Stephen Dorff tem uma voz ligeiramente rouca e arrastada, talvez sejam os cigarros ou quem sabe os efeitos do jet lag, mas o certo é que a sua voz nos envolve na conversa com a mesma habilidade com que o faz no grande ecrã. O ator protagoniza, com o vencedor do Óscar Mahershala Ali, a terceira temporada da série True Detective, pretexto para uma conversa sobre as várias fases da carreira de Dorff.
A primeira temporada desta série estreou-se em 2014, com Matthew McConaughey num dos seus melhores papeis e a qualidade de Woody Harrelson enquanto ator dramático a vir ao de cima. A segunda não conquistou a crítica, mesmo com a presença de Colin Farrell e Rachel McAdams. Mas o tempo foi decisivo para esta última temporada, onde Stephen interpreta Roland West, um detetive da polícia que investiga um caso com Wayne Hays, a personagem de Ali.
Para falar sobre a série, o ator desembarcou em Lisboa e falou com os jornalstas com uma lata de Coca-Cola nas mãos – a cena não poderia ser mais parecida a um anúncio norte-americano. Contou empolgado como se sentiu a fazer um filme de oito horas e depois percebeu o porquê das pessoas se apaixonarem pelas séries da HBO. "É como se fosse um evento que acontece todas a semana", diz com um sorriso, sem deixar de comparar: "Fazer um filme parece fácil agora, perto do trabalho das séries como True Detective", pontua.
Todos os episódios de todas as temporadas da série de Nic Pizzolatto estão disponíveis em streaming na HBO Portugal.
Criou Roland West através de pessoas que conhece?
Nunca tinha interpretado uma personagem como o Roland. No momento em que li o argumento, quando Nic me deu o papel, fiquei extasiado. Ele tem tantas nuances: tem a parte humorística numa série que é muito sombria e intensa. Ele é forte, duro, mas tem um coração mole e não quer ver ninguém a sofrer. Ele é engraçado, tem tudo, na verdade, é o papel derradeiro. O Nic escreveu diálogos tão específicos, o argumento é tão acertado que eu não queria mudar nada, só queria representar.
Tiveram oportunidade para passar tempo com detetives a sério?
Sim, uma coisa sobre esta série, e também sobre a HBO, é que os conselheiros técnicos são mesmo fantásticos. Tivemos dois detetives que estavam no set connosco — a maior parte do tempo —, que de facto tinham sido detetives nos anos 1980. Eu tinha perguntas sobre a minha arma, como deveria segurá-la? Porque parecia-me muito moderno segurá-la com uma mão. E pequenas coisas do género: onde colocar o distintivo ou a arma?
Como chegou o convite para participar da série?
Em dezembro de 2017 recebi uma chamada a dizer que o Nic me queria encontrar e que eu estava no topo da lista para um dos papéis principais de True Detective. Fiquei surpreso e perguntei se me podiam enviar o argumento, eles só me enviaram duas cenas. Então olhei para as cenas e pensei: ‘são boas cenas!’, mas não sabia nada sobre o resto. Era por causa do secretismo, eu percebo, eles não querem que os guiões andem a circular de agente em agente, a serem copiados para vários atores. Eu concordei em encontrar-me com ele e falar sobre estas duas cenas. Fui à HBO e fiz uma leitura das cenas com Victoria Thomas, grande diretora de casting, e eles disseram-me que eu tinha ficado com o papel. ‘Posso ler o guião agora?’, e, com tempo, Scott Stephens, o produtor, foi-me enviando dois episódios de cada vez até ficar com sete — o oitavo não estava sequer em papel.
E o que achou?
Nunca tinha trabalhando com um guião tão bom — e eu já tive muitos guiões bons. Já trabalhei também em muitos filme onde falo muito sem de facto falar. Num filme da Sofia Coppola o argumento é muito pequeno, há muito não-diálogo e ela conta a história com imagem, com o mood, energia, música. Todos os cineastas são diferentes e com o Nic é tudo sobre o texto, ele é um criador e escritor. Muitas vezes na série são duas pessoas num carro e tornar isso interessante é um desafio, mas com bom material e com um grande ator como o Ali foi fácil. Foi uma experiência muito especial para mim e foi um momento na minha vida em que o papel foi perfeito. E eu espero conseguir encontrar mais um que seja tão bom. Se não, talvez me reforme e me mude para Portugal para surfar, não sei. Porque a maior parte dos guiões que estou a ler agora são terríveis, mas enfim, próxima pergunta! [risos]
Identificou-se com o Roland?
Sim, adoro-o. Foi uma personagem difícil de abandonar. Interpretei-o durante uns 120 dias e adoro mesmo o tipo, eu passei a me preocupar com ele. E, de facto, é o primeiro projeto em que gosto realmente de me ver, porque não costumo gostar de me ver. Vejo o filme uma vez, só para o ver, talvez na estreia seguinte não vá e fique a beber um copo enquanto os outros estão a ver, porque não gosto de me ver com várias pessoas. Mas esta série posso ver-me em casa e apanhar tantas coisas nas cenas em que não estou e adorar como eles as fizeram e aprender. Eu perdi-me no Roland e depois fui fazer um filme e disse ao Nic: ‘Não quero abandonar este tipo, agora tenho de interpretar outro, mas não quero interpretar o outro, eu gosto do Roland!’. Eu não queria que acabasse, mas de certa forma está lá para sempre.
Quais são as vossas principais semelhanças?
