A roupa sempre serviu como um veículo de comunicação. O que vestimos é, invariavelmente, e ainda que inconscientemente, uma extensão de quem somos. Da nossa personalidade. Da mensagem que queremos transmitir ao mundo. A par de tal facto, também é certo que todas as peças que usamos carregam uma história. Porém, umas mais que as outras. O hoodie, ou capuz, que tão habituados estamos a ver nas mais diversas circunstâncias, é um dos itens com uma das vozes mais impetuosas da história da indumentária. E um dos mais controversos, também.
Com um design que pouco ou nada mudou no espaço de um século, a peça foi adoptada, geração após geração, assumindo, na maioria das vezes, uma postura de outsider por quem a veste, e integrando, quase sempre, os movimentos de contracultura que, ao longo dos tempos, se foram distinguindo. Alguém que opta por vestir um hoodie sente imediatamente os seus efeitos. Colocar um capuz sobre a cabeça carrega consigo uma sensação de proteção, uma impressão de se querer passar despercebido. Ao mesmo tempo aquece e, de certa maneira, ainda grita ao mundo "não quero nem saber" que é como quem diz "I don’t give a shit" — se nunca o sentiu, experimente usar esta peça. Do hip hop ao punk, passando pela cultura do skate e dos gangues urbanos, vestiu as mais variadas bandas, tendo sido um símbolo de arte, de música e, acima de tudo, de rebelião. Paralelamente, tornou-se também num obstinado código da decadência urbana, chegando mesmo a ser banida de escolas, em Inglaterra, e até de determinados locais públicos. À semelhança do que acontece com tudo o que é controverso, desde cedo que a vida deste item de vestuário se escreve aos trambolhões — tal como uma estrela de rock cuja decadência consegue ser, em simultâneo, o cúmulo do cool.
Graças à sua áurea, que emana uma certa clandestinidade, o capuz tem uma história de vida capaz de viajar até aos mais longínquos e recônditos tempos passados. Em antigos mosteiros, cobria os monges isolando-os nas suas práticas religiosas; por outro lado, mulheres do século XVII escolhiam usar um capuz após encontrarem-se com os seus amantes, mantendo assim o anonimato e evitando possíveis escândalos. Porém, o hoodie, como hoje o conhecemos — desportivo, casual, controverso e, sempre, mas sempre, uber cool —, remonta a 1930. Nesta altura, eram produzidas, pela marca americana Champion, as primeiras camisolas de capuz com o intuito de proteger os seus trabalhadores contra o frio e o vento. Num ápice, a peça passa a ser adoptada por atletas ou apenas por qualquer pessoa que se quisesse proteger do gélido inverno sentido no Hemisfério Norte. Já em 1938, e sob a alçada da mesma marca, nasce a primeira sweatshirt em algodão. Apelidada de Reverse Weave® Sweatshirt, a Champions cria a primeira peça que promete qualidade, durabilidade e um maior conforto, uma vez que antes disso as camisolas de desporto eram produzidas em materiais não-tão-práticos-assim, como era o caso da lã. Do desporto até às ruas foi um pulo. Estamos em 1970 quando a peça mais confortável do guarda-roupa, pelo menos até à data, passa a ser a "farda" do movimento do hip hop.
A par do crescimento de uma cultura de rua, até então inexistente, a cidade de Nova Iorque começa a ver-se pintada de graffitis que se criam ao som daquele estilo musical. Os responsáveis por detrás de um suposto "vandalismo", que é hoje reconhecido como arte urbana, escolhiam hoodies para se esconder e se proteger, criando assim uma espécie de cobertura para a prática de atividades consideradas ilegais. "O hoodie era apenas parte do visual de rua do começo do movimento", disse à revista Vice a historiadora do hip hop Halifu Osumare. E acrescenta: "É fascinante ver como a cultura de rua foi cooptada e comercializada pela alta moda". Confere: uma década depois de rebentar aquela cultura do hip hop, chega a vez da designer de moda norte americana, Norma Kamali, criar a célebre Sweatshirt Collection. O objetivo seria revolucionar as tendências do ready-to-wear, assim como a perceção da indústria de moda no recurso a materiais do dia-a-dia para criar moda ultrasofisticada. Não tardou que o hoodie chegasse também à arte (pondo aqui de parte a ideia de que moda é, também, uma forma arte).
Em 1993, David Hammons apresenta In the Hood. A peça exposta na Galeria Mnuchin, em Nova Iorque, que consistia no capuz de uma camisola pregado a uma parede, pretendia mostrar o que era ser-se jovem, negro e do sexo masculino na sociedade da época. Tratava-se de um pedaço de tecido industrial, pendurado no alto, evocando linchamentos e, quiçá, Cristo. O corte grosseiro do capuz evocaria um membro rasgado do corpo. Mais uma vez, a roupa enquanto veículo de mensagens políticas e, naquele caso específico, o hoodie enquanto símbolo de um movimento anti-racismo — que, como se veio a revelar mais tarde, com o caso de Trayvon Martin, não terminou com aquela exposição. Na mesma entrevista à revista Vice, a historiadora de hip hop citada acima, Halifu Osumare, sugere que há duas figuras que resumem bem as associações culturais com as sweatshirts de capuz: Trayvon Martin e Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. O primeiro representa a demonização atual dos jovens negros; o outro, que usa sempre hoodie nas reuniões de acionistas da sua empresa, tornou-se num ícone irónico do estilo normcore nerd. O hoodie, acrescentou Osumare, é "um símbolo quintessencial entre a cultura de rua e o capitalismo". Ou então, podemos vestir o hoodie assumindo a versão de Paola Antonelli, curadora sénior de arquitetura e design e diretora de pesquisa e desenvolvimento do MoMA que, num vídeo para as conferências TED, resume a história do hoodie da seguinte forma: "Se alguém estiver a usar um fato e uma gravata, essa pessoa pode muito bem ser o guarda-costas. A pessoa realmente poderosa é aquela que veste uma sweatshirt de capuz, uma t-shirt e uns jeans".