Será que as ressacas pioram mesmo com a idade?
The struggle is real. Quanto mais velhos ficamos, mais doloroso se torna o day after”. Certo? Há quem julgue que sim, justificando-o com alguns factores de peso. Porém, outros defendem que a culpa não é da idade. Que, mais ano menos ano, uma ressaca será sempre uma ressaca. E que a culpa é sempre e somente do álcool ingerido, qual peso do tempo.
É possível e provável que qualquer ser humano com mais de 30 anos e uma apetência por uma boa noite de farra, já tenha proferido, em algum instante da sua vida adulta, a seguinte frase: "A idade não perdoa". Acompanhada da mesma, uma dor de cabeça infernal com direito a impiedosas marteladas que, por sua vez, irão conduzir às famosas náuseas e enjoos, às dores no corpo e àquela inevitável sensação de culpa. Isto tudo sempre muito bem assistido pela clássica afirmação: "Nunca mais bebo álcool na minha vida". Uma intenção que, tal como todas as boas intenções deste mundo, acaba por ficar a marinar algures nos mares do inferno para todo o sempre. Pois bem, a ressaca é um mal que calha a todos.
De acordo com dados fornecidos por Gemma Prat com base num estudo realizado por Ernest Harbourg em 1993 (Psychosocial factors, alcohol use, and hangover sings among social drinkers), 75% das pessoas que se embebedaram já tiveram uma ressaca. Ou, dito por outras palavras: "Um quadro de mal-estar generalizado que se produz no organismo como consequência do consumo excessivo de álcool", numa definição de José Zarco e Ignacio Ruz, membros do Grupo de Trabalho de Intervenção em drogas da Sociedade Espanhola de Medicina Familiar e Comunitáriam, citada no jornal El País. Facto é que, se recuarmos uns anos até aos tempos em que a vida era uma festa, em que as responsabilidades eram poucas, em que todos os fins de semana eram "a loucura", em que um shot nunca vinha só (na maioria das vezes vinham aos pares), em que a exigência com a qualidade do álcool era quase nula, e se nos tentarmos recordar de ter ressacas monumentais nessa altura, não conseguimos. O mais provável era até que no dia seguinte estivéssemos "prontos para outra". Hoje, com 30 ou mais anos, tal não se sucede. Uma ressaca depois dos 30 anos não dura apenas um dia, resolvendo arrastar-se, lenta e dolorosamente, pela semana adentro. Quarta-feira é, com sorte, o dia em que esta deixa, finalmente, de dar de si. E há factores que justificam esta (triste) realidade. Num artigo publicado no site Business Insider são apontados alguns motivos que explicam por que é que as ressacas são piores com o avançar da idade.
A composição do corpo muda
A maioria das pessoas perde músculo e ganha mais gordura à medida que envelhece. O músculo é constituído por 75% de água, enquanto a gordura contém apenas 10%. Uma vez que o álcool é absorvido mais rapidamente em corpos ricos em água — ou seja, aqueles que têm mais músculos —, quanto mais gordura se tiver, mais tempo o álcool permanecerá no sistema. Além disso, conter um menor teor de água corporal significa que se apresenta um maior risco de desidratação ao se consumir álcool.
O fígado já não é o mesmo
As enzimas presentes no fígado são responsáveis por metabolizar o álcool e ajudar a limpá-lo do seu organismo. No entanto, com o avançar da idade, perdemos algumas dessas enzimas e, as que sobram, são menos eficientes.
O processo de recuperação do corpo fica mais lento
À medida que vamos envelhecendo o corpo demora mais tempo a combater infeções e doenças. Isso significa que uma noite de bebedeira e de farra terá uma recuperação mais lenta do que teria "antigamente".
