Imortalidade: a que preço? É a grande ironia da condição humana que, enquanto os jovens anseiam por riqueza, os ricos anseiem por juventude. Por isso, se você fosse o homem mais rico do mundo, quanto estaria disposto a gastar para ter a possibilidade de viver para sempre? Aos 57 anos e recentemente reformado do cargo de CEO da Amazon, Jeff Bezos dificilmente estará a jogar xadrez com a morte – mas isso não o impediu de financiar uma nova empresa que pretende vencer o próprio envelhecimento.
Fundado no início deste ano nas colinas de Los Altos, com vista para Silicon Valley, o Altos Labs foi financiado com 270 milhões de dólares de investidores, dos quais uma quantia não divulgada veio, alegadamente, de Bezos. A empresa recrutou várias mentes brilhantes de todo o mundo, arrancando especialistas de laboratórios e universidades de elite, multiplicando instantaneamente os seus salários e libertando-os da burocracia da vida institucional dos comuns mortais. No Altos, têm uma única e simples tarefa – descobrir o elixir da juventude.
Bezos não está sozinho. A outra – grande – preocupação dos fundadores de Silicon Valley quando chega a hora de esbanjarem o seu dinheiro, depois das missões espaciais, é vencer as fronteiras da biotecnologia. Da Amazon à Google, passando pelo Facebook, entre outras, um novo health club para os rapazes multimilionários está em marcha.
Peter Thiel, de 53 anos, co-fundador da PayPal que, enquanto um dos primeiros investidores adquiriu uma posição acionista de 10 por cento no Facebook por 500 mil dólares, já referiu a sua intenção de viver "para sempre". Quando, um dia, lhe perguntaram a sua opinião sobre a morte, deu a famosa resposta: "Sou, basicamente, contra". Thiel investiu na Unity Biotechnology, uma empresa em busca de um remédio contra o processo de envelhecimento celular, conhecido como senescência. Bezos também investiu na Unity quando a empresa angariou 116 milhões de dólares no outono de 2016.
Nessa altura, Larry Page e Sergey Brin, da Google, já tinham anunciado a Calico – ou seja, a California Life Company. À semelhança do Altos, recrutou muita gente e pagou-lhes generosamente, tudo em nome de compreender os processos fundamentais do envelhecimento e de recolher informações para melhorar a longevidade. O que é difícil é ter a certeza de quando as nossas esperanças de vida vão ser alteradas porque, como tanta coisa no mundo da tecnologia, o segredo é valorizado.
Claro que é fácil fazer troças destes homens de meia-idade com dificuldades em lidar com a morte – algo que, por mais milhões que tenham, não conseguem vencer. Silicon Valley até tem um Prémio de Longevidade de 1 milhão de dólares para atrair projetos que "curam o envelhecimento". Estarão eles assim tão errados em querer alcançar algo tão inatingível? Afinal, Bezos acaba de se lançar para o espaço a bordo do seu próprio foguetão – nada mau para um homem que abriu uma livraria online. Com efeito, a fé que os habitantes de Silicon Valley depositam no seu modelo – financiando empreendimentos ousados que desafiam as normas previamente estabelecidas – incentiva ativamente a arrogância. E a saúde humana está numa curva ascendente extraordinária.
A esperança de vida duplicou nos últimos 150 anos, à medida que infeções, vacinas, nutrição e saúde materna melhoraram radicalmente. Os grandes assassinos de hoje – nomeadamente o cancro e a demência – são muito mais difíceis de resolver. Investigadores de todo o mundo especializam-se em tratar estas doenças como problemas individuais. Mas e se as abordássemos de uma forma diferente, dizem os gurus da Costa Ocidental, não como condições compartimentalizadas, mas como sintomas comuns ao envelhecimento? Então, dizem eles, a idade seria a doença a curar.
É verdade que a passagem do tempo aumenta dramaticamente as probabilidades de contrair essas doenças. Não admira que a possibilidade de inverter o relógio seja tão apelativa. E é por isso que é tão importante que o homem que preside ao conselho científico do Altos seja Shinya Yamanaka.
