A Vacheron Constantin exibe dois séculos de criações femininas na sua boutique da Avenida da Liberdade, em Lisboa. Uma exposição rara que traz ao nosso país 10 modelos do museu da marca suíça, em Genebra, que procuram representar a evolução da moda e o papel das mulheres na sociedade ao longo do tempo. Dos primeiros modelos "secretos", que dissimulavam as horas − porque era de "mau tom" uma senhora ser vista a olhar para o relógio -, às peças Art Déco ou à estravagância dos anos 1970, a coleção vai muito além do óbvio e é capaz de surpreender os mais atentos à moda ou à relojoaria.
Como em qualquer boa exposição, a Vacheron não nos deixa sem contexto, por isso estabeleceu uma parceria com o Museu do Traje, que foi também aos arquivos procurar vestidos, peças e acessórios que representassem tão bem o espírito da sua época como estes relógios – porque se há uma coisa que esta mostra revela é que os relógios estão tão perfeitamente ligados ao l’air du temps como a melhor peça de moda, assinada por um grande costureiro.
Relógio Pingente em platina, suspenso num colar, 1910
No início do século, a verdadeira moda vinha de Paris, e foi o representante da Vacheron em França que sugeriu à marca transformar os relógios em peças de joalharia, como foi o caso dos modelos "Pingente", que ofereciam às senhoras "uma nova forma de usar o relógio, com o longo colar de sautoir", escrevia a viscondessa de Réville na altura. Muitos destes desenhos surgiam inspirados em diferentes culturas, da Asia à Grécia, porque o ocidente estava a descobrir as múltiplas facetas do mundo, e tudo o que era exótico parceria despertar interesse redobrado. Neste modelo juntam-se a platina, o ouro amarelo, o esmalte e os diamantes de lapidação antiga.
Relógio Sporty, em platina com forma baguete e bracelete dupla em pele, 1929
Quando os relógios de pulso nasceram (em finais do século XIX), eram essencialmente vistos como modelos femininos, o que levou a uma enorme criatividade de formas. O período Art Déco foi especialmente profícuo neste aspeto e a Vacheron Constantin uma das marcas mais influenciadas por este movimento, altura em que desenvolveu vários modelos "de forma" baguete. Desenvolveu inclusivamente um movimento específico, com 6,5X26 mm de espessura, para este tipo de relógios. Uma maravilha da miniaturização. O nome "sporty" vem da bracelete, em tiras duplas de cabedal e com fecho dobrável.
Relógio de pulso secreto e bracelete integrada em ouro rosa, 1946
Após a Segunda Guerra Mundial, a moda feminina iria ganhar novos contornos, com ombros mais arredondados e saias muito rodadas. Era o tempo do chamado New Look, termo que Christian Dior iria cunhar em 1947, com a sua primeira coleção. Este relógio surgiu um ano antes e é claramente um precursor do estilo, com a bracelete de aros curvos, sobredimensionados e extravagantes. O final da Guerra marcou também um regresso ao ouro como material de eleição, em contraste com as privações dos anos anteriores, como este relógio vem também antecipar.
Relógio de pulso em ouro amarelo com bracelete em forma de colmeia, 1971
Nos anos 1970 as cores eram vivas, o rock glamoroso, as lantejoulas brilhavam mais alto e a extravagância era cada vez mais uma tendência. Tal como este relógio, com o bisel cravejado de diamantes (lapidação brilhante) e a pulseira em forma de colmeia. Em ouro amarelo e com engastes de ouro branco e lápis-lazúli, em perfeito contraste. Este estilo de pulseira, aliás, tinha por nome engaste de lantejoulas. Um modelo claramente especial e, mais uma vez, com as horas secretas.
A ligação da Vacheron Constantin ao nosso país remonta ao início do século XIX. Datam, pelo menos, de 1817 as cartas de Jaques-Barthélemi Vacheron dando conta do envio de alguns relógios à arquiduquesa Maria Leopoldina da Áustria, que se dirigia ao Brasil para casar com o nosso D. Pedro. Ao mesmo tempo surgiram várias encomendas de relógios femininos para Portugal, o que prova também como, na mais antiga manufatura sempre em produção, os relógios femininos evoluíram de mãos dadas com os modelos masculinos.