Nós somos muito diferentes, porque eu sou da cidade, cresci em Los Angeles, em Hollywood. O meu pai era um compositor de música e andei na escola com filhos de atores, eu tive uma infância maluca só por estar em LA, é um sítio bastante estranho para se ser criança e crescer. É lindo, tem um clima bom, como Portugal, mas estás bem no meio de Hollywood — tudo é sobre as celebridades, aquele tipo que chega à escola e que tem um pai que é fulano. Roland é do Texas, a história dele é dos rodeos, ele adora montar um touro — e isso explica aquela veia de western que ele tem, com aqueles casacos. Ele é um cowboy. Por isso, não tenho muitas coisas em comum com ele. Mas ainda assim senti-me muito espontâneo ao interpretá-lo. Talvez seja o interior de Roland aquilo com que me identifico mais. A sua ira talvez, às vezes. E mesmo não sendo cowboy eu comprei umas botas de cowboy depois de o interpretar. Usei botas de cowboy durante uns 120 dias, então os meus pés estavam cansados, mas depois de calçar ténis outra vez, senti que algo estava diferente, tinha saudades das minhas botas [risos]. O sentido de humor! Eu gosto dessa parte.
Mencionou a sua infância em Los Angeles e li que foi expulso de várias escolas…
Não fui expulso por ter feito coisas assim tão más. Mas eu fui convidado a sair de alguns sítios [risos]. ‘Nós preferiríamos se o Stephen não voltasse mais.’ E a minha mãe dizia: ‘Querido, por que tinhas de dizer aquilo?’ e eu dizia que o professor era um imbecil. Quando eu era miúdo era um bocado desbocado e um bocado maluco. Acho que também nunca tive um grande professor. Para um miúdo como eu, que era uma criança criativa, eu queria estar com adultos e a trabalhar, eu não queria fazer o mesmo que os outros miúdos. Eu acho que para esse tipo de criança é preciso um professor que não siga perfeitamente as regras, tem de se ser um professor que seja ligado e estimulante. Mas eu nunca tive esse professor fixe, só quando entrei na representação. Ler guiões fez-me querer ler livros. Na escola era me dito para memorizar um capítulo para fazer um teste, mas não tinha um professor que me fizesse perceber aquilo. Só encontrei a minha educação mais tarde, quando eu tinha uns 16 ou 17 anos e comecei a viajar pelo mundo, a trabalhar.
Qual foi o seu primeiro emprego?
Eu fiz o meu primeiro grande filme aos 17, O Poder de Um Jovem, fui a África, a Inglaterra. Foi perfeito sair e escapar daquela bolha de Los Angeles e estar no set com adultos, a aprender. Toda a minha educação foi a crescer nos filmes e a aprender ao trabalhar com os melhores atores, produtores, realizadores, equipa técnica. Esta foi a minha vida. Eu quase fui para a faculdade, porque não conseguia arranjar um papel. Cheguei a candidatar-me a várias para estudar Teatro e consegui nalgumas grandes — a Julliard, onde Mahershala andou, a NYU, Boston University —, com grandes programas académicos, mas depois consegui um papel. E fiquei na dúvida do que fazer. Eu não queria estar a fazer Shakespeare — eu respeito, mas não é para mim. Eu queria viajar e acabei por dizer "adeus" àquelas escolas todas.
O que mais o marcou em True Detective?
Eu tinha feito uns filmes menores, mas já não tinha um papel grande há algum tempo, eu tinha perdido o meu irmão mais novo há dois anos e eu estava mesmo num lugar obscuro. [O compositor Andrew Dorff faleceu três dias após completar 40 anos, num acidente]. Já não me apetecia representar, estava a rejeitar muitas coisas e não estava num bom momento. Eu estava em Nashville, onde o meu irmão vivia, estava a fazer uma festa em sua homenagem e foi quando o Nic me ligou. O timing foi muito estranho e no dia exato, passado um ano, Nic deu-me o papel. Foi muito emocional. É como o mundo funciona, às vezes, as melhores coisas acontecem nos piores momentos. Acho que a série me salvou, pessoalmente, de certa forma.
Ter um parceiro de cena com o Mahershala muda alguma coisa?
Sim, ele é um grande ator e já o conhecia de séries como House of Cards, e Moonlight, claro. Tal como as personagens, nós somos muito diferentes na vida real. Mahershala terminou Green Book — Um Guia para a Vida mesmo antes de começarmos True Detective. Acho que nem ele esperava uma repercussão destas de um filme pequeno. Engraçado que foi o mesmo que aconteceu com Matthew McConaughey na temporada 1. Foi na mesma época em que saíram as nomeações aos Óscares e ele ganhou.
O que achou de Portugal?
Sim, adoro o sol, gostava de poder fazer esta entrevista na praia, mas talvez não me ouvisse bem lá. Mas é lindo. Que lugar fixe e a comida é incrível. Terei o dia livre na quinta-feira, então vou ver algumas coisas, é a minha primeira vez cá. É fixe ter a chance de ir a algum lugar que nunca conheci, eu geralmente já conheço os sítios, então para mim foi excitante vir a Lisboa, porque há duas semanas fui a Paris e Londres. As pessoas são simpáticas, ótimo marisco, bolas. Comi croquetes de camarão no outro dia e foram os melhores que comi na minha vida, acho que vou voltar àquele restaurante e pedir uns 100 para levar para casa, provavelmente não vão ficar bons, mas vou tentar. [risos]