Estilo

Temos de falar sobre Virgil Abloh!

É um cidadão do mundo e um criativo em constante movimento. Na moda, Virgil Abloh representa o triunfo da união contrastante entre o streetwear e o luxo e a concretização de muitos sucessos improváveis num meio em plena revolução. O mote: chegar, criar e vencer.

Foto: Getty Images
30 de setembro de 2019 | Carolina Carvalho

Virgil Abloh tem uma marca de moda bem-sucedida. Chama-se Off-White e foi criada em 2013. A Vanity Fair chamou a este designer de moda o "príncipe das colaborações", a Time considerou-o uma das duas únicas pessoas da moda a incluir na lista das 100 pessoas mais influentes de 2018, fez uma exposição com Takashi Murakami, em Londres, é o novo director criativo da linha masculina da Louis Vuitton. Isto para referir apenas distinções que aconteceram este ano. Mas, tal como a sua marca é considerada um "híbrido" por misturar streetwear com moda de luxo, também Virgil Abloh é, ele próprio, uma mistura de influências e de experiências que parecem, à partida, contrastar. Licenciou-se em Engenharia Civil, começou a carreira criativa ao lado de Kanye West, a sua parceria mais recente é com a Ikea, não tem escritório (diz que trabalha de telemóvel na mão), pinta e é Dj. Tudo isto faz de Virgil Abloh uma das personagens do momento. Basta googlar o nome deste criativo ou visitar o seu perfil no Instagram (com, pelo menos, 3,1 milhões de seguidores) para perceber que a sua influência tem vindo a crescer. Mas falta perceber porquê? E, já agora, o que é que este seu sucesso nos diz sobre o estado actual da moda?

Contar a história de Virgil Abloh na Moda não requer começar com "Era uma vez…", já que ele pertence ao tempo das Instastories e não dos grandes clássicos, mas vale a pena recuar até meados da década de 1990. Alexandre de Betak, o génio por detrás de inúmeras produções de moda ao longo de mais de duas décadas, disse em entrevista à Máxima, no final de 2017, que há 25 anos, quando ele próprio começou a trabalhar nesse meio, estava a acontecer uma "primeira revolução dos desfiles que consistiu em torná-los ‘mediagénicos’, primeiro, e ‘webgénicos’, depois". A irreverência de génios como John Galliano ou Alexander McQueen na Semana de Moda de Paris, ao leme das míticas casas de moda Christian Dior e Givenchy, teve um efeito de "fada-madrinha" e mostrou que, na Moda, as fantasias se tornam realidade. O desfile espectáculo foi então passando de um evento de luxo exclusivo a uma experiência criada para ser partilhada e foi a evolução tecnológica que provocou esta mudança, como Betak confirma ? "Agora eu considero que está a acontecer uma segunda revolução que está relacionada com o conteúdo digital" ? e acrescenta que esta ajuda as marcas a tornarem-se mais criativas para que os seus desfiles se tornem conteúdos mais digitais. É nesta nova era que se abre espaço para personagens como Virgil Abloh. Diz o criativo que está focado numa geração a quem ainda não foi comunicado o luxo e que a Off-White é, provavelmente, a primeira marca de luxo construída a partir das redes sociais. Hoje, chega a 280 postos de venda pelo mundo, incluindo uma flagship store em Tóquio. Virgil licenciou-se em Engenharia Civil porque o pai queria que ele fosse engenheiro, mas foi com a mãe, costureira, que aprendeu a arte de trabalhar os tecidos. Nascido a 30 de Setembro de 1980, nos arredores de Chicago, filho de pais imigrantes do Gana, tem uma irmã e o herói de infância é Michael Jordan. Mais tarde especializou-se em Arquitectura, mas talvez a carreira se tenha começado a desenhar quando conheceu Kanye West. Juntos estagiaram na Fendi, em Roma, em 2009, e, no ano seguinte, Virgil Abloh assumiu o cargo de director criativo da Donda, agência criativa do músico, tendo em 2011 dirigido o álbum Watch the Throne. Num artigo do The New York Times que acompanha 48 preenchidas horas da vida de Virgil Abloh, este afirma que "não há falhanço em estar constantemente a criar. O único falhanço é se não estás de facto a fazer nada". E, seguindo esta máxima, o rapaz dos subúrbios começou a sua própria marca. Diz que os anos da adolescência foram a fundação de tudo o que fez depois, por isso, andar de skate e ouvir Nirvana iria, naturalmente, traduzir-se em streetwear.
O desfile da coleção primavera/verão 2020 da Off-White, em Junho de 2019, Paris
O desfile da coleção primavera/verão 2020 da Off-White, em Junho de 2019, Paris Foto: Getty Images

Tudo começou com o lançamento de um projecto com o nome Pyrex, em 2012. No ano seguinte transformou-o na Off-White c/o Virgil Abloh. Para elevar o estatuto e a qualidade das peças, a produção passou a ser feita nas fábricas das marcas de luxo. Por isso, hoje a Off-White apresenta as colecções na Semana de Moda de Paris (com linhas femininas e masculinas), mas tem o quartel-general num antigo palácio de Milão. O fundador diz que a marca funciona como um laboratório e os seus "cientistas" conseguiram a difícil proeza de criar, não uma, mas três assinaturas nessa marca, numa altura em que parece que já tudo foi visto e inventado. As riscas brancas e pretas na diagonal, as citações como estampagem e o uso do tipo de letra Helvética parecem formar um trio de regras que tem sido respeitado ao longo destes cinco anos. Só uma marca com uma identidade bem definida consegue incluir no mesmo currículo colaborações com a Nike (das quais saem sapatos de ténis que são verdadeiros objectos de desejo para fãs e jogadores de basquetebol), Moncler ou Levi’s, isto depois de uma colecção de Primavera/Verão 2018, intitulada Natural Woman e inspirada na princesa Diana, para a qual fez também uma parceria com a Jimmy Choo, uma das marcas de calçado que a princesa usava. A ciência de Virgil Abloh tem-se revelado um bom remédio para os tempos que a Moda vive. Em 2017, o seu nome circulou em rumores que o apontavam tanto para a Casa Givenchy, substituindo Riccardo Tisci, como para a Versace. Nenhum dos dois se concretizou, mas fica a constatação de que o seu trabalho estava a ser notado e bem cotado.

