Da prisão em Luanda ao 25 de novembro, dos passeios pelas ruas de Paris num passado longínquo às conversas com Álvaro Cunhal. São histórias recordadas pelo escritor e político português aos 87 anos.
02 de abril de 2024 | Rita Silva Avelar
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"As memórias de Manuel Alegre não são exclusivamente suas, são também as memórias de várias gerações de portugueses, memórias de um certo Portugal, que vão desde o tempo do Portugal triste e cinzento dos anos 50, tão bem reescrito em muita da sua poesia, até ao Portugal radiante e luminoso, o do 25 de Abril e o da liberdade", escreve a editora sobre o lançamento de Memórias Minhas (Dom Quixote), livro de pequenas histórias do autor de Praça da Canção (1965) ou O Canto e as Armas (1967), "livros que falam de Abril muito antes do 25 de Abril".
São histórias, escritas ao longo de mais de 400 páginas, que marcam a vida de Manuel Alegre e ao mesmo tempo que percorrem boa parte da História recente do nosso país. No livro, evocam-se as memórias únicas como as de quando Alegre tinha sempre "a PIDE por perto", ou quando foi mobilizado para os Açores, "onde conheceu Melo Antunes, com quem viria a congeminar um plano de revolta militar". Mas também os seus passeios nas ruas de Paris, conversas com Álvaro Cunhal, a prisão em Angola – na Fortaleza de S. Paulo, em Luanda, onde escreveu os poemas do primeiro livro – e tantas outras peripécias vividas pelo Prémio Camões. O livro, escrito na primeira pessoa, é lançado a 2 de abril. Um excerto:
«Não anotei essa conversa nem outras. Lembro alguns encontros, sempre clandestinos, com Álvaro Cunhal. Uma vez acendi um cigarro com o seu isqueiro e, num gesto mecânico, meti-o ao bolso. Então ele disse-me: – Esse não, foi o último presente do meu pai. E tinha lágrimas nos olhos, nunca mais esqueci, porque me parecia impossível que aquele homem pudesse chorar. Acho que compreendi até que ponto tinha disciplinado a sua própria alma. Por ser o secretário-geral do PCP ele passou à clandestinidade o artista que tinha dentro de si.»