Conversas

Rodrigo Santoro no comando

O ator brasileiro esteve em Lisboa e falou-nos dos bastidores de ‘Westworld’, como a série mudou a sua relação com a tecnologia e porque nunca fica sozinho no set.

Foto: John P. Johnson | HBO | Westworld
02 de março de 2020 | Aline Fernandez
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No alto dos seus 1,88 metro é muito difícil não reparar quando Rodrigo Santoro entra numa sala. Mas a verdade é que não é só a sua imponência que chama a atenção, o seu tom de voz, igualmente intenso, também nos faz fingir normalidade quando o ator se senta à mesa na nossa frente para começarmos a entrevista – já para não falar na simpatia e na disponibilidade para dar as respostas mais completas. Santoro, aos 44 anos, conta com uma carreira bem consolidada, tanto no Brasil como internacionalmente. Focamo-nos na série norte-americana Westworld, da HBO, que seguirá para a terceira temporada em exatas duas semanas.

A sua personagem dá muita força à personagem da Maeve, interpretada pela atriz Thandie Newton. Essa relação sempre esteve determinada ou partiu de vocês?

Eu acho que isso foi uma resposta à primeira temporada. Na segunda, a história ganhou mais força, apesar de não ser a história romântica que a gente está acostumado a ver. Mas o sentimento começa a aparecer na medida que o Hector, meu personagem [host do parque Westworld, e o bandido mais procurado], começa a ter consciência das coisas. Isso é uma coisa importante para os criadores da série. E pelo que eu ouvi, também houve uma resposta do público, que gostou muito dos dois juntos e os escritores falaram: "OK, a gente vai colocar mais esta outra camada para a segunda temporada."

O interessante é exatamente isto. Numa série de bang-bang, o homem certamente seria a voz de comando…

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Vivemos em tempos diferentes, querida!

Que bom!

Imagina, isto está tudo pensado. A mulher lidera e a série tem duas, a Evan Rachel Wood e Thandie Newton. Representando as mulheres, absolutamente. E isso aí eu não acho que é por acaso, elas estão ali com uma função. E Hector, por exemplo, está ali ao lado de Maeve, Maeve desperta a sua consciência, o que na verdade é muito metafórico. São muito interessantes estas formas de humanizar a personagem – literalmente – porque era alguém que não tinha consciência das suas próprias memórias e dos seus sentimentos ou de quem era, e isso acontece através daquela mulher.

Foto: HBO | Westworld
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O que torna as coisas mais interessante…

É super interessante. E eu sou fã – eu não posso mentir – das mulheres. Sempre fui. Cresci numa família de muitas mulheres, tenho irmã, não tenho irmão, cresci com ela e com muitas primas. Então eu sempre estive observando as mulheres e não de longe. E tive uma filha [Nina tem dois anos, com a sua mulher, a brasileira Melanie Fronckowiak]. Eu já vejo um movimento muito grande e absolutamente fundamental de que as coisas sejam iguais mesmo.

Como recebeu o convite para a série?

Eu li a história e eu não tinha, na época – estamos falando de quatro anos atrás – eu não tinha intenção de me comprometer com algo tão longo, mas fiquei muito impressionado quando li o episódio piloto e tive uma conversa por Skype com os criadores, o Jonathan Nolan e a Lisa Joy, e fiquei absolutamente convencido. Assim que terminei, falei: "Uau, que presente. E vamos agora trabalhar e tentar fazer o melhor possível." E eu não sabia do elenco. Depois começaram a me falar os nomes dos atores que iam trabalhar e eu fiquei mais impressionado, porque é um elenco – e não falo só dos nomes mais famosos, como Anthony Hopkins e Ed Harris – mas Jeffrey Wright, por exemplo, que é um ator que eu já acompanho desde Basquiat [1996], um dos primeiros filmes que ele fez, até os atores que fazem personagens menores são todos muito bem escolhidos. Acho que isso é um traço da HBO e foi uma experiência fantástica. Eu não ficava no meu trailor esperando, eu estava sempre no set.

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O facto de interpretar uma forma de inteligência artificial foi um desafio?

