Conversas

Visita ao showroom de um designer de interiores "fascinado" pelos filmes do James Bond

Miguel Raposo abriu as portas do seu showroom lisboeta à MUST, onde conversámos sobre o seu percurso profissional, as suas peças preferidas - também tem uma coleção de mobiliário e complementos - e as suas fontes de inspiração. Pequeno spoiler: filmes do 007.

Foto: D.R
18 de agosto de 2023 | Ana Filipa Damião
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O sol já ia alto quando, numa manhã a meio da semana, entrámos pela primeira vez no showroom da Miguel Raposo Interiors Collection, um edifício de três andares totalmente reabilitado junto à Cordoaria Nacional, na Junqueira, em Lisboa. Trata-se de um conceito nunca totalmente experimentado pelo designer de interiores que dá nome ao seu negócio, o de recriar os vários ambientes de uma casa, de quartos a salas de estar, com as peças da sua coleção de mobiliário e complementos. Durante a visita guiada, ficou clara a filosofia de vida e trabalho de Miguel Raposo: prima pela durabilidade e intemporalidade do que cria, não é pessoa de seguir tendências e é apaixonado pelos filmes do James Bond. Com uma carreira de mais de três décadas nas áreas do design, interiores e arquitetura, fundou o seu atelier - Miguel Raposo & Pura Habilidade - em 2008, com o intuito de conjugar estes universos, realizando projetos de reabilitação e design de interiores de casas e espaços comerciais. 

Foto: Ivo Rodrigues

Lembra-se do momento em que soube que queria seguir por este caminho? Que estímulos tinha, mais novo?

Foi uma coisa que se foi construindo. Desde infância, desde miúdo, nas minhas brincadeiras e jogos, nas construções e necessidade de criar formas, volumes, na procura de materiais, na construção com as peças Lego. Talvez tenha começado aí a consciência do percurso, e depois na adolescência tenho a certeza absoluta. Inicialmente, pensando em arquitetura, mas depois ainda no ensino secundário, e tendo em conta a formação específica que fiz na Escola Artística António Arroio, percebi que era então o caminho do design, mais concretamente [que ia seguir]. Ainda que tenha juntado ao longo do meu percurso profissional as duas áreas, a arquitetura de interiores e o design. 

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Foi há cerca de dois anos que surgiu a oportunidade de abrir um showroom que se assemelhasse a uma casa. Sente que é uma necessidade hoje em dia para o cliente? 

Acho que isto é uma mais-valia, o recriar espaços e ambientes, até se calhar dentro daquilo que é a minha linguagem ou alguns conceitos distintos. É uma mais-valia para o cliente entender a forma como as peças se relacionam nos espaços. Olha-se para as coisas de forma diferente, estando elas integradas nos ambientes.

Foto: Ivo Rodrigues

O Miguel sempre desenhou peças para os seus clientes, são totalmente personalizáveis, mas até à abertura do showroom na Junqueira ainda não tinha mergulhado a fundo no conceito global de coleção, e da oportunidade de mostrar a sua em todo o seu esplendor. Como descreve as suas criações? O que é que as une? 

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Claro que há uma coerência, que é a minha linguagem, o meu mundo, as minhas experiências e inspirações. Posso definir a minha linguagem, ou a minha coleção, como um trabalho intemporal, qualquer coisa que pretendo que perdure e que conviva harmoniosamente com outras coisas, com outras linguagens.

São valores que estão presentes em todo o processo criativo…

A intemporalidade é muito importante. O rigor do processo criativo na projetação, a nobreza dos materiais também é uma coisa que privilegio imensamente. Toda a forma de execução, reforçando o trabalho maioritariamente artesanal de artesãos portugueses de excelente qualidade.

Foto: Ivo Rodrigues
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E depois temos a parte da sustentabilidade…

O intemporal leva-nos a essa preocupação. A característica dos materiais, a sua qualidade, o rigor da execução, e também o desenho em si, levam-nos a peças que perpetuam. São intemporais no gosto, no tempo e no espaço. São peças que sabemos que podemos viver com elas durante muito tempo, por não se esgotarem por si só em tendências.

Qual é a sua peça preferida?

O banco Bakuba. A inspiração veio de um tecido, que não tem nada a ver com a peça final. Isto é um tecido de facto extraordinário, que é bordado, sou perfeitamente apaixonado pelas artes decorativas africanas.

