Nasceu na Bretanha, no sul de França, em 1974, e estudou escultura, como o seu pai, na École Nationale Supérieure des Arts Appliqués et des Métiers d’Art, e a seguir design de mobiliário na famosa Les Arts Décoratifs de Paris. Abriu o Studio 25 na capital francesa, e entre exposições e outras intervenções arty, assinou projetos com grandes como Hermès, Ligne Roset, Saint Louis, Sèvres, Mobilier National, Dior, Baccarat, Petite Friture ou Zanotta, para nomear alguns, e pensou espaços como a boutique Montblanc, em Paris, ou os interiores dos restaurantes Ciel de Paris e do Sketch de Londres, mas também business lounges da Air France e do SFL, e moradias particulares em todo o mundo. "Sempre que conheço pessoas, vejo materiais ou técnicas, tudo é desculpa para a inspiração e para um projeto", diz-nos sentado na sua Made in Situ, junto à praça da Alegria.
Sempre soube que "queria trabalhar com as mãos, embora também adore os processos mecânicos que me dão a possibilidade de ir em direções diferentes, nos materiais e nas formas, mas num processo com envolvimento humano. Não gosto de enviar desenhos, quero entender como as coisas são feitas, assim como um desenho não me chega porque preciso de volume. A escultura leva-me a muitas partes da criação, assim como fico interessado em saber o que acontece através do design, é importante saber onde estamos e olhar à volta, estar alerta."
O filme que revela a soenga, técnica tradicional de cozedura na qual a cerâmica é enterrada no solo
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O seu amor ao kite surf trouxe-o à ventosa costa portuguesa há cerca de 15 anos, depois voltou e há quatro anos resolveu mudar-se. Fez-se à estrada à descoberta do país e do seu know-how e mapeou os artesãos de norte a sul numa descoberta de materiais e antigas técnicas "mais próximas dos ritmos da Natureza". Encontrou muitas votadas ao abandono, "sem o devido reconhecimento ou apenas como uma situação ‘turística’", lamenta. Parou em Moleiros, Tondela, onde Xana Monteiro e Carlos Lima trabalham a soenga e o barro negro "sem fronteira entre a arte e o artesanato" e processos que remontam ao Neolítico na cozedura da cerâmica no solo que lhe confere um tom negro. Noé ficou fascinado e deu o nome de ambos aos quatro sets de 12 vasos que fizeram juntos.
Agora lança a coleção Burnt Cork que remonta a 2017 quando Noé se estava a mudar para cá, vinha de carro e a mobília seguia-o de camião. "Quando cheguei estava no meio do fogo", era 17 de agosto e assistiu a "um dos piores cenários, um drama". Foi espreitar e viu "a monocultura de eucaliptos, tirei fotografias e pensei: ‘Um dia vou fazer alguma coisa com isto’". Esta primavera estreou peças de mobiliário em cortiça de árvores alentejanas queimadas. "Quando chegámos ao pé de Faro, a uma fábrica de cortiça, não sabia exatamente o que fazer, queria usar a cortiça como matéria-prima em bruto, não queria polir a sua natureza, para que estivesse sempre presente que foi queimada. Foi uma boa desculpa para falar da floresta, dos fogos, das mudanças climáticas, rever o problema e tentar transformar qualquer coisa. Não mudamos nada com a cabeça entre as mãos". São sete peças de mobília que passam "do negativo para o positivo", quis "dar-lhes regeneração e honrar a resistência da cortiça."
Claro que o ego também está nas suas peças: "Se és artista e crias peças únicas, porque tens uma linguagem, o teu ego até pode ser o principal, mas não dá respostas. Eu tento que as coisas se revelem, porque o design é responder a necessidades e resolver problemáticas através dos objetos. E depois criar necessidades, e é um loop que não acaba. Eu tenho este sonho de voltar a trazer as crafts para as nossas vidas. Há beleza em tantas coisas às quais não temos acesso e que estão a acabar. E a indústria produz estereótipos, nunca nos afeiçoamos ao que temos. Tens a beleza do instante, mas depois é um produto que toda a gente pode ter, é diferente de uma ligação com as pessoas através de uma peça que se torna património. É regressar a qualquer coisa, mudar a nossa relação com o objeto e a forma como o consumimos." Por isso, a empresa de mobiliário que está a criar em França é com trabalho super especializado, não acredita que a indústria seja a resposta. Interessa-lhe "comunicar profundamente durante o processo, não é só mobiliário, um catálogo, é uma voz. E não é ser moralista, mas enquanto fazes as coisas, mudas-te a ti próprio, fazes com um propósito."
A comida, que Noé diz ser uma qualidade portuguesa, quer tratá-la da mesma forma especial, por isso tem uma lista de "’artesãos’ dos ingredientes mais puros e locais" no Projecto Matéria que está a desenvolver com o chef João Rodrigues, estrela Michelin do restaurante Feitoria. "Decidimos trabalhar juntos e fazer jantares, reinventar a cozinha portuguesa. Os chefs estão com a mesma problemática que nós: excesso de produção, baixa da qualidade, a escolha dos ingredientes e a forma como os consumimos". E procura fazer o mesmo com a música, Moullinex esteve na apresentação desta última coleção e convidou outros artistas perfecionistas como a harpista Angélica Salvi.
A seguir vai trabalhar com a indústria da pedra. "O impacto de tirar pedra do solo não é assim tão belo, e Portugal está cheio de buracos, cria infiltrações, poluição, terrenos que estão a cair… Mas o material é lindo e há sempre restos de pedra que não se aproveitam, quero mostrar uma forma de fazê-lo", diz. Também anda a namorar uma coleção em bronze, "evocar a sua beleza, calor e luz. Talvez possa interagir com a cera, em candelabros, começámos a explorar e fomos conhecer um apicultor que aceitou vender-me a sua cera para velas. Podíamos comprar velas mas, mais uma vez, o que queríamos era compreender o processo. Tudo é uma proposta, não encontramos soluções, mas procuro conectar coisas e encontrar raízes para todos os objectos que fazemos. Eles têm raízes."
E Portugal, diz, é um País de elementos e raízes fortes: "É um País vertical, tiveste de proteger essas raízes, vocês sofreram tantas coisas num tempo tão curto, 1974 foi agora! E está em frente ao Oceano, é a única fuga, tens de ser duro e muito resistente. Por isso, foi tão poderoso quando vocês perceberam que o Oceano poderia ser um caminho." E para Noé há sempre "uma aflição para ir para o mar, para mim é a melhor parte", sorri. "Há uma ligação ao que está à volta, o que te obriga a estar ligado às coisas, à realidade, a trabalhar com as estações e os elementos. Criar a partir do que te rodeia. Agora já não há tantos lugares intocados pelos humanos, e aqui senti esta honestidade que é muito bela. A humildade cria brilho e autoestima e estes são projetos que demoram tempo, tudo o que é bom demora, mas tens de criar essa revolução."
In Situ
Travessa do Rosário, 16, Lisboa