Se há coisa que não faz falta, são desculpas para visitar a capital francesa. E, no entanto, elas vão sempre aparecendo. Desta vez é a primavera. Não aquela que começou a 21 de março e que nos empurrará até ao verão – como se precisássemos de ser empurrados –, mas a primavera ao estilo de David Hockney, que está já a desabrochar, em todo o seu esplendor, na Fundação Louis Vuitton, em Paris, naquela que será a maior exposição de sempre do artista plástico britânico. Até 31 de agosto, Hockney toma conta de todo o edifício da fundação com mais de 400 das suas obras, que acompanham o período entre 1955 e 2025, ou seja, desde o início da sua carreira até aos dias de hoje, embora com maior enfoque nos últimos 25 anos, razão pela qual dá pelo nome de David Hockney 25.
"Lembrem-se que eles não podem cancelar a primavera", alerta um enorme néon cor-de-rosa por cima da entrada da exposição – a mensagem esperançosa que o artista britânico enviou aos seus amigos durante a pandemia, junto com um desenho de narcisos. Mensagem tão ou mais relevante no momento atual, ainda que por outros motivos – embora, enfim, para o caso talvez fosse mais adequado qualquer coisa como "lembrem-se que ele não pode tarifar a primavera". Mas, regressemos ao que aqui nos traz: a retrospectiva do prolífico trabalho de Hockney. Com 87 anos, o artista britânico esteve pessoalmente envolvido em todos os aspectos da exposição, desde a escolha das obras à composição de cada sequência e à disposição de cada espaço. Para isso, contou com a ajuda de Jonathan Wilkinson, seu assistente, e de Jean-Pierre Gonçalves de Lima, seu companheiro e gestor de estúdio.
O resultado final foi um conjunto de obras tão eclético quanto o próprio artista e o seu percurso, e inclui pinturas provenientes de coleções institucionais, internacionais e privadas, bem como obras do próprio estúdio do artista e da sua Fundação. Estão representados trabalhos em diversos suportes, incluindo pintura a óleo e acrílico, desenho a tinta, lápis e carvão, arte digital (obras feitas no iPhone, iPad, desenhos fotográficos, etc.) e instalações de vídeo imersivas.
A exposição começa com uma seleção de obras emblemáticas dos anos 1950 aos anos 1970, incluindo os primeiros trabalhos de Hockney, como Portrait of My Father, de 1955, que o então jovem artista, nascido em 1937, fez em Bradford, no norte de Inglaterra, onde nasceu e cresceu. Inclui também os quadros que pintou em Londres, quando estava a estudar, na Royal College of Art, e depois na Califórnia, para onde havia de se mudar e onde viveu mais de 30 anos. Logo à chegada mergulhamos de cabeça na piscina – não numa piscina literal, mas na piscina enquanto tema de assinatura do artista. A Bigger Splash, de 1967, é um dos seus quadros mais famosos e imediatamente reconhecíveis. Destaque também para Portrait of An Artist (Pool with Two Figures), de 1972.
Já a sua série de retratos duplos está representada por duas obras principais e também amplamente conhecidas: Mr. and Mrs. Clark and Percy, 1970-1971, um dos retratos mais famosos da arte britânica moderna, e Christopher Isherwood and Don Bachardy, 1968. Há, de resto, toda uma ala dedicada aos seus retratos, onde é possível ver cerca de 60. Hockney é um dos artistas mais prolíficos e consistentes no que toca a retratos e autorretratos, tendo feito centenas. Só entre 2013 e 2016, criou uma série de 82 retratos e uma natureza morta, todos pintados em poucos dias e expostos juntos na Royal Academy em Londres. Já os auto-retratos são na casa das dezenas, criados com maior frequência nas últimas décadas.
A natureza torna-se cada vez mais importante no trabalho de David Hockney entre 1980 e 1990 – como ilustra A Bigger Grand Canyon, 1998, um quadro com quase sete metros de comprimento e 60 telas unidas entre si.
Na viragem do século, o artista regressa à Europa para continuar a explorar paisagens familiares. E é, precisamente, nessa fase que o núcleo da exposição se concentra: os últimos 25 anos, passados principalmente em Yorkshire, na Normandia e em Londres. Este período abre com uma celebração da paisagem de Yorkshire, com May Blossom on the Roman Road, 2009. Outro exemplo da inspiração que retira da natureza e da mudança das estações é Bigger Trees Near Warter or/ou Peinture sur le Motif pour le Nouvel Âge Post-Photographique, 2007, uma pintura a óleo em tamanho real que cobre 50 telas, dividida em dois painéis gigantescos, que faz com que o visitante se sinta, literalmente, no meio das árvores.
De acordo com a Vogue espanhola, Donatien Grau, académico e chefe da programação contemporânea do Museu do Louvre, que escreveu o catálogo da exposição (publicado pela Thames & Hudson), disse o seguinte sobre o artista britânico: "David é um dos melhores desenhadores em atividade atualmente, com habilidades semelhantes às de Degas ou Picasso." Referindo ainda que o pintor é obcecado, acima de tudo, com cores. E isso é a primeira coisa que atrai na sua obra. Isso e uma visão alegre e optimista do mundo, com um olho atento na natureza e na condição humana.
David Hockney é uma das figuras mais importantes da arte contemporânea e um dos artistas britânicos do século XX e XXI mais reconhecidos. Foi dos primeiros a ser associado ao movimento Pop Art dos anos 1960, com as suas obras dessa fase a explorar temas pessoais, retratos de amigos, amor e desejo homoerótico. Hockney é homossexual, algo que assumiu publicamente aos 23 anos, sete anos antes de a homossexualidade ser descriminalizada no Reino Unido, em 1967.
Em novembro de 2018, o seu quadro Portrait of an Artist (Pool with Two Figures) foi vendido por 90 milhões de dólares (quase 80 milhões de euros), tornando-se a obra de arte mais cara de um artista vivo alguma vez vendida em leilão. Superou o recorde anterior, estabelecido em 2013 com a venda de Balloon Dog (Orange), de Jeff Koons, por 58,4 milhões de dólares (51,5 milhões de euros). Hockney manteve esse recorde até maio de 2019, quando Koons recuperou o título ao vender a sua escultura Rabbit por mais de 91 milhões de dólares.