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Foto: D.R

Miguel prossegue a ir buscar o tecido em questão. Na sala está ainda um outro pano, de origem africana, esticado numa tela atrás de nós, a par de outras peças inspiradas nas criações de uma comunidade de mulheres sul-africanas, socialmente marginalizadas. 

Este tecido é uma interpretação contemporânea de um povo que se chama Bakuba, localizado ali na zona do Congo. Olhando para este tecido, que eu acho tão bonito, comecei por desenhar um banco, e este povo tem um mobiliário com muita graça, muito interessante, coisas robustas, rudes, em madeira…

Explorando o conceito e a história deste povo, e olhando para o tecido, surgiu a inspiração de desenhar um banco com essas mesmas características. Mas é evidente que este tecido não tem as características necessárias, não tem a rigidez para estar esticado num banco. Lógico que o processo criativo e o rigor depois leva-nos a isso.  

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Foto: Ivo Rodrigues

Esta não é a minha peça preferida, mas neste momento é aquela com que eu me identifico muito pelo processo em si, e depois pela história que acabou por acontecer à volta dela. E pelo reconhecimento da peça que me levou a tê-la presente numa feira em Milão e em tê-la presente também em Madrid, e a ser o cartaz escolhido pela AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) para a representação de Portugal numa feira de design de interiores.

Há pouco mencionou que não tinha uma fonte de inspiração específica, e que por vezes as ideias surgem do nada.

[A inspiração] surge da observação de qualquer coisa, de um pormenor arquitetónico, da observação da natureza, das viagens, da contemplação, de uma fotografia, muitas vezes até de um rabisco e do nada. E num momento de descontração, aparece qualquer coisa que nos pode levar depois a um caminho. E por aí.

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Foto: Ivo Rodrigues

Mas tudo começa pela observação…

O processo começa pela observação. E muitas vezes também olhando para objetos desenhados por outros e fazendo a análise "O que é que farias diferente? O que é que farias igual? O que é que está bem e mal?". Muitas vezes, isto leva a desenhar qualquer coisa. É engraçado, já me aconteceu isso várias vezes, mas não é o mais comum. Depois [da observação] vem de facto a primeira ideia ou consciência do querer fazer qualquer coisa a partir daquele momento que observei. A fase do rabisco, sem nenhuma preocupação ainda do rigor que tem de vir a seguir. E depois há a fase do desenho rigoroso,  com a escala correta e adaptada para a função que a peça desempenha, isto é, a ergonomia, é a relação que nós temos com esse mesmo objeto enquanto o utilizamos.

Foto: Ivo Rodrigues
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Depois vem ainda todo o pormenor construtivo da peça, a junção dos materiais. Como é que um material convive com o outro? Como é que eu tenho de os construir em termos técnicos, antes mesmo de chegar à fase da produção, onde ainda muitas vezes esses pormenores são filtrados. A escolha dos materiais também é de grande rigor em termos de selecionar a pedra e a madeira corretas, a escolha da cor para um lacado, por exemplo.

Também tem peças inspiradas nos filmes do James Bond. 

Sou perfeitamente fascinado pelos filmes do James Bond, e porquê? Pela ação toda em si, e porque os interiores são sempre de um rigor excecional, extraordinário. Particularmente os filmes dos anos 70. Quis desenhar uma secretária e pensei "[vou fazer] uma que ficasse bem nos cenários dos filmes de James Bond".

Foto: D.R
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Quais são os seus designers de eleição?

Sou um apaixonado pelo design dinamarquês, pelo design nórdico, o design dos anos 50, 60, 70. Pelo design italiano também de todas as épocas. Há tantas peças produzidas hoje, com design contemporâneo ou peças que se perpetuam, e que também elas são verdadeiros clássicos, e com as quais gosto de conviver. Gosto imenso de antiguidades… No fundo é isso que enriquece os nossos espaços, a nossa forma de viver. Precisamos do mundo, e o mundo é isto mesmo. 

Foto: Ivo Rodrigues

Quais foram as maiores mudanças que sentiu ao longo da sua carreira?

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Aquila a que eu dou mais destaque foi a consciencialização da necessidade por parte dos clientes de recorrer a um profissional para projetar a sua casa, para projetar os interiores, para ser aconselhado. Esta é, acima de tudo, a grande mudança que aconteceu ao longo destes anos. Há um maior reconhecimento do profissional nesta área e consequentemente, o recorrer a ele na prestação desses serviços.

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