Estilo / Beleza & Bem-Estar

Um parisiense, um perfume e um paraíso chamado Comporta

Descobriu Portugal há 10 anos, altura em que comprou um terreno na Comporta. Da Alma da Comporta como apelidou a sua casa, nasceu o perfume Alma. Agora, Pierre Bouissou prepara-se para lançar a sua segunda fragrância, bem como uma linha de produtos de cosmética — a grande surpresa que acabou por desvendar à Must.

Foto: D.R.
06 de novembro de 2020 | Pureza Fleming
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Irrompeu sala adentro de sorriso esbugalhado, numa simpatia desmedida e nada francesa — pardon ma french. Já o estilo, esse sim, tinha Paris escrito por todo o lado. Aquele clássico parisiense que, sendo impec, revela, também, não ter dado maçada de espécie alguma. Aquele look délabré, que tão bem carateriza os franceses, típico de quem não passou mais de dez minutos a pensar naquilo que iria vestir. E que, ainda assim, e no final das contas, não há ali nada que falhe. Refiro-me à boa camisola que dispensou logotipos (como bom parisiense que é, fez questão de assinalar a sua aversão à logomania), mas que, muito provavelmente, era feita do melhor e mais duradouro material do universos dos tecidos. E as calças, apenas simples — tão simples que não me ocorre dizer mais nada acerca delas, nem o tom de que se pintavam, nem o material de que eram feitas. Acontece que não é necessário. No final, é de bom gosto que se vestia Pierre Bouissou, o semi despenteado, cosmetologista francês, natural de Nice, da Côte d’Azul Francesa, a residir, atualmente, em Portugal. Mais especificamente, entre Lisboa e a Comporta. Assim que me vê, de mãos abanar, pergunta-me, imediatamente, se eu já tenho o perfume da sua autoria (e que é motivo de tão grande orgulho seu, como o leitor já verá mais adiante), o perfume unissexo, Alma. Respondi negativamente: "Não, não tenho". Ou melhor, não tinha. Cinco minutos depois já a embalagem estava nas minhas mãos. E, em trinta segundos, já eu o tinha vaporizado nos meus pulsos, esfregando-os freneticamente, um contra o outro, de maneira a "espalhar o cheiro" — óptimo, por sinal. Menos bom, tinha sido o meu gesto de esfregar os pulsos, adiantou o perfumista francês: "Nunca se deve esfregar os pulsos. Primeiro, experimenta num pulso. Depois cheira. Espera cinco minutos e, então, esfrega naquele que é, para mim, o melhor  local [para se colocar perfume]: atrás das orelhas. Experimente, esta noite, mostre ao seu marido, e veja a reação". Lição número um aprendida. Pierre conta com 30 anos de carreira, 20 deles na indústria da cosmética, nomeadamente, nos mercados do luxury e da skincaresó dispensa a área da maquilhagem, asseverou. "O meu percurso foi todo feito naquelas áreas. Mas eu amo perfume e sempre usei muito perfume" — como bom francês que é, pensei eu em voz alta — houve, claro, risos. E manteve: "Eu vivia (em Paris) a um ritmo alucinante. E passava a vida em países como o Japão, a Coreia, a China, devido às suas marcas de skincare [aqueles são países muito conhecidos pelos avanços nas áreas dos cuidados de pele e da dermatologia]. Eu não conhecia Portugal e, a primeira vez que vim a Portugal, eu descobri a Comporta. Então, quando eu cheguei à Comporta… Quando eu senti aqueles cheiros que eram tão diferentes de tudo aquilo que eu já tinha sentido antes… Os cheiros da Comporta vieram até mim e a sensação foi incrível! E eu pensei, instantaneamente: ‘Eu gostava de desenvolver uma fragrância criada, especialmente, da Comporta para a Comporta’". Vai, assim, começando a narrar a história da sua criação — o perfume Alma — com um entusiasmo que é notório desde o momento em que entrou naquela sala e em que me ofereceu o seu perfume, fazendo questão que o experimentasse.

Foto: D.R.




