Quem já não desejou deixar-se ficar esquecido num museu e passar lá a noite, no meio das grandes obras da pintura mundial? Ficar horas a olhar para um Bosch, absorvendo cada detalhe, sem ter de espreitar por entre ombros e cabeças. Sentir que as personagens ganham vida e que saem dos quadros para encher a sala. Começar a ver a realidade a derreter diante dos olhos, como os relógios de Dalí. Mas não é fácil passar a noite num museu. A escritora franco-marroquina Leïla Slimani fê-lo, no ano passado, quando foi convidada para passar uma noite num museu de arte contemporânea, em Veneza. Da inspiração que essa experiência lhe trouxe nasceu o livro O Perfume das Flores à Noite. Para nós, comuns mortais que dificilmente seremos convidados para tal coisa, mas que gostaríamos de ter uma experiência mais íntima com a arte, qual é a alternativa? Pois acontece que a alternativa é bastante agradável – um espetáculo imersivo intitulado Quadros Vivos de Caravaggio, que decorre na igreja de Nossa Senhora da Conceição, no Porto, entre os dias 23 e 26 de novembro.
Isto significa que durante quatro dias, os visitantes terão a oportunidade de ver 21 das mais emblemáticas obras do pintor italiano Caravaggio ganharem vida, numa nova temporada da dramatização dirigida pelo encenador português Ricardo Barceló. Ao todo, haverá seis sessões de 60 minutos em que quadros como Judite e Holofernes, Sacrifício de Isaac, Flagelação de Cristo e A Morte da Virgem se vão construindo e destruindo diante dos olhos dos espectadores. A encenação decorre ao som de Missa em B menor de Johann Sebastian Bach. Uma escolha certeira uma vez que tanto Bach como Caravaggio são, cada um na sua área, expoentes máximos da arte barroca – isto, apesar de não terem sido contemporâneos, com Bach a nascer 75 anos depois da morte de Caravaggio.
Ainda assim, o dramatismo e religiosidade de algumas das peças de Bach combinam na perfeição com as obras de Caravaggio que têm, em grande parte, inspiração em cenas bíblicas. Se em Bach encontramos o dramatismo do som e da composição, em Caravaggio somos confrontados com o dramatismo da luz, com o uso da técnica chiaroscuro que ficou conhecida como Tenebrismo. Significa que nas obras de Caravaggio a luz (ou falta dela) é quase uma personagem. Para transmitir essa sensação, Ricardo Barceló usou uma iluminação especial que emula o efeito luminoso dos quadros do pintor. Já a expressão facial dos modelos recria a realidade crua e palpável (literalmente, neste caso) das suas pinturas.
A primeira temporada deste espetáculo decorreu no ano passado, com a estreia na igreja de Santo Ildefonso, no Porto, seguindo-se edições em Lisboa e várias digressões pelo país. E regressa agora ao Porto, para quem perdeu a primeira oportunidade ou até para quem queira rever. Os bilhetes estão disponíveis online e a entrada é condicionada à aquisição do catálogo das obras a dramatizar.