Gigantesco, especialmente sendo alguém que não tem consciência de si mesmo, de alguém que está preso no que eles chamam de looping, numa narrativa. Inicialmente eu partia deste ponto e este ponto de partida era uma neutralidade, eu não tinha muito onde me basear, já que normalmente você faz uma pesquisa: "O João nasceu em Lisboa e o seu pai é assim e a sua mãe é assim, aconteceu isso com a vida dele, é isso que ele gostaria para o seu futuro, está trabalhando, está estudando." Eu não tinha nada, absolutamente nada, então foi uma forma única mesmo de trabalhar. Nunca tinha me colocado numa personagem de forma tão direta e presente no momento, sem poder me basear em absolutamente nada. E assim, com o desenvolvimento da personagem para a segunda temporada eu pude ter um melhor entendimento. Foi interessante, porque me deram a humanização da personagem, mas umas nuances muito pequenas. Westworld é uma série que deve ser revista, você não pega tudo da primeira vez, normalmente. Se existe um exemplo de "deixa eu revisitar isto aqui", você vai pegar coisas que não tinha pego. Esta é a minha sugestão, eu faço isso. E esses detalhes estão aí. Às vezes, você vê uma cena e fala: "Ah, OK, entendi." Isso me interessa muito, trabalhar com camadas, porque é onde você encontra profundidade e sai um pouco do estereótipo da forma. É muito possível se confundir, eu me peguei em vários momentos questionando os criadores: "Isto aqui, a gente está indo para este lado?" E eles me davam alguma informação, não toda, faz parte da forma de trabalhar. Não sei todas as respostas, mas estou tentando direcionar as perguntas para tentar chegar em algum lugar. Então este é um trabalho que me gerou muito questionamento, inclusive pessoal, em relação a tudo isso, à tecnologia, ao que estamos vivendo.

Foto: HBO | Westworld

E quando se vive essa imersão, leva-se isso para casa?

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Sim, inevitavelmente. A gente sempre leva coisas, pelo menos na minha experiência. Procuro levar as coisas positivas, no sentido dos questionamentos, das reflexões, das experiências. E, claro, eu passei a me interessar muito mais pelo assunto da tecnologia, não só inteligência artificial, mas o papel que a tecnologia tem nas nossas vidas, como nós estamos muito dependentes, e como se relacionar [com ela]. E aí eu me questiono e trabalho a minha relação com a tecnologia, de forma geral, tentando deixar ela saudável. É uma ferramenta incomparável, revolucionou o mundo, é incrível o que se pode ter – hoje em dia eu viajo para a Europa e perguntam-me: "Onde você vai ficar?", eu não sei, quando chegar a gente vê. Você não fica mais perdido... Então é equilíbrio, é só isso que eu tento buscar.

E mudou alguma coisa específica na sua vida?

Fiquei mais atento a estas questões, ao tempo que eu a dedico. Ao mesmo tempo, eu acho que existe uma linha muito ténue, um pouco Frankenstein aí, entre o que criamos – você vê agora o algoritmo te colocando coisas, ou seja, quem é que está no controle de quê? Eu acho que esta talvez seja a questão mais difícil de responder e talvez seja das mais importantes. Eu acho que a série também faz um questionamento muito interessante da natureza humana, alguns, mas principalmente o livre arbítrio. Se tivesse um lugar que você pudesse escolher e ser o que quisesse e não tivesse consequências, quem você seria, o que você faria? Ou seja, quer dizer que está tudo dentro de você. Acho uma forma genial de explorar isto. E o apetite que o homem tem pela violência. É uma exploração e olha o que acontece. No primeiro episódio tem uma cena que, para mim já é emblemática, que você fala: "Quem é o bandido na história?" É genial.

Mudou a forma como olha para a sociedade atual?

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É difícil ter uma resposta concreta, porque são temas existenciais e filosóficos, o que eu te posso dizer é que estar trabalhando nesta série tem tido uma influência sim na minha própria vida, na minha forma de enxergar, questionar e de olhar para essas coisas. Eu comecei, eu acho, que a ter mais sensibilidade no meu olhar, para um monte de coisas. Eu não acredito que tenha uma fórmula certa, acho que cada um encontra a sua maneira. Eu procuro estar muito atento a isto.

Foto: HBO | Westworld

Como é que a maquilhagem o ajudou a entrar na personagem? E o guarda-roupa?

Eu tenho uma cicatriz na primeira temporada, que depois sai, porque a personagem já está consciente de si, mas é só. Mas a roupa é um bom exemplo porque o Hector tem o melhor outfit. Todos os atores falam: "Como eu queria ter este outfit! Você tem o rock’n’roll!" Todos os amigos falam, tornou-se uma inside joke. Eu adoro o meu figurino, neste sentido me ajudou sim. Quando eu coloco a roupa, aquela jaqueta de couro toda tailor-made, trabalhada minuciosamente. A designer que a fez [Sharen Davis] é uma mulher incrível e criou do zero. Eu lembro da gente pensando em como seriam os padrões.

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Então teve a oportunidade de ter esta conversa em conjunto?