Pierre ama o seu perfume com uma convicção a que não se assiste, todos os dias, nos discursos dos demais artistas. A acrescentar à mistura do inglês e do francês com que dialoga, assiste-se à linguagem de uma paixão que, realmente, o move. Explica como, no início, tinha sido difícil exprimir, em uma fragrância, o que é que era a Comporta. A habitual resina, os característicos arrozais… Relembra que, a princípio, tudo transpirava a pinha e a lavanda, e que tal acontecia em demasia. Ainda não estava lá. Diziam-lhe, aqueles por quem se rodeava: "És muito exigente". Ao qual Pierre ripostava: "Sim, eu sei que sou. Porque eu quero o cheiro da Comporta, quero criar uma fragrância muito específica". Esclarece-me que há cerca de 365 perfumes novos por ano. Mas que só três ou quatro são capazes de alcançar o sucesso, porque a maioria não tem identidade. E traz à conversa nomes de perfumes, como os icónicos Chanel nº5, ou o J’Adore, da Dior. "Porque é preciso tempo para se estabelecer uma fragrância", remata. Porquê a Comporta?, questiono. "It’s a secret" — ri-se. Assevera-me que o secretismo que lhe dá a Comporta é o mais importante. E deslinda: "Quando se é uma figura pública, porque eu vivia [em Paris], a ter jantares e eventos com atrizes e figuras públicas, estava sempre rodeado de uma data de gente. E esse não é o meu trabalho. O meu trabalho é criar, não é ter relações com pessoas importantes. O que eu amo, na Comporta, é que eu [por lá] não sou ninguém, ninguém me conhece e esse é o melhor ambiente para se criar. Eu sou francês. Eu pago os meus impostos em França. Eu não vim para cá [para Portugal] pelos impostos. Eu vivo cá apenas por paixão, pelo amor que tenho a este país. Eu estive em Paris, na semana passada, e só pensava ‘Meu Deus, eu quero voltar para Portugal’. Foi desastroso. Eu tenho um apartamento em Lisboa, eu vivo em Lisboa, e vou à Comporta, frequentemente. Eu sou português (risos)". Pierre decidiu, então, comprar um terreno, na Comporta, onde construiu a casa Alma da Comporta, que é também o epicentro da marca. "Para mim, a Comporta é atravessar os campos, abrir as janelas do carro e sentir os diversos cheiros. E os cheiros que se sente é um pouco como os habitantes da Comporta: são discretos, refinados, secretos. Eu não conheço os meus vizinhos… E isso para mim é luxo. É uma atitude de vida". Conta que quer desenvolver uma marca de cosmética rara, porque "Portugal é um país fantástico, amo Portugal, mas não há mercado de luxo. E precisa de haver mercado de luxo [em Portugal]". Relembra quando lançou o Alma, em maio de 2019, e cujo preço era de 180€: "Toda a gente me dizia: ‘Estás louco?’. E eu dizia: ‘Não estou! Porque o packaging será muito caro’. E  também porque eu queria o melhor para Portugal". Assim define o Alma: Autêntico, artesanal, o produto que melhor combina com a Comporta. O perfume que respeita a Comporta — palavra de perfumista. E recorda: "Eu não poderia lançar este produto se os habitantes da Comporta não reconhecessem esta fragrância como transmitindo Comporta. Então, eu andei de restaurante em restaurante, de café em café, a dar a cheirar às pessoas e perguntava: ‘Gosta? Cheira-lhe a Comporta?’. E as pessoas diziam: ‘Sim!’ E, passado um ano, eu fiquei muito feliz porque toda a gente, na Comporta, dizia: "Esta é uma fragrância Comporta, definitivamente". E continua: "O [perfume] Alma é um perfume para quem gosta do que é autêntico, natural. Para quem não gosta de bling bling. Para quem não gosta nadaaaaaa (sublinha o ‘nada’) de bling bling. É para quem adora materiais bons e de qualidade. Não é para provocar um efeito fashion, mas sim para ser um perfume intemporal. E sofisticado. O Alma é para quem aprecia o que é bom, autêntico, original. Tal como é a Comporta".

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Foto: D.R.




Por um produto incrível — e para que mais venham

"Eu estou muito feliz, porque o retorno de toda a gente é que [aquela fragrância] é única. Não se pode compará-la com nenhuma outra. A minha fragrância é única e eu estou muito orgulhoso. E este é apenas o início de uma marca". O entusiasmo de Pierre é, como é evidente ao longo da conversa, uma constante. Pergunto-lhe o que é necessário, além desta notória paixão por aquilo que faz, para se desenvolver um produto excepcional. "É preciso tempo. É preciso ter-se um nariz incrível. E, além dos ingredientes certos, é necessário, acima de tudo, saber misturá-los bem. Porque é muito fácil fazer-se uma fragrância, o difícil é que esta tenha identidade". A conversa do nariz que, inevitavelmente, vem a conversa — ou não estivéssemos a conversar com um perfumista. "Eu considero que o mais importante é a relação com o nariz. Eu crio o conceito, as ideias e a imagem. Quando se cria algo, é necessário que haja um moodboard. Então, eu coloco alguma imagens que representam as minhas ideias e, depois, eu discuto com o meu nariz e ele interpreta a minha ideia. É uma parceria entre ambos!". E treinos para o nariz, há? "Eu tenho um bom treino, porque eu trabalhei em skincare. E, nessa área, também é preciso usar-se fragrâncias, mas são muito difíceis. Porque a fragrância tem de cobrir ingredientes ativos que são muito fortes. É mais difícil criar uma fragrância para skincare do que para um perfume. Porque é preciso adaptar tudo… Então é por isso que eu já levo um bom treino a usar o meu nariz" (risos). As boas notícias, porque as há, é que Pierre prepara-se para lançar um novo perfume, novidade à qual se junta outra de maior dimensão que é uma linha de cuidados de rosto. "Eu passei três meses [na altura do confinamento], em minha casa, em Paris, sozinho. A criar estas novidades. Mas foi difícil. No final do confinamento, eu tive uma conversa com o meu nariz e disse: ‘Adeus confinamento, tu tiveste uma boa ideia, mas eu agora vou para Lisboa’". Conta que, já na Comporta, a desenvolver as novidades, acorda às quatro da manhã e fica a contemplar os campos e a sua terra, algo que o deixa completamente criativo. Deduzo que tudo o que possa vir aí seja extraordinário. Certamente será, ainda que Pierre deixe uma noção: "Perfume é difícil. Ou se gosta ou não se gosta. E não se sabe, até ser lançado, se aquilo vai ser um sucesso. Quando lancei a minha fragrância [Alma], foi um desafio, mas na minha cabeça era muito claro [que iria ter sucesso]. Eu não queria lançar seis ou sete fragrâncias porque é impossível. Quando se tem o produto certo, é preciso focar-se nesse produto e capitalizá-lo". Agora, resta-nos esperar que chegue a próxima fragrância, para que possamos colocar no pulso, esperar cinco minutos, esfregar atrás da orelha, e deixar que o sistema olfativo trate do resto.

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