São dezenas os artigos que já se escrevem acerca da La Paz e que estão compilados no site da marca. E não são publicações quaisquer. Da Monocle à L’Officiel Homme, passando pela Icon, a Hypebeast ou ainda a Highsobiety, todos estes títulos internacionais decidiram dedicar incontáveis caracteres e espaço de imagem a esta estiqueta 100% portuguesa. Os sócios e amigos de infância, os portuenses André Bastos Teixeira e Zé Miguel de Abreu, abriram a primeira loja a 4 de dezembro de 2004, no Porto. Só em 2019 resolvem descer à capital, mais precisamente à porta 16 da Rua das Flores, para darem a Lisboa um pouco daquela Paz. Plano nacional à parte, a La Paz vende para mais de 100 lojas a nível mundial — dos Estados Unidos ao Canadá, passando pelo México, o Japão e, claro, diversos cantos da Europa. De momento, prepara-se para ‘atacar’ o mercado da Escandinávia, onde a competição é feroz, já que são muitas as marcas a partilhar o ADN que tão bem define a La Paz. A vantagem é que a La Paz vende um certo southern look, ao invés do northern look escandinavo, diferenciação essa que pode fazer toda a diferença. Quem o assegura é André Bastos Teixeira, um dos sócios-fundadores da marca com sotaque de nuestros hermanos. E foi precisamente a partir deste ponto que a conversa despontou— sem ressentimentos e de forma muito pacífica, naturalmente.
Porquê um nome em espanhol para uma marca portuguesa?
Eu digo sempre que tínhamos um avô da Miranda do Douro [que faz fronteira com Espanha], um avô mirandês (risos). Mas não é o caso. Eu já tinha uma loja no Porto que se chamava La Paz Motion Studio e a empresa chamava-se La Paz. As pessoas gostavam muito do nome, da sua fonética. A ideia inicial, quando criámos esse nome, baseava-se apenas na mensagem que transmitia: Paz. Uma palavra bonita, como são outras tais como ‘esperança’.… E nós decidimos, quando estávamos a fazer esta parte da reestruturação, que se deixássemos cair o ‘La’, ficando apenas ‘A Paz’, poderia ficar difícil, para os anglo-saxónicos e não só, pronunciar essa palavra. Seria mais fácil mantermos o ‘La’, porque este era mais musical, tinha mais força. Não foi mesmo por esta palavra ser em espanhol, mas sim pela mensagem, pela fonética. As pessoas gostam muito deste nome.
Reparei, no vosso site, que a maioria da imprensa que já escreveu sobre a La Paz é internacional. E praticamente nenhuma é nacional. Porque é que acha que isto acontece?
Uma das estratégias, quando criámos a La Paz, era que esta fosse uma marca mundial e não nacional. Ou seja, seria uma marca para exportação. Em Portugal havia, há e haverá uma grande potência na indústria têxtil, existem muitas marcas internacionais a produzirem em Portugal. Então, considerámos que fazia todo o sentido aproveitar este know-how e expor a marca no plano internacional. Mas claro, acredito não ser só por isso que a imprensa lá fora fala de nós. Acho que há o reconhecimento de um trabalho que é bonito e bem feito — do [bom] gosto à estética, passando pelos desenhos e tecidos que utilizamos… Porque uma coisa é querermos que a marca tenha exposição internacional, outra é que esta realmente se proporcione.
Já havia, da vossa parte, uma ligação à indústria da moda antes de criarem a La Paz?
Eu e o Zé [o sócio Zé Miguel de Abreu] somos amigos há muitos anos. Os nossos pais já eram amigos, por isso sempre tivemos uma convivência muito natural. E tanto eu como ele tínhamos um historial ligado ao têxtil… A minha mãe tinha — e ainda tem — uma empresa de têxtil que fazia distribuição de marcas de moda a nível internacional, mas para o mercado nacional — big brands estilo Moschino, grupo Valentino, etc. Eu estudei fashion business, numa escola de moda e o Zé estudou marketing.
E daí até à ideia de quererem fazer nascer a La Paz…?