Em 2012, Yamanaka partilhou um Prémio Nobel por ter descoberto que quatro proteínas, atualmente conhecidas como os Factores de Yamanaka, podem induzir as células a regressar a um estado prévio, nem cansado nem especializado pela passagem do tempo, mas novamente jovem e cheio de potencial – como se um contabilista reformado voltasse a ser um adolescente com um blusão de cabedal prestes a decidir que exames de acesso à universidade queria fazer. Quatro anos depois de Yamanaka receber o prémio, não apenas células, mas ratos inteiros foram tratados com os fatores, tornando-se visivelmente mais jovens.
"Há uma corrida pelo rejuvenescimento em curso", comenta Daniel Ives, CEO de uma das principais pioneiras britânicas no negócio da inversão da idade, a Shift Bioscience. A empresa pretende "rejuvenescer células e tratar doenças associadas à idade". Como Ives explica num vídeo do website da empresa, essa é apenas uma das duas principais técnicas que estão a ser exploradas pelos cientistas que desafiam a idade. A outra, vampiricamente, é o sangue. Em tempos idos, isso implicava mesmo ligar o sistema circulatório de dois ratos, um velho e um novo e ver a juventude, literalmente, a fluir para o animal mais velho. Hoje em dia, nas pessoas, o objetivo é refrescar o sangue velho e, com ele, o corpo – Silicon Valley emprega frequentemente "rapazes de sangue" jovens e em boa forma para partilharem o seu produto com os executivos mais velhos – tudo sem a necessidade de dentes afiados.
O rejuvenescimento celular, explica Ives, "pode fazer uma célula passar de 60 anos para 0 [anos] em apenas 17 dias". Por volta dos 15 dias, há um ponto mágico no processo – uma "zona ótima" de rejuvenescimento discernível. Ele fala em "restaurar todas as funções dos órgãos para níveis jovens". Contudo, ir demasiado longe acarreta riscos de desenvolver cancro. "Temos de avançar com cuidado", diz.
Ives prova que, embora possa soar totalmente a disparate californiano, a inversão da idade também tem profundas raízes britânicas. Além da Shift, o Reino Unido é o lar do Babraham Institute, junto a Cambridge, que é líder na área da investigação sobre o envelhecimento. É um dos institutos assaltado pelo Altos. Pensa-se que Wolf Reik, seu antigo diretor e luminária da reprogramação celular esteja agora a caminho da Costa Ocidental – e dos seus fabulosos salários.
Não são apenas os investigadores que pretendem ganhar uma fortuna. Os investimentos dos titãs tecnológicos são exatamente isso. "Quando vemos algo lá ao fundo que parece uma pilha de ouro gigante, devemos correr depressa", disse um empresário da área da biotecnologia ao MIT Tech Review.
Contudo, apesar de todo o falatório, há poucos artigos científicos que documentem o progresso e nenhum sinal de remédios inovadores que possam impedir o envelhecimento das pessoas – em vez dos ratos. Existe outra questão óbvia: não será de mau tom gastar tanto dinheiro em apostas com baixas probabilidades para prolongar a esperança de vida dos super-ricos quando existem tantas invenções baratas, desde água potável a redes de proteção contra mosquitos, que sabemos terem a capacidade de prolongar a esperança de vida dos super-pobres? E não estariam as várias empresas que fogem ao fisco – como a Amazon – a fazer mais pela vida humana contribuindo para essas coisas em primeiro lugar? Alguns líderes tecnológicos parecem ter-se lembrado de que existem crises de saúde atuais que deveriam receber atenção primeiro: o pioneiro do software Larry Ellison, de 77 anos, com uma fortuna superior a 100 mil milhões de dólares, investiu em tempos centenas de milhões em investigação sobre o envelhecimento. Em 2013 pareceu mudar de ideias, atribuindo subsídios a esforços para erradicar a poliomielite.
E os grandes nomes não são imunes a serem apanhados pelo entusiasmo gerado pela tecnologia de gama média. Um dos maiores escândalos de Silicon Valley é a história da Theranos, uma start-up que prometia diagnósticos milagrosos e não cumpriu rigorosamente nada. O seu valor subiu antes de cair completamente por terra. Os lesados incluíram Rupert Murdoch (que investira mais de 100 milhões de dólares) e o próprio Ellison. Entretanto, tendo atingido um valor de 22 dólares por ação há três anos, a Unity, a última aposta desafiadora da idade de Bezos, definha agora nuns meros 3 dólares. O seu fundador e pessoal foram dispensados. No indústria anti-idade, parece que algumas coisas envelhecem depressa.
Harry de Quetteville/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Érica Cunha Alves