Segundo os organizadores, seriam necessários 3500 passos para percorrer a Watches and Wonders de uma ponta à outra. A maior e mais importante feira mundial de relojoaria reuniu 54 marcas, mais seis do que na edição anterior, incluindo Rolex, Patek Philippe, Cartier... quase todos os tubarões da indústria, assim como alguns dos relojoeiros mais pequenos e independentes, como a Ressence, Laurent Ferrier ou Charles Zuber, só para citar alguns nomes de que pouca gente ouviu falar. Com perto de 5000 retalhistas, colecionadores, jornalistas e convidados no evento, os ecos da Watches and Wonders chegaram a mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo, e quem sabe quantos negócios se realizaram ao longo dessa semana, porque o ambiente, diga-se, parecia francamente positivo.
Pela nossa parte, e com uma média de 12 mil passos diários, podemos afirmar que percorremos o salão de lés-a-lés várias vezes e conseguimos perceber que os relógios com cores vivas estão definitivamente na moda, especialmente em verde ou azul-celeste, ou que o tamanho dos modelos está a encolher. Em média uns dois milímetros em relação à geração anterior. Por outro lado, vêem-se cada vez mais turbilhões e todas as marcas que podem (e sabem) fazer relógios complicados estão decididas a mostrar toda a sua mestria, criando os modelos mais extraordinários que possam imaginar. É dessas obras-primas que vamos aqui falar.
Piaget e o turbilhão mais fino do que uma fatia de queijo
A Piaget celebra o 150º aniversário, e escolheu revisitar um dos seus elementos mais distintivos, os modelos ultrafinos. Foi em 1957 que a marca de La Côte-aux-Fées introduziu um calibre com 2 mm de espessura, o 9P, absolutamente revolucionário, e que viria a dar origem a vários movimentos semelhantes, incluindo um automático com apenas 2,3 mm, quase em seguida. Em 2018, o Piaget Altiplano Ultimate Concept voltava a medir 2mm, mas desta vez era todo o relógio que tinha essa espessura e já não apenas o movimento. Esse recorde já foi batido duas vez pela Bulgari – 1,8 e 1,7 mm − mas a proeza da Piaget para este ano consegue ser ainda mais surpreendente: voltamos a falar de um modelo com 2 mm, mas agora com a adição de um turbilhão, um mecanismo supercomplexo que não se percebe como cabe num espaço tão exíguo.
Piaget Altiplano Ultimate Concept Tourbillon: Contruído numa liga de Cobalto, o calibre 970P-UC funde-se com a caixa. O movimento continua automático, e com uma reserva de marca de 50 horas, apesar do turbilhão exigir mais 25% de energia para funcionar.
Vacheron Constantin e o relógio mais complicado do mundo
Antes de mais, para quem não se recorda, complicação é o nome dado a todas as funções de um relógio para além das horas, minutos e data. Ou seja, cronógrafo, calendário, GMT, etc., são complicações, exatamente porque tornam o movimento mais complexo. Até agora, a honra de ser o mais complicado pertencia à Ref 57260, resultado da encomenda de um colecionador, mas que servia igualmente para assinalar os 260 anos da Vacheron Constantin. Tinha 57 complicações, divididas por dois mostradores (frente e verso), e o colecionador ficou tão contente que não hesitou em fazer nova encomenda tendo, desta vez, saído do anonimato e assumido a paternidade do modelo. Ficámos assim a saber que se trata de W. R. Berkley, bilionário norte-americano na área dos seguros, com um gosto especial por relógios únicos. Já o Berkley, relógio, tem 63 complicações, incluindo 3 calendários perpétuos, dois deles inéditos em relojoaria: o calendário agrícola chinês e o Calendário chinês. Um calendário com muito mais anomalias e exceções do que o gregoriano, razão pela qual nunca ninguém tinha tentado (ou conseguido) esquematiza-lo num mecanismo.
Trata-se de um relógio de bolso, tal como a referência 57260, embora as suas dimensões mais generosas apontem mais para um relógio "de bolsa".
Berkley Grand Complication: O Berkley, com caixa em ouro branco, pesa 960 gramas, e tem 2,877 componentes. Demorou 11 anos a desenvolver pelos mesmos três relojoeiros que já tinham criado o 57260, e o calendário chinês atinge uma tal precisão que só em 2200 será necessário fazer uma correção. Demorou um ano a montar.
A IWC e o relógio que é suposto durar 45 milhões de anos
Os portugueses conhecem bem a família Portugieser, que tem origem numa encomenda de dois comerciantes nacionais, há mais de 80 anos. De lá para cá, tornou-se na mais icónica da IWC e foi agora escolhida para apresentar um dos modelos mais extraordinários que a marca de Schaffhausen alguma vez criou: um calendário perpétuo com as fases da lua atualizadas por… 45 milhões de anos! O anterior recorde estava algures perto dos 2 milhões, e embora ninguém vá cá estar para verificar se funciona ou não, o certo é que a precisão se estende ao resto do Calendário Perpétuo, uma vez que reconhece, igualmente, as exceções nos anos bissextos. Parece que, a cada 400 anos mais ou menos, saltamos um ano que seria bissexto e o próximo será já em 2100. O calendário promete assim ficar certo até 3999, razão pela qual a IWC preferiu chama-lo de Calendário Eterno, em vez de Perpétuo − e não há duvida de que este Português merece o título.
IWC Portugieser Calendário Eterno: com caixa em platina de 44 mm e 15 mm de altura. Lá dentro, bate o inovador calibre 52640 da IWC que, além de eterno, é de corda automática e oferece uma reserva de marcha de sete dias!
