Christian Courtin-Clarins é um homem do mundo. Internacionalizou a empresa fundada pelo seu pai, abrindo-a a 130 países, e transformou o que começou num spa parisiense, num conglomerado internacional. Comunicador nato, apaixonado pela natureza, e com uma forte consciência social, o presidente da marca conseguiu manter a Clarins fiel às suas origens e 100% familiar.
Encontramo-nos no Ritz Four Seasons, em Lisboa, numa tarde de inverno invulgarmente quente, e é com uma expressividade entusiasmante que Christian Courtin-Clarins impede que se forme qualquer tipo de constrangimento inicial. Algures entre a animada história passada recentemente nos Alpes, e a partilha de fotografias pessoais tiradas numa pequena cápsula submarina, onde se encontrava a testar a qualidade dos seus protetores solares no fundo dos oceanos, facilmente nos deixamos levar por este contador de histórias, e desvendamos algumas das muitas faces de Christian Courtin-Clarins: aventureiro, apaixonado pela natureza, e um eterno curioso.
É um frequentador assíduo de Portugal, entusiasta por descobrir os recantos mais característicos de Lisboa, mas desta vez foi a Comporta que o trouxe ao nosso país. Descobriu a beleza entre os arrozais e a praia quando uma das suas filhas se casou ali, e não demorou muito até que decidisse a construir a sua casa de sonho. Faz questão de utilizar elementos locais, enfatiza a importância que a sustentabilidade tem para si, e nas entrelinhas lemos que a sua filosofia é transversal a todas as áreas da sua vida. Percorre Paris, onde vive, de Norte a sul para encontrar os melhores ingredientes para as suas refeições, interessa-se pela origem dos produtos e pela alimentação dos animais, e é esta a metáfora mais recorrente que utiliza, "tudo pode ser comparado à comida", afirma. Na cosmética, tal como na alimentação, é a qualidade dos produtos que deve vir em primeiro lugar, e o processo de produção deve ser minucioso. Cumpridos 65 anos de Clarins, a evolução da marca não poderia ser mais positiva, com desafios e erros, sem os quais, afirma, não seria possível aprender e melhorar.
Abriu a Clarins a 130 países, ao longo das últimas décadas. Qual foi o país que representou o maior desafio para introduzir a marca?
O nosso maior desafio foi a América. Quando lá chegamos com a Clarins