Começou o ciclo de conferências Negócios do Luxo, organizado pelo Jornal de Negócios em parceria com a Must. A primeira conferência decorreu no Sheraton Cascais Resort, no passado dia 10 – foi o pontapé de saída de uma iniciativa inédita em Portugal que vai reunir especialistas do setor para debater os desafios e oportunidades do mercado de luxo. Além de dois debates, sobre o Luxo e a Economia Global e os Novos Lifestyles do Luxo, a conferência contou com a apresentação da mais recente edição do estudo anual True Luxury Global Consumer Insights, elaborado pela BCG em parceria com a Altagamma, que faz uma previsão das tendências do mercado para os próximos anos.
Apresentado por Guia Ricci, Managing Director & Partner da BCG, este estudo foi elaborado com base num inquérito a 12 mil pessoas em 12 dos principais mercados de luxo – EUA, Emirados Árabes Unidos, França, Reino Unido, Itália, China e Japão –, com 21% dos participantes a gastar mais de 50.000 euros por ano. Além disso, foi feito um estudo aprofundado com mil inquiridos, focado nos clientes beyond money, que gastam um mínimo de 50.000 euros e uma média de 350.000 euros por ano, em sete mercados-chave: EUA, Emirados Árabes Unidos, França, Reino Unido, Itália, China e Japão.
Um dos problemas que o estudo identifica é que as marcas estão a desperdiçar potenciais ganhos com clientes beyond money – clientes ultra-exclusivos que fazem compras frequentemente, e cujo poder de compra é tão elevado que o preço dos produtos não é um fator decisivo na sua escolha –, simplesmente porque não os conseguem identificar. Ricci explica que os clientes beyond money fazem compras, em média, em nove marcas, mas são reconhecidos como VICs – very important customers – apenas por duas – o que representa "uma perda de potencial de cerca de 70%". Em média, os VICs são apenas 2% dos clientes de uma marca de luxo, mas representam até 30% das suas vendas, pelo que é fulcral identificá-los e retê-los.
Para estes clientes que não se preocupam com o preço, o que conta é a raridade, a personalização e a exclusividade das peças, poderem contar com serviços ultra-personalizados, terem acesso antecipado a coleções, a produtos sob medida e a experiências únicas. De resto, uma das grandes conclusões não só deste estudo, mas desta tarde de discussão é que, para continuar a ter o crescimento que tem tido nos últimos anos, o setor tem de se adaptar às novas gerações que, mais do que possuir objetos luxuosos, procuram experiências de luxo.
Durante o primeiro debate, subordinado ao tema o Luxo e a Economia Global e moderado pela diretora do Negócios, Diana Ramos, Mónica Seabra-Mendes, Diretora do Programa de Gestão do Luxo da Universidade Católica e curadora desta iniciativa, fez um retrato do setor do luxo: "Tem tido um crescimento estável de 6% em média. Não é propriamente imune às crises, mas sai delas com mais facilidade do que outros setores. Respondeu bem ao pós-covid, mas agora estamos a observar uma falta de confiança por parte dos consumidores mais importantes – os chineses e os norte-americanos."
A esta especialista juntaram-se Carlos Santos Lima, Country Head da UBS Portugal, e Isabel Ucha, Presidente da Euronext Lisbon. Do ponto de vista da banca de investimentos, Santos Lima fez a seguinte leitura: "nos últimos 10 anos, Portugal tem estado no top 10 dos países que atraem mais milionários – pessoas que se mudam para cá e trazem os seus hábitos de consumo". Além disso, "o luxo tem margens muito altas, acima de 20%, e bons níveis de dividendos, razão pela qual é atrativo para os investidores. Temos visto um abrandamento", alerta, "ainda assim, a política de dividendos faz com que continue a haver muita procura".
Por seu lado, Isabel Ucha faz uma radiografia do setor à luz do mercado de capitais: "Há 50 empresas listadas ligadas a este segmento, metade são francesas e a outra metade, italianas. A LVMH, por exemplo, tem 350 mil milhões de capitalização bolsista. E destas 50 empresas, 20 têm menos de 100 milhões de capitalização bolsista. Estas empresas, com dividendos bons, resistentes e com crescimento sustentável, têm múltiplos de dois dígitos. É, portanto, um setor com muito peso e que usa muito o mercado de capitais para crescer e se desenvolver."
O Country Head da UBS Portugal terminou o debate chamando a atenção para um detalhe curioso. "Nos próximos 15 anos, um terço da riqueza mundial vai mudar de mãos [para as gerações mais novas] e isso vai alterar as formas de gestão. A geração anterior era mais interventiva na forma de gerir o dinheiro. Já a nova geração tem padrões de consumo diferentes: compra menos bens, usa mais dinheiro em experiências – e muitos nem querem usar o dinheiro, preferem tê-lo como suporte, mas não para uso direto." Esta frase resume bem boa parte daquilo que são os desafios das marcas de luxo para os próximos anos.
O segundo debate, sobre os Novos Lifestyles do Luxo e moderado por Rosário Mello e Castro, diretora da Máxima e curadora da Must, teve como convidados André Duarte, Store Director da Louis Vuitton de Lisboa; Daniel Correia, Diretor Geral da UIP Real Estate; e Licínio Almeida, Diretor Geral das Marcas de Luxo da SIVA. Aqui, a conversa centrou-se logo nas experiências, com Rosário Mello e Castro a perguntar o que é que isso significa, na prática, para as marcas e como é que estas se podem adaptar.
O Director Geral das Marcas de Luxo da SIVA explica: "É preciso envolver o cliente. Para começar, há muita informação interativa que permite à pessoa ir explorando [o automóvel que encomendou]. Depois, há sempre a possibilidade de organizar uma visita à fábrica, à linha de montagem, precisamente quando o próprio carro que o cliente comprou está a ser montado. Ou ir lá um dia ver os artesãos a fazerem os bancos do carro, com todos os detalhes que foram encomendados por medida, outro dia pode ir ver o volante a ser fabricado..."
Na gestão das expectativas e dos tempos de espera para entrega de encomendas é preciso apostar também num envolvimento emocional do cliente. André Duarte conta que é frequente organizar eventos na loja Louis Vuitton, onde é costume os clientes comparecerem em família. "Conhecemos pessoas que agora são clientes da marca, mas que costumavam vir à loja com os pais, quando eram crianças. Por vezes mostram-nos fotografias de família, três gerações com acessórios da marca. E acabam por se criar relações de amizade entre nós e entre os próprios clientes", conta o Store Director.
Ou seja, tanto no caso dos clientes Lamborghini e Bentley, como nos da Louis Vuitton, desenvolve-se um sentimento de comunidade. Daniel Correia, responsável pela divisão imobiliária do Grupo UIP, que inclui o Pine Cliffs Resort, o Sheraton Cascais Resort, o Hyatt Regency Lisboa Residences e o Quinta Marques Gomes Resort, sublinha a importância não só de uma comunidade, mas da família – aquela que é, afinal, a comunidade mais antiga de todas: "No Pine Cliffs [em Albufeira, no Algarve] muitas vezes são os filhos que ditam as férias dos pais porque criam ali amizades que reencontram todos os verões e ao longo do ano. Acaba por ser uma promoção indireta do luxo".
Esta foi a primeira de um ciclo de três conferências sobre os Negócios do Luxo, organizadas pelo Negócios e pela Must. As próximas duas, com datas e programas ainda por anunciar, decorrerão nos próximos meses.