A autenticidade é uma espécie de Santo Graal para a maioria das marcas de relojoaria, sempre à procura de qualquer coisa nos arquivos que lhes permita ganhar vantagem na atualidade. Mas, por vezes, não precisam de fazer nada pois o passado vem bater-lhes à porta. Como aconteceu neste caso.
A história conta-se em poucas palavras: há um par de anos, um senhor Homard entrou num centro de assistência Tudor, em Inglaterra, com um relógio que pretendia reparar. Tinha 96 anos, e queria deixar a peça ao filho como legado. O relógio não era muito mais novo, tinha quase setenta, mas estava tão mal conservado que a senhora que o atendeu o aconselhou a desistir da ideia, dizendo que ia gastar mais na reparação do que o seu valor.
A história teria ficado por ali não tivesse o acaso, ou a sorte, querido que um dos relojoeiros passasse no momento e ficasse intrigado com a peça. Descobriu então que o relógio estava guardado há mais de 50 anos, e o seu estado explicava-se por ter participado numa expedição científica à Gronelândia entre 1952 e 1954. Tirou várias fotos à peça e enviou a descoberta para a sede da Tudor, colocando em marcha uma cadeia de acontecimentos que viria a culminar, no passado dia 8 de julho, com a apresentação ao mundo de um novo Tudor Ranger. Exatamente 70 anos após a partida dessa expedição.
Informada da descoberta, a Tudor consultou então os arquivos e descobriu vários documentos relacionados com a expedição, incluindo cartas de alguns dos membros da viagem, a agradecer pela forma como os relógios se comportaram nas condições mais difíceis, e até registos das diferentes medições realizadas, que comprovavam a exatidão do modelo. O que não descobriram, no entanto, foi um relógio - e este tinha acabado de lhes bater à porta.
A British North Greenland Expedition (BNGE) foi uma expedição importante. A primeira organizada pelo Reino Unido após a Segunda Guerra Mundial, levou 30 cientistas e militares à Gronelândia ao longo de dois anos. E inaugurou, como também explicou a professora Alexy Karenowska, de Oxford, um novo tipo de expedição, de cariz essencialmente científico, para mais dedicada a uma área de particular interesse atualmente: a climatologia. Ao longo desses dois anos foram estudadas as temperaturas e as dimensões das camadas de gelo e dos glaciares da Gronelândia, mas para se ter uma noção mais clara da importância dada à expedição, na altura, esta contou com dois patronos: o velho primeiro ministro Winston Churchill, e a jovem rainha Isabel II, que tinha acabado de ascender ao trono no mês anterior. Foi um dos primeiros atos do seu reinado.
O Relógio
Em 1952 a Tudor tinha acabado de apresentar o seu primeiro relógio com corda automática e estanque, o Oyster Prince, e foi com o objetivo de o testar em situações reais, e extremas, que foi entregue ao pessoal da BNGE. A marca tinha plena consciência das condições adversas a que os relógios estariam sujeitos na Gronelândia, num ambiente gelado, constantemente húmido, por vezes submersos, e com temperaturas a descerem aos 60 graus negativos. Disso mesmo dá conta nas cartas que enviou a acompanhar cada relógio, e onde pede aos expedicionários que façam os seus comentários ao comportamento do relógio. Ao mesmo tempo, anunciava ao mundo a sua presença na expedição, num caso precoce de gorilla marketing. Foi o início desta imagem de sólida robustez pela qual os seus Tudor ainda hoje são conhecidos.
Nenhum dos modelos na Gronelândia usava o apelido de Ranger, mas foi a coleção escolhida para assinalar esta aventura, porque será, hoje, a que melhor representa o mesmo espírito e porque, como se apressaram a explicar, o nome foi registado pelo próprio Hans Wildorf nos anos 1920, apenas três anos depois de ter feito o mesmo com a Tudor, precisamente para distinguir os modelos de cariz mais aventureiro. Os Ranger tiveram o seu apogeu nos anos 1960, pelo que são praticamente contemporâneos da BNGE, e foi nessa altura que ganharam um visual único que permanece característica nesta nova edição: um ponteiro das horas muito marcante e grandes algarismos árabes, revestidos com material luminescente às 3, 6, 9 e 12 horas. O objetivo é ter legibilidade imediata, mesmo nas piores condições.
A caixa deste Ranger tem um diâmetro de 39 mm, em linha com o modelo original, e que vai funcionar muito bem na maioria dos pulsos (masculinos e femininos). Apresenta também um calibre da manufatura, MT5402, com certificação COSC (Controlo Oficial Suíço dos Cronómetros) e uma reserva de marcha de 70 horas.
Os responsáveis da Tudor garantem ainda que este será o seu relógio mais barato com calibre próprio e, de facto, os preços começam nos 2630 euros para as versões com bracelete híbrida (borracha e pele) ou tecido (Nato), chegando depois aos 2930 para a versão com bracelete metálica. Tanto o modelo metálico como o híbrido oferecem o sistema de ajuste rápido T-fit, para que se adapte muito facilmente ao pulso.
Quanto ao senhor Homard, infelizmente, já faleceu, pelo que não teve oportunidade de ver o que a sua história originou. Também não deixou o relógio ao filho, porque faz agora parte da coleção da Tudor, mas foi recompensado pela venda e o filho tem outros modelos que pode usar mais facilmente.