Sim, eu participei desde o começo, foi feito em cima do meu corpo. Foi moldado. "A calça vai ser com as riscas assim, a gente vai ter um movimento aqui". E, ao mesmo tempo, não é o cowboy que estamos acostumados a ver. O Man in Black, que é o Ed Harris, já tem uma roupa mais tradicional do cowboy do Velho-Oeste, o Hector não. A bota, a forma como ela fez tudo, me ajudou muito. Inclusive eu pedi: "Quando acabar eu quero ficar com essa roupa." Sabe uma coisa interessante? Nos Estados Unidos, no Halloween, eu estive lá, eu nem posso te dizer quantos Hector’s eu vi. As pessoas se identificam muito com o visual dele. O chapéu, se você vir de perto, todo de couro, trabalhado minuciosamente, o figurino é incrível.

Esta personagem era o que faltava na carreira do Rodrigo?

Faltam outras. Faltam muitas mais, mas esta eu não tinha feito e o meu apetite vai sempre na direção de algo que eu desconheço. Eu não gosto muito de ir aos lugares que eu já visitei, o estímulo vem muito disso, do novo, e essa, realmente, eu não tinha feito nada nem parecido. E eu gosto muito de fazê-lo, tenho saudade de fazê-lo, fico esperando e falando: "O que vai ser agora?" E agora que ele está numa outra fase, vamos ver o que vem por aí.

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Faz ao mesmo tempo trabalhos paralelos.

Tento. É difícil demais de planear e de se entender, porque os cronogramas mudam muito, mas sim, tenho feito coisas. Eu fiz um filme no final do ano passado [Un Traductor], devo fazer duas outras coisas agora, mas estou esperando ver quando é que vamos retornar agora para a terceira temporada de Westworld. [Este ano o ator está no filme Turma da Mónica: Laços e, em pós-produção ainda a lançar, na série Reprisal e no filme Untitled Henry & Rel Sci-Fi Project].

Fez um trabalho em Portugal também.

Fiz uma participação numa séria portuguesa, Solteira e Boa Rapariga, com a Lúcia Muniz para a RTP.

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Foto: HBO | Westworld

Filmes, séries, novelas, o que gosta mais?

De boas histórias. Boas personagens, bons talentos, atores, realizadores, bom texto... É isso que conduziu a minha caminhada. E aí, claro, um compromisso mais longo ou mais curto, depois eu penso nisso. Eu estou na terceira temporada de Westworld e é o compromisso mais longo que eu já tive, a personagem que eu fiz por mais tempo.

Via-se a fazer uma personagem por sete, oito anos seguidos?

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Contando que ela esteja em desenvolvimento, eu acho que pode ser muito interessante. Nunca fiz, se acontecer nos encontramos e você me pergunta novamente e eu vou poder te dizer. Se ela estiver se transformando, ou seja, isso sempre vai ser um estímulo e um aprofundamento. Se isso estiver acontecendo, aí eu não vejo problema. Agora, vamos voltar a falar em muitos anos.

Fica combinado. Tem alguma preparação física especial para a série?

Eu procuro, sempre que vou começar um trabalho, me preparar de todas as formas, fisicamente e mentalmente. Eles me pediram para fazer aula de montaria e eu falei: "Eu ando de cavalo desde os cinco anos de idade", ao que disseram: "Ah, não, mas queremos ver." Aí eu fui lá uma vez e falaram: "Ah, OK." Mas eu gosto tanto, que eu queria fazer o treinamento só para voltar a montar a cavalo. E isso eu fiz bastante. Mas a minha preparação física é sempre estar em forma – a forma que eu digo não é estar musculoso, forma é estar com o corpo disponível, preparado, especialmente para um trabalho como esse que exige muito, tem ação, monto a cavalo, corro e faço isso e faço aquilo. Então eu tenho que estar num ponto que eu chamo de neutro, de estar com o corpo em dia, bem-disposto para poder executar as coisas.

E quanto à alimentação?

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A minha alimentação é muito equilibrada, sempre foi por opção, não é porque quero parecer cool ou porque quero ser da moda, imagina, faço isso ó [e estala os dedos a indicar muito tempo]. Eu gosto de comer de forma natural, porque me sinto bem, faz bem ao meu corpo. Ela varia, mas carne eu quase não como, não sou radical, mas eu como mais peixe e vou sempre mais para uma alimentação do peixe ao vegetariano. Eu levo a minha comida para o trabalho, uma marmita que mantém a comida, ou mesmo fria, uma salada, uma quinoa com umas coisas, umas nozes. Eu não consigo comer uma feijoada e voltar ao trabalho. Eu como de forma muito leve e muita fruta, sempre escutando o corpo. Mas eu gosto e tenho prazer em me alimentar [bem]. Aqui [em Portugal], eu como muito bacalhau, muito. Eu deixo para comer o bacalhau do ano todo quando eu venho aqui e eu como de todas as maneiras, à Lagareiro, nas migas, com natas... Eu provo todos e como bacalhau todos os dias.

» A terceira temporada de Westworld será exibida a 16 de março de 2020, na HBO Portugal.

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