A fórmula está um bocado estafada e é pena porque a história é boa e Ben Kingsley faz uma magnífica interpretação de Dalí, nos seus últimos anos. Ao invés de porta franqueada para entrar livremente na vida do excêntrico génio do surrealismo, o espectador é levado pela mão de James Linton (o ator Christopher Briney), um imberbe assistente de galeria de arte nova-iorquina, a quem é dada a responsabilidade de garantir que o excêntrico, megalomaníaco e grandioso Dalí pinta a quantidade de quadros necessária para uma importante exposição que se aproxima. Carne para canhão, portanto. Dalíland, cuja ação é passada nos anos 70, é dirigido por Mary Harron, a realizadora de American Psycho, que parece ter uma apetência natural para canalizar lunáticos.
O jovem James Linton aterra no meio da narrativa, caído do céu por não ter unhas, e olha para tudo a partir de um lugar de estranheza. Conhece Dalí na sua suite de hotel, para onde é mandado com um volumoso envelope de dinheiro para pagar a conta com o mesmo adjetivo, e depara-se com uma extravagante festa, cheia de chupistas, sicofantas e gente que acha que o talento de transmite pelo ar. O espanto de Linton causa mais ruído que frescura. Isto, claro, assumindo que o que interessa mais ao espectador é a história da Dalí e não a da personagem ficcional de assistente de galeria e os seus interesses amorosos.
No seu papel de Dalí, Ben Kingsley é acompanhado pela também formidável Barbara Sukowa, a atriz alemã que faz de Gala, mulher do pintor que é, na verdade, quem comanda as tropas. Ela é mulher, musa, coautora de diversas obras, agente, negociante de arte, feroz cão de guarda e a pessoa que grita "Precisamos de dinheiro!", quando o pintor se esquece que, para ser pintor, é preciso pintar. Uma atriz menor teria transformado Gala numa mulher histérica e ridícula. Sukowa dá-lhe uma profundidade que rivaliza com a interpretação de Kingsley. Os momentos mais cativantes do filme são, de resto, os que acompanham a degradação do casamento de Dalí e Gala, com flashbacks para o início da sua relação, com o jovem Dalí a ser interpretado por Ezra Miller.
Escrito por John Walsh, Dalíland pretende ser uma homenagem a um artista complexo, extravagante e excêntrico, e uma exposição da corrupção no mundo da arte – com Dalí a ser explorado por algumas das pessoas em quem mais confia. Chega aos cinemas portugueses a 9 de novembro.