Bebe-se (muito) com menos frequência
Não é segredo que o hábito de consumir álcool muda com o tempo. Quando somos mais jovens tendemos a beber muito numa noite e, à medida que envelhecemos, bebemos em menores quantidades, porém mais vezes por semana. O problema é que, quando se bebe apenas socialmente, e se ultrapassa o limite num dia específico, o fígado já não está acostumado a essa quantidade e demora mais tempo a lidar com tanta quantidade de álcool no sistema. O resultado já sabemos qual é: ressaca.
Ou então não
A opinião não é unânime. Num artigo publicado no El País, a questão da idade como sendo a principal causa das ressacas mais fortes, é desmentida. Pelo contrário, escreve-se naquele site que "as piores ressacas ocorrem em idades jovens". David Rodríguez, professor da Universidade de Salamanca e autor do livro Alcohol y Cerebro (2010), garante que "não há razão para se dizer que as ressacas pioram com a idade". Na opinião daquele médico, "o álcool afeta-nos mais quando somos mais jovens, o metabolismo não piora quando chegamos aos 30 anos e todos nós deveríamos beber menos". Então e todas aquelas razões apontadas acima? Não as levamos em conta? "É verdade que a quantidade de gordura pode influir nos efeitos do álcool. Por exemplo, as mulheres têm, no geral, uma proporção maior de gordura do que de água no corpo. Isto contribui para que o álcool as afete mais, já que a gordura não absorve o álcool e isso faz com que seja mais difícil que este se dilua", consente Rodríguez.
No entanto, no que respeita o metabolismo do álcool, o médico observa que "não há diferenças significativas por idade". E mantém: "A metabolização do álcool é realmente pior nas mulheres pela ausência de uma enzima no estômago. Também é mais difícil para muitos asiáticos. E há diferenças entre indivíduos: há pessoas que o metabolizam mais depressa. Mas a idade só influiria no caso de pessoas muito velhas, já que nessa fase o fígado está mais cansado". Quando confrontado com a questão de que, efetivamente, as ressacas parecem ser muito piores a partir dos 30 anos, Rodríguez atribui essa crença a uma "percepção individual". Explica que não estamos a comparar as doses que tenhamos medido de forma confiável, mas que comparamos "a lembrança de quando tínhamos 20 anos com outra lembrança mais recente". E remata: "É preciso levar em conta que uma das tendências habituais da memória é aquela apelidada de ‘último evento’: damos mais importância aos acontecimentos recentes e esquecemos os anteriores". Também faz uma alusão ao estilo de vida que se têm aos 18 anos e aquele que se pratica com 35. Quando somos adultos, é possível que à ressaca se some um bebé que chora desde as sete horas da manhã, ou um almoço de família daqueles em que ninguém fala, mas em que toda a gente berra. Com 20 anos, uma ressaca era uma cicatriz de guerra", afirma Rodríguez. "Com 35 é um fracasso e só serve para nos lamentarmos sobre o que fizemos ontem. Não compensa". Perante isto, o que fazer? A resposta do autor de Alcohol y Cerebro (2010) é implacável: "O melhor é não beber". Ou então podemos beber de forma lenta. Ou podemos ir intercalando o álcool com copos de água que prometem amenizar as dores da ressaca — eu uso bastante esta técnica e a verdade é que raramente tenho uma ressaca.
O problema é que quando o estado do consumo já vai com um certo avanço lá se vão as boas intenções. Rodríguez salienta ainda que a culpa das ressacas também não é das misturas de bebidas, como tanto ouvimos dizer, afirmando que "o verdadeiro problema das misturas é que envolvem muito consumo de álcool". Ou seja, dito muito friamente e sem floreados, a principal causa da ressaca, de acordo com David Rodríguez, é a quantidade de álcool etílico ingerido. Perante isto, podemos continuar a culpar a idade debruçando-nos sob os factores apontados na primeira parte deste texto; podemos descartar a questão da idade, como nos demonstra a segunda parte; ou podemos, simplesmente, continuar a apanhar bebedeiras como se não houvesse amanhã. O problema é que há amanhã. E o amanhã dos 30 é provável que seja bem mais complexo que o amanhã dos sweet sixteen. A escolha é sua.
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