O desfile de estreia de Virgil ABloh na Louis Vuitton, em Junho de 2018, Paris
O desfile de estreia de Virgil ABloh na Louis Vuitton, em Junho de 2018, Paris Foto: Getty Images

O desfile de outono/inverno 2018/2019 da colecção feminina Off-White aconteceu em março e teve lugar num pavilhão da Rue Cambon, em Paris, contou com Bella Hadid e Kaya Gerber a desfilar, Anna Wintour assistiu na primeira fila e até foi aos bastidores desejar boa sorte ao criador antes do desfile começar. Em 2015, Virgil e a sua marca chegaram a finalistas do Prémio LVMH, atribuído anualmente pelo gigante de luxo aos novos talentos da moda, mas não ganharam. O reconhecimento do grupo que detém a Louis Vuitton chegaria em março de 2018 com a nomeação de Virgil Abloh como o novo diretor criativo da linha masculina da casa, substituindo o amigo Kim Jones. É o primeiro afro-americano a tomar as rédeas de uma das linhas criativas da marca de luxo francesa. O CEO da Louis Vuitton, Michael Burke, já tinha trabalhado com ele na Fendi, em 2006, e manifestou em comunicado oficial o entusiasmo "por ver como a sua criatividade inata e abordagem disruptiva o tornaram tão relevante, não apenas no mundo da moda, mas na cultura pop dos nossos dias". E acrescentou: "A sua sensibilidade em relação ao luxo e savoir-faire serão instrumentais para transportar a colecção de homem da Louis Vuitton até ao futuro." E apenas três meses depois da sua chegada, a primeira colecção em nome da marca foi apresentada a 21 de junho de 2018 (na Semana de Moda de homem de Paris Primavera/Verão 2019). Nos jardins do Palais Royal desenrolou-se uma longa passerelle arco-íris e este foi apenas um dos elementos inspiradores deste sonho tornado realidade. Na primeira fila, os amigos e celebridades (entre eles o casal Kardashian-West ou Rihanna) mostraram o apoio a uma colecção em que as roupas e os acessórios são ambos protagonistas e conseguiram a mistura mágica entre classicismo e contemporaneidade descontraída, tendo o Feiticeiro de Oz como uma das fontes de inspiração.

Um dos segredos do sucesso de Virgil Abloh parece ser o equilíbrio na elevação de uma peça de streetwear aos padrões de moda de luxo. Para o conseguir tem de conhecer muito bem os dois mundos. A Vogue inglesa, de Abril de 2018, dedica-lhe um artigo e conta que o criador tem uma colecção de carteiras Birkin (Hermès) porque adora a qualidade e o facto de estarem ligadas a uma perspectiva da história. O artigo aponta-o como o reflexo da democracia da Moda que se vive hoje, recordando que quando Virgil e Kanye West começaram a ir a desfiles da Semana de Moda de Paris, a aparência foi uma barreira que não lhes permitiu entrar em muitos deles. Primeiro, a passagem de peças e temas de streetwear para a passerelle começou por ser vista quase como uma tendência exótica e foram as redes sociais e a tecnologia que realmente mudaram a comunicação da Moda com os seus públicos, tornando esta "democratização" uma realidade. Uma prova disto é a categoria Urban Luxe dos British Fashion Awards que, na edição de 2017, distinguiu Virgil Abloh e a Off-White. "O facto deste prémio e desta categoria existirem significa que há uma série de miúdos fora daqui que, provavelmente, não conseguiram entrar e querem participar e esta comunidade decidiu que eles podem participar", disse o criador no seu discurso.

Virgil Abloh com a modelo Gigi Hadid na chegada aos prémios CFDA 2019, em junho de 2019, no Brooklyn Museum, Nova Iorque
Virgil Abloh com a modelo Gigi Hadid na chegada aos prémios CFDA 2019, em junho de 2019, no Brooklyn Museum, Nova Iorque Foto: Getty Images


O ar sério desconstrói-se numa figura simpática, de ritmo calmo, tom modesto e discurso descomplicado. Numa conferência sobre a sua experiência profissional, proferida na Design School da Universidade de Harvard (disponível no YouTube), ele parece um ex-aluno a falar com colegas. Na verdade, é apenas uma das figuras que, neste momento, mais curiosidade desperta na Moda, exercendo uma influência que vem mais do trabalho realizado do que dos locais onde tem aparecido. Apesar de ter toda a sua base profissional sediada na Europa, Virgil continua a viver em Chicago. Está sempre em movimento. Diz que faz cerca de oito voos por semana e há várias cidades que visita com regularidade. Tem um grupo de trabalho no WhatsApp para cada projecto em que está envolvido. E já tem grandes planos para 2019: o Museum of Contemporary Art de Chicago vai dedicar-lhe a exposição retrospectiva Figures of Speech, entre 8 de junho e 22 de setembro, estando também previsto para o próximo ano o resultado da colaboração de Virgil com a Ikea. Abloh contou ao The New York Times que, quando era aluno de Arquitectura, um professor lhe disse que ele não tinha ideias ou aptidões para trabalhar num contexto importante. Agora, como acontece com qualquer conquistador, a pergunta que se impõe é: o que virá a seguir?

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