlos, em junho deste ano, por toda a sua dedicação à moda e à filantropia. Foi o primeiro criador americano a receber esta distinção reservada, maioritariamente, a cidadãos britânicos. Mas 2019 reserva a estreia do documentário biográfico Very Ralph, dirigido e produzido pela documentarista Susan Lacy, que estreia na HBO Portugal a 13 de novembro, assim como o lançamento do livro Ralph Lauren: In His Own Fashion, de Alan Flusser (Abrams), a 12 do mesmo mês. Lauren é muitas vezes comparado a Walt Disney e é fácil perceber porquê. Ambos criaram universos a partir das suas próprias fantasias para que todas as outras pessoas pudessem desfrutar delas. Dois verdadeiros exemplos do American Dream.
O talentoso Mr. Lauren
Ralph Lauren: In His Own Fashion, por Alan Flusser (Abrams), com data de lançamento a 13 de novembro.