Jaeger-LeCoultre e a hyper precisão mecánica
Mesmo para uma marca que conhece como poucas o terreno das supercomplicações, a Jaeger-LeCoultre surpreendeu com este Duomètre Helioturbilhão perpétuo, que acrescenta um turbilhão tridimensional ao engenhoso esquema de dupla alimentação de carga (duomètre), para garantir a máxima precisão na medição do tempo. O primeiro revela-se muito mais eficiente a compensar os efeitos da gravidade terrestre sobre a precisão do mecanismo, e o segundo, por sua, vez permite uma melhor distribuição de energia e compensação dos gastos com as complicações adicionais. Neste caso, além do turbilhão, temos ainda um calendário perpétuo com adição de grande data, assim como um novo – e patenteado − sistema de indicação do ano bissexto. Quando é, o último dígito do ano fica vermelho.
Duomètre Heliotourbillon Perpetual: com caixa em ouro rosa de 44mm (14,7 mm de espessura) e calibre de corda manual, JLC 388. Destaque ainda para as duas indicações de reserva de marcha, uma para cada tambor (50 horas em cada). Ed. Ltd a 40 peças.
A. Lange & Söhne, e o relógio que brilha mais forte
Para assinalar os 25 anos do primeiro Datograph (data+cronógrafo), a Lange lançou uma nova versão que se destaca pela combinação de funções, materiais e legibilidade. Temos assim calendário perpetuo, turbilhão, caixa em Honeygold e um mostrador semitransparente recheado de lúmen, para que toda a face do relógio brilhe, e não apenas uns pequenos pontos. Destaque ainda para as duas assinaturas da linha, a grande data no topo e o cronógrafo flyback, com um único botão para start, stop e reset.
A. Lange & Söhne, Datograph Perpetuo Tourbillon Honeygold Lumen: com o calibre L952.4, de corda manual, e caixa em ouro mel de 41.5 mm e 14,1 mm de altura. Se por um lado impressiona a legibilidade de todas as funções no mostrador, nada como admirar a beleza e os acabamentos do movimento, no verso. Ed.Ltd a 50 exemplares.
Hermès, e o novo som da relojoaria
O Arceau Duc Attelé é o relógio mais complexo que a Hermès já apresentou, prova de que a casa francesa também pode dar cartas na alta relojoaria, ainda que recorrendo à ajuda de um grupo de relojoeiros independentes e ultra especializados, denominado Le Cercle des Horlogers. O Duc Attelé apresenta um turbilhão central, que gira em três eixos e a uma frequência mais alta do que o habitual (5Hz em vez de 4Hz). A gaiola está construída em titânio, e decorada com o H original da primeira boutique, no nº 24 Faubourg Saint Honoré. À sua volta, surgem as indicações de horas e minutos e como se isto não fosse suficiente, o Arceau oferece ainda uma repetição de minutos igualmente invulgar, pois revela o mecanismo sonoro que costuma estar tapado pelo resto do movimento. Aqui, não só os gongos estão bem visíveis no mostrador, como os martelos têm a forma de uma cabeça de cavalo. Muito fiel ao legado Hermès.
Hermès Arceau Duc Attelé: Calibre H1926, a 5 Hz, de corda manual e com 48 horas de reserva de marcha. Caixa de 43 mm disponível em ouro rosa ou titânio, sendo este último ideal por reverberar melhor o som e ser mais leve. Ed. Ltd. a 24 unidades.
Patek Philippe redescobre a roda na engrenagem
Introduzidos pela primeira vez em 1930, na era dos primeiros voos transatlânticos, os World Time afirmaram-se como uma das complicações mais emblemáticas da Patek Philippe, e esta como a escolha mais óbvia para quem procura estes relógios, capazes de indicar rapidamente as horas em qualquer um dos 24 fusos horários, mais a hora de casa. Este ano, a Patek adicionou a data à sincronização do fuso horário local, para quem chegar a um destino com o dia diferente daquele em que o relógio está, o relógio também ajuste essa indicação, e não apenas o fuso horário. Mais uma complicação absolutamente inédita e que, ao contrário do que pode parecer, foi tudo menos simples de alcançar, uma vez que essa possibilidade de ajuste provoca movimentos contraditórios nas engrenagens, que paravam todo o relógio. Um desafio em que a PP passou na perfeição e patenteou.
Patek Philippe World Time Reference 5330G: Movimento automático Calibre 240 HU C, com caixa em ouro branco de 41 mm. Destaque para a bracelete em cabedal, trabalhado para imitar denim azul claro. Cor que se repete no mostrador, contribuindo para a leveza visual do relógio.
Montblanc Minerva desvenda a tradição
A Montblanc tem vindo a afirmar-se como uma marcas das mais surpreendentes, graças – em grande parte, embora não exclusivamente – ao savoir faire da Minerva, a venerável manufatura suíça que "herdou" em 2006. E como a tradição da Minerva residia na produção dos melhores cronógrafos monopulsantes, a Montblanc tem sabido explorar esse filão muito bem, apresentando modelos cada vez mais sofisticados, e virando inclusivamente o movimento de "pernas para o ar", de forma a permitir que se consiga admirar os elementos mais importantes a partir do mostrador. Estamos a falar de peças com um acabamento perfeito e, desta vez, a própria caixa oferece janelas em cristal de safira dos lados, para que possa entrar mais luz no mostrador, e oferecendo novos ângulos para admirar o trabalho dos mestres relojoeiros de Villeret.
Montblanc 1858 The Unveiled Minerva Monopusher Chronograph: Calibre MB M17.26, mecânico de corda manual, com reserva de marcha de 50 horas. Certos elementos do calibre, como o orgão regulador, as pontes ou plantina foram decoradas a azul, fazendo ligação à bracelete. Ed. Ltd. a 100 exemplares.