O que é que têm em comum Saddam Hussein dentro de um tanque com formol, Madonna com a mão dentro das cuecas, e Jesus Cristo dentro de um frasco com urina? Humidade podia ser a resposta certa, e se isto fosse uma frase num texto de stand-up num país menos democrático, o seu destino podia ser o mesmo que o dessas personagens. Mas, não sendo esse o caso, a resposta correta é: os três foram imortalizados em obras de arte que foram censuradas e que, agora, podem ser visitadas no novo Museu de Arte Proibida, em Barcelona, numa coleção que reúne mais de 200 obras de arte que, em algum momento da história, foram censuradas, proibidas ou denunciadas com base em razões políticas, sociais ou religiosas. A lista de artistas infames vai de Goya a Banksy, passando por Klimt, Picasso, Warhol e Ai Weiwei. Tudo homens brancos? Não, leitor, também há obras de Natalia LL, Tania Bruguera e Zoulikha Bouabdellah, entre muitas outras.
O novo museu inclui diversos tipos de obras de arte, desde pinturas, fotografias, esculturas, gravações, instalações e peças audiovisuais, criadas, maioritariamente, na segunda metade do século XX e ao longo do século XXI. Esta coleção foi reunida pelo jornalista em empresário Tatxo Benet e foi iniciada com a obra Presos Políticos en la España Contemporánea, de Santiago Siérra – uma instalação fotográfica que, em 2018, foi removida da Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madrid.
Nesta trajetória pela arte censurada é curioso ver como a censura tem evoluído e como o que é considerado tabu vai mudando, ao longo das décadas. Por exemplo, a obra censurada de Klimt, um esboço chamado Schwebender Akt mit ausgebreiteten Armen (Nu Flutuante com Braços Estendidos), datado 1897-1898, hoje não faria ninguém pestanejar – excepto talvez o diácono Remédios.
Por outro lado, a censura de obras que retratam (e criticam) a religião, continua em força – e há muitas, nesta coleção. Um exemplo famoso é a instalação de León Ferrari, Western and Chistian Civilization, que consiste num Cristo crucificado em que a cruz é um avião bombardeiro norte-americano. Outro caso emblemático é o do Piss Christ, de 1987, autoria de Andres Serrano, e que consiste numa fotografia de um pequeno crucifixo submergido num frasco com líquido alaranjado, que o autor diz ser a sua urina. A peça tem sido criticada ao longo dos anos e chegou mesmo a ser vandalizada, em 2011, num museu de arte contemporânea em Avinhão. Curiosamente, Piss Christ e o seu autor têm encontrado defensores inusitados. A irmã Wendy Beckett, historiadora de arte e freira católica, disse, numa entrevista televisiva, que não considerava a obra blasfema, mas um statement sobre "o que estamos a fazer a Cristo". Como se não bastasse, em junho deste ano, Serrano foi recebido no Vaticano pelo Papa Francisco, que o abençoou – Serrano é cristão – e lhe fez o seu famoso gesto de aprovação: polegar a apontar para cima. Será, talvez, caso para dizer que os censores foram mais papistas que o Papa.
E, como não há duas sem três, falemos de mais uma obra inspirada na crucificação: McJesus, a obra do artista finlandês Jani Leinonen, que consiste num Ronnie McDonald – a mascote de famosa cadeia de fast-food – crucificado, qual Jesus Cristo, numa clara crítica à forma como os valores ocidentais de inspiração judaico-cristã se têm alterado nas últimas décadas.
Então, mas só há críticas ao Cristianismo e à Igreja Católica? De forma nenhuma, mas porque imaginamos o que está a pensar, dizemos-lhe já que, por enquanto, ainda não há representações do profeta Maomé, mas Taxto Benet não exclui que venham a existir. Mas isso não significa que o Islão conseguiu escapar ao spotlight. Os visitantes poderão ver e tirar as suas conclusões da instalação da artista Zoulikha Bouabdellah, chamada Silence Rouge et Bleu, que consiste em diversos tapetes de oração, cada um com um par de stilettos em cima.
Também a política é um tema que atravessa esta breve história das obras censuradas. Um exemplo é a obra Always Franco, de Eugenio Merino, que colocou um General Franco de tamanho (e aspecto) real dentro de um frigorífico estilizado à moda dos frigoríficos da Coca-Cola. Já Fabián Cháirez pintou, em 2014, o quadro La Revolución, com o revolucionário mexicano Emiliano Zapata todo nu – com um sombrero cor-de-rosa, uns sapatos de salto alto e uma fita com as cores da bandeira mexicana a envolvê-lo – montado num cavalo com uma erecção (o cavalo, não o Emiliano). Este quadro motivou a ira dos descendentes de Zapata, que se recusam a vê-lo retratado como "gay" e recorreram aos tribunais para que o quadro fosse retirado do Museu do Palácio de Belas Artes, no México.
Vale a pensa referir também o que é talvez uma das obras mais impactantes da exposição, tanto pelo seu tamanho como pela sensação de estranheza que causa. Shark, de David Cerný, inspirado na obra The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, de Damien Hirst, mostra um Saddam Hussein de tamanho real amarrado e conservado num tanque de formol em posição dorsal – como o tubarão na obra de Hirst.
Até a autocensura, tão frequente nos tempos atuais, não é coisa recente. O pintor espanhol Goya retirou do mercado a sua coleção de gravuras satíricas intitulada Los Caprichos, criada entre 1797 e 1798, por medo de sofrer represálias.
Por último, e também do ponto de vista da sátira social e, neste caso, do papel da mulher na sociedade, vale a pena destacar a artista polaca Natalia LL com a sua montagem fotográfica de uma mulher a comer uma banana de diversas maneiras, parte de uma série intitulada Consumer Art, produzida entre 1972 e 1975, mas que, curiosamente, foi censurada em 2019, com peças a serem retiradas do Museu Nacional da Polónia, depois de uma queixa anónima. O caso ficou conhecido como #bananagate.
O Museu de Arte Proibida convida, assim, os visitantes a uma reflexão sobre o que é a censura e a sua evolução ao longo dos tempos, chamando a atenção para um facto que – com consequências frequentemente hilariantes – parece passar despercebido a censores e aprendizes: é que o silêncio é quase sempre a melhor resposta, qualquer outra coisa só atrai mais interesse para algo que, em muitos casos, até passaria despercebido. Que é como quem diz, como manobra publicitária, a censura tende a ser a mais económica, pelo menos, nos países ocidentais.