Conversas

The Legendary Tigerman: “O rock and roll é o melhor escape para o Natal”

A tradição volta a cumprir-se na ZDB, em Lisboa, com mais um concerto 'Fuck Christmas, I Got the Blues'.

Paulo Furtado Foto: Rita Lino
23 de dezembro de 2022 | Miguel Judas
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Foi em 2001 que Paulo Furtado desceu pela primeira vez à capital, qual Messias musical, para o primeiro concerto Fuck Christmas, I Got the Blues na ZDB, surgido com o único propósito de mandar a tradição à fava. Com o tempo, esta espécie de missa do galo alternativa transformou-se também para muitos numa tradição da própria quadra que inicialmente começou por renegar, congregando, sempre na noite do dia de Natal, um número cada vez maior de fiéis, numa verdadeira comunhão dessa outra religião conhecida como rock and roll.

A tradição começou ainda nos anos 90, quando Paulo Furtado, então nos Tédio Boys, deu um concerto natalício em Coimbra, a cidade onde vivia. Em Lisboa, a tal primeira atuação, numa das primeiras aparições públicas como Tigerman, "não juntou mais de 20 pessoas, quase todas amigas", mas no ano seguinte a sala lotou e o que começou por ser um "manifesto contra a faceta mais consumista e egocêntrica da quadra", tornou-se para muitos numa segunda festa de Natal. O ritual tem-se repetido quase todos os anos e está outra vez de regresso ao templo do costume, onde este ano haverá até uma segunda liturgia, na noite de 26.

Foto: Rita Lino

Passados todos estes anos desde o primeiro concerto, ainda quer que se lixe o Natal?

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No início tratou-se apenas de exteriorizar um sentimento que já afetou toda a gente, nalgum Natal, porque são sempre demasiadas as expetativas criadas nesta quadra, especialmente ao nível familiar. E em certos momentos da minha vida, houve Natais que não corresponderam de todo a essas minhas expetativas e o rock and roll acabou por ser um refúgio e um escape a essa frustração. Podia manter o mesmo discurso ou se calhar até extremá-lo um bocado, porventura seria bom para a imagem, mas já não sou assim tão radical, apesar de continuar muito crítico em relação ao que o Natal se tornou.

Foi por isso que nasceram os concertos?

Sim, porque nasceram como uma alternativa a algo insatisfatório e o mais curioso foi perceber que havia mais pessoas como eu. Ou então, se calhar, apenas não tinham com quem estar nessa noite. Não deve haver coisa mais deprimente do que estar sozinho naquele dia, em que toda a gente está com alguém. Era isso que estes concertos pretendiam ser, uma alternativa saudável e fixe à possibilidade de passar sozinho e deprimido o dia 25 (risos).

Nada contra o Natal, portanto?

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Claro que não, muito pelo contrário. Se todos tiverem um feliz Natal eu também fico muito feliz. Mas a verdade é que, com o passar do tempo, estes concertos tornaram-se para muita gente também eles uma tradição natalícia.

Apesar de terem começado como um manifesto anti-Natal...

E de certa forma ainda o são, porque continuam a haver muitas facetas do Natal que eu não gosto: o excesso de consumismo, a histeria das compras, o stresse e um total egocentrismo, que é totalmente contrário à mensagem original, de paz e solidariedade, desta festa.

Foto: Rita Lino
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E o rock and roll é bom escape para isso?

É o melhor escape possível, porque é uma espécie de violência pacífica e controlada.

E este ano como é que vai ser, já vai apresentar temas do novo álbum?

Vou regressar ao meu formato inicial de one-man band e como é uma noite especial o alinhamento também o é. Normalmente recupero canções que não toco há muito ou até que nunca toquei. Quanto aos temas novos, terão o seu tempo, ainda não é esta a ocasião de os apresentar.

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Vai ter os habituais convidados?

A questão dos convidados começou por ser um pretexto para tocar com pessoas que admiro. Em certos anos chegaram a ser oito pessoas em palco. Fez sentido nessa altura, mas agora e até porque já não costumo tocar no formato one-man band, faz mais sentido que as pessoas me vejam como era no início.

Este concerto natalício é uma tradição que já vem do tempo dos Tédio Boys, certo?

Sim, o primeiro foi em 1995, creio. Ainda no outro dia, num jantar, alguém me mostrou um convite desse concerto. Tinha um Pai Natal muito mal desenhado por mim, com um poio fumegante na mão (risos). Era uma coisa de putos do underground, de uma comunidade que se juntava à volta do rock and roll. Curiosamente, o primeiro concerto de Natal do Tigerman aconteceu no Porto, em 1999, e não em Lisboa. Foi uma das minhas primeiras aparições como Tigerman, sozinho em palco, a tocar à uma da manhã de dia 24, para cerca de 500 pessoas, no antigo Hard Club.

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Em Lisboa, pelo contrário, consta que o primeiro espetáculo não correu assim tão bem...

Foi um fracasso. Até ao dia do concerto tinham sido vendidos cinco bilhetes e depois não vieram mais de 20 pessoas. Mas no ano seguinte esgotou...

Qual foi o melhor presente de Natal que alguma vez recebeu?

Os da minha avó, que me oferecia sempre meias. Era sempre certo e as meias fazem sempre falta (risos). Ou os da minha mãe, que ainda hoje me oferece um conjunto de coisas que eu uso e assim escuso de comprar durante o resto do ano. Gosto muito desse lado rotineiro do Natal, que não implica qualquer gestão de expetativas.

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The Legendary Tigerman é alguém diferente do Paulo Furtado ou são a mesma pessoa?

É uma parte de mim, mais descontrolada, que eu uso para fazer música. Quando o Tigerman surgiu, essa parte estava mais presente no meu dia-a-dia, mas agora está mais confinada ao palco, enquanto o Paulo tem uma vida normal. Aliás, cada vez mais quero fazer muitas outras coisas enquanto artista e isso, por vezes, já me começa a roubar tempo para a carreira como Tigerman, apesar de ter um álbum novo prestes a sair.

Corremos o risco de, um dia, o Tigerman se transformar num espécie de Messias do rock and roll, que só aparece no dia de Natal?

Isso seria muito poético. Nem consigo imaginar um final melhor para este projeto.

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The Legendary Tigerman – Fuck Christmas I Got the Blues

Galeria ZDB, Lisboa. 25 e 26 de dezembro, domningo e segunda 23h. €15

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