Há muito que nós andávamos a marinar sobre a ideia de trazer para Portugal marcas internacionais. Toda a gente nos dizia que o caminho era ‘exportar exportar exportar’ e nós estávamos a querer fazer exatamente o contrário, que era importar. Até que pensámos: ‘realmente é uma estupidez estarmos a importar. O mercado é pequeno, vamos sofrer’. Então decidimos criar uma marca. Eu já tinha esse sonho e o Zé concordou que fazia todo o sentido. Então começámos a juntar as peças. Pensámos: ‘vamos criar uma marca com herança portuguesa, que transporte um pouco a portugalidade e a essência do que é vestir bem em Portugal; vamos fazer uma homenagem aos nossos avós, aos nossos pais, que gostavam de se vestir bem’. Quisemos honrar o português com estilo e bom gosto, que existe e vai continuar a existir.
Ainda que não haja um estilo definido português, como há o parisiense, o londrino ou o italiano…
Não temos esse "savoir faire". É uma cultura que não existe. Mas, individualmente, e em algumas elites, existe e existia. E nós, no fundo, queríamos resgatar um pouco desse bom gosto e transportar aquilo que de bom se faz em Portugal. Além da questão da forte presença da indústria têxtil nacional. [A marca] acabou assim por ser o culminar e a junção de todos estes factores.
Ainda menos um estilo de moda escrita no masculino…
Soubemos, desde o início, que desenhar e criar para homem era o caminho. Não havia muita coisa, em termos de moda masculina, além daquelas marcas mais mainstream… Mas com uma vibe como a La Paz, não havia nada… Nessa vaga acho que fomos um bocado pioneiros. Depois vieram algumas atrás, e ainda bem! Acho até que deveriam haver muito mais. Portugal tem uma capacidade de produção incrível, além de um forte historial nesta área têxtil. E eu espero, honestamente, que haja uma onda maior de marcas, porque isto é bom para todos. É bom para o mercado português, é bom para as nossas fábricas…
O vosso estilo é muito singular. Onde vão beber inspiração?
Partimos da ideia de que ‘o mar é a nossa alma’ — ‘the sea is our soul’ é o claim da marca. Portugal é um país com uma costa riquíssima. [Com a La Paz] queremos transportar a ideia dos pescadores e de toda a costa portuguesa; a natureza agreste e rústica, coisa que transmitimos (também) através de algum tipo de lã que usamos nas nossas peças, como é o caso da lã shetlon (lã virgem). Esta é uma lã mais raw e que faz transparecer um pouco da agressividade da costa portuguesa, do desenho das próprias rochas e das cores. Inspiramo-nos muito nos pescadores, como eles se vestem, as cores que usam, os barcos. Vamos também buscar inspiração às pessoas que rodeiam as aldeias e as vilas. E, claro, tudo isto à mistura com o nosso gosto pessoal. E aqui vamos também ‘beber’ aos guarda-roupas dos nossos avós, dos nossos pais. Além de arquivos de imagens de que gostamos, etc.
Consideram que demorou mais tempo, aos portugueses, a apreciar o tipo de imagem La Paz?
Primeiro, acho que se trata de uma questão de preço. Há pessoas que têm gosto, mas não têm dinheiro — assim como há pessoas que têm dinheiro e depois não têm gosto nenhum. Acho que o preço é um factor importante. Depois, há uma questão cultural: até há bem pouco tempo, os portugueses não davam tanta importância à roupa. Muitas vezes, os que gostam de vestir [La Paz] não têm dinheiro para comprar. Outras vezes, aqueles que têm [dinheiro] não lhes passa pela cabeça dar €300 por um sobretudo ou €200 por uma camisola de lã.
Em simultâneo, há muito aquela mania dos logos, em Portugal…
Em Portugal há muitas subculturas. Do surf e do skate, que segue marcas como a Volcom ou a Quicksilver. Depois há aquela subcultura do homem que é mais [ligado a] moda, que é todo ‘fashion’, e que adota um estilo mais brilhante, cheio de branding e muito pouco discreto. Há ainda a subcultura daquele estilo que usa marcas portuguesas mais tradicionais… E depois tens um nicho mais pequeno, onde talvez se enquadrem pessoas que estejam mais ligadas à moda, ou que são designers, arquitetos… Estou a catalogar, mas pode haver uma panóplia de pessoas que possa estar dentro desse núcleo. A verdade é que não existe assim tanto. Acredito, porém, que este é um bolo que começa a crescer com a nova vaga de turismo, a mesma que traz consigo uma malta nova. São músicos, por exemplo, e pessoas ligadas à arte e à cultura que apreciam coisas diferentes e que não querem estar vestidos com aquele género catalogado.
