Prazeres / Artes

Há uma retrospetiva de Nicholas Nixon em Cascais

A obra do famoso fotógrafo norte-americano pode ser visitada no Centro Cultural de Cascais, mas só até ao próximo domingo. Entre muitas outras imagens icónicas, a exposição reúne, pela primeira vez, os 48 retratos da série "As Irmãs Brown".

As irmãs Brown, 1975. Gelatina de prata, 45,4 x 57,1 cm Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE
Ontem às 15:05 | Madalena Haderer
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É quase certo que a maior parte dos visitantes irá para ver a série "As Irmãs Brown", exposta na íntegra pela primeira vez. Entre 1975 e 2022, Nicholas Nixon tirou 48 retratos, um por ano, da mulher Bebe, com as suas irmãs, Heather, Laurie e Mimi. Na primeira fotografia, as jovens tinham, respetivamente, 25, 23, 21 e 15. Quando a empreitada chega ao fim, passaram-se quase 50 anos. Uma vida inteira. Quatro vidas inteiras – ou cinco, se contarmos com a do fotógrafo. As fotografias são quase todas tiradas ao ar livre, todas com luz natural. Não sabemos, mas intuímos que nem todos os anos foram bons para todas as irmãs. Há retratos em que uma irmã parece esconder-se enquanto as outras quase dão um passo em frente para a proteger. À medida que os anos passam, o espaço que separa as irmãs vai diminuindo – elas vão ficando cada vez mais próximas, cada vez mais apoiadas umas nas outras. Há anos em que parecem mais jovens que no ano anterior, como se o tempo tivesse andado para trás. Outros em que cada ano valeu por três ou mais. Há barrigas de gravidez, olhares tristes que fazem pensar em divórcios ou mortes, cabelos cortados muito curtos que levantam suspeitas de doenças oncológicas. "As Irmãs Brown" é um documento íntimo, emotivo e melancólico que abre uma janela através da qual o visitante pode refletir sobre o seu passado, presente e futuro, e que merece ser visto com vagar. 

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE

A série de 48 retratos das quatro irmãs é, provavelmente, o trabalho mais famoso de Nixon, mas seria injusto reduzi-lo a isso. Nicholas Nixon nasceu em Detroit, em 1947, e ocupa um lugar proeminente na história da fotografia contemporânea. Com cerca de 200 fotografias tiradas entre 1974 e 2022, a exposição "NICHOLAS NIXON – Coleções Fundación MAPFRE" é a maior retrospetiva da obra do fotógrafo norte-americano até à data. As fotografias são apresentadas cronologicamente, agrupadas em núcleos temáticos – das frias fotografias urbanas do início da sua carreira, até retratos tão próximos do sujeito que já só vemos partes de corpos. 

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE
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É particularmente tocante a série temática "Alpendres", que começa no início do anos 80, e que, tal como o nome indica, consiste num conjunto de retratos à porta, ou nos alpendres, das casas das pessoas. É com estas fotografias que Nixon se afasta, pela primeira vez, das grande paisagens urbanas de Boston e Nova Iorque, e começa a percorrer as margens do rio Charles, perto de Boston, e de outros bairros pobres no Kentucky e na Florida. Apesar de ter escolhido para o acompanhar neste trabalho uma grande câmara antiquada com tripé, Nixon consegue conquistar a confiança dos seus modelos e infiltrar-se nas suas vidas. Os sujeitos, de resto, parecem apreciar a atenção. E há uma grande naturalidade que confere realismo às imagens. Nixon propõe assim um novo desafio visual, ao conseguir fazer com que as suas imagens não percam nem a frescura nem a autenticidade, apesar de serem fruto de um processo bastante elaborado ao nível da composição.

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE

Segue-se a série "Idosos", na qual Nixon atravessa as portas de lares da terceira idade, onde fazia trabalho voluntário, e começa a retratar as pessoas que aí vivem. Nota-se uma abordagem mais física na forma como o fotógrafo decide captar o sujeito das suas imagens, com planos muito próximos, por vezes, com detalhes de mãos ou de rostos exaustos que resumem toda uma vida perto do fim. São imagens que emocionam pela simplicidade e profundidade com que são registadas. 

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE
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Mais chocante é outra série pela qual Nicholas Nixon é também muito conhecido: "Pessoas com Sida", uma sequência de imagens que envolve 15 pessoas infetadas e que, mais tarde, acabou por ser publicada em livro com excertos de cartas e de conversas entre doentes e os seus familiares e amigos transcritas por Bebe. Aqui o tempo passa muito rápido para estas pessoas, desafortunadamente a caminho do fim. Por vezes é difícil acreditar que se passaram apenas dois ou três meses entre uma fotografia e outra. No início, vemos olhares de esperança nos familiares, que, mais tarde, desaparece e é substituída por desgosto e desolação. Sem ser um ativista, o fotógrafo vai entregar-se a este projeto com uma grande determinação, de forma a apresentar uma crónica verídica e realista de todas estas vidas marcadas pelo vírus da SIDA, adentrando-se na vida íntima das pessoas infetadas com o objetivo de compreender o sofrimento, tanto dos doentes como dos respetivos entes queridos.

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE

Pelo meio, Nixon fotografa casais, na série com o mesmo nome, memorializa a sua mulher Bebe e os dois filhos do casal, Sam e Clementine, nas séries "Bebe e Eu" e, mais tarde, em "Fotografias de Família", faz mais retratos, regressa às paisagens urbanas em "Novas Vistas". Acima de tudo, e de acordo com o comissário da exposição, Carlos Gollonet, "o fotógrafo dedica-se a explorar universos singulares com uma evidente preocupação social que desvela aspetos desapercebidos da realidade. Detalhes que, mesmo pertencendo à vida privada do artista, acabam por refletir um quotidiano com o qual nos podemos identificar, daí que as suas imagens possam facilmente despertar os ecos das nossas próprias memórias e emoções."

Foto: Nicholas Nixon | Coleções Fundação MAPFRE
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Sobre os aspetos técnicos da obra de Nixon, Gollonet diz o seguinte: "O ritmo lento, os longos períodos, a ausência de elementos dramáticos, definem uma obra que se estende ao longo de quase cinco décadas de dedicação contínua. Nixon recorre a uma técnica simples, quase obsoleta, mas irrepreensível, ao valer-se de câmaras de grande formato que condicionam quer a proximidade, quer a cooperação da pessoa retratada, para poder, desta forma, revelar o universo íntimo de todos aqueles em que fixa o olhar: os idosos, os doentes, a intimidade dos casais ou a família."

É possível visitar esta exposição só até ao próximo dia 16 de fevereiro, portanto, se ainda não tem planos para o fim-de-semana, rume a Cascais.

Onde? Centro Cultural de Cascais – Av. Rei Humberto II de Itália, 2750-800 Cascais Horário? Terça a domingo das 10h às 18h (última entrada para a exposição às 17h40) Preço? 5 euros (há diversos descontos, inclusivamente para aderentes ao cartão Fnac).

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