Considera que os portugueses continuam muito agarrados às tendências e pouco inclinados para o mote do momento ‘buy less, buy better’?
Eu vejo um crescimento maior, em Portugal, em termos de número de clientes. Mas também não sei dizer aonde vamos parar aqui neste mercado. Em todo o caso, estamos mais interessados em saber como é que a marca se comporta a nível mundial. Se Portugal irá acompanhar, ou não, não sei. Claro que é sempre bom para nós que isso aconteça… Mas, repare, o preço de uma camisa Gant e o preço de uma camisa La Paz é a mesma coisa…
Lá está, a diferença, na procura, pode muito bem residir na presença do logotipo…? E voltamos à questão da logomania…
Sim, exato… Nós usamos muito pouco o logotipo. Nós temos algumas coisas de branding — como as camisolas com a âncora, ou aquelas peças com os nomes das cidades, como é o caso das T-shirts e sweatshirts La Paz Tokio. Este branding é importante para reforçar a marca, mas usamo-lo muito pouco. Para nós não fazia sequer sentido colocar logotipo em todo o lado — o nosso cliente não quer isso. O que não significa que não possamos ter, dentro da coleção, um bocadinho de marca. Porém sempre algo sóbrio…
Quem é que acha que se veste melhor: os lisboetas ou os portuenses?
Ambos se vestem muito bem. Hoje em dia é difícil fazer essa distinção. Antigamente, dizia-se que as pessoas do norte se vestiam muito melhor. Claro que, como em tudo, há pessoas que se vestem muito bem e outras que se vestem muito mal, em ambas as cidades. No norte é onde se situa toda a indústria têxtil, logo havia mais esta distinção, mas hoje não acho que seja por aí. Portugal, no geral, está a vestir-se muito melhor. [Um estilo] muito mais cuidado e apresentável. Antigamente, nos anos 20, 30, vestia-se muito bem, em Portugal. Depois, este cuidado morreu um bocadinho. Hoje, mistura-se tudo. Há um estilo mais criativo e ecléctico, talvez também pela internacionalização de Portugal. Há cada vez mais estrangeiros a virem para cá, ao mesmo tempo que se viaja muito mais. As pessoas têm mais mundo…
Quem é aquele senhor de barbas que aparece sempre nas vossas campanhas?
É o senhor Pereira. Um vendedor de redes de pesca que costuma estar na feira de Espinho [na cidade de Espinho]. É um senhor que tem uma vida muito humilde. Vive num quarto, em Rio Tinto, almoça e janta sempre numa tasca lá perto. Quando queremos falar com ele é lá que vamos ou é para lá que ligamos — ele não tem telemóvel.
E como chegaram até ele?
Quando estávamos a criar a marca, não queríamos ir buscar aqueles modelos típicos… Queríamos que a marca fosse diferente e que mostrasse a sua diferença logo na primeira campanha. Tencionávamos que fosse um modelo mais velho para mostrar que a marca abrangia todas as faixas etárias. Alguém nos falou do senhor Pereira como um ‘velhote altamente’. Então fomos falar com ele e foi amor à primeira vista. Quando vimos aquele homem com olhão azul, as rugas marcadas, o cabelo e as barbas brancas… Dissemos-lhe que o queríamos fotografar e ele ficou todo amuado, estilo ‘não me digam que me querem, mais uma vez, vestir de pai natal’ (risos). Explicamos-lhe o que era e ele ficou todo contente. Combinámos então dar-lhe dinheiro e roupa, numa base bimensal, para que fosse o rosto da nossa marca. As suas fotografias tornaram-se de tal maneira populares e famosas, que o [Mario] Testino, quando esteve no Porto para um shooting para uma publicação de moda, também o quis fotografar. Trabalhamos com ele há cerca de dez anos e, ele deve ter à volta de 70 anos. E, claro, anda sempre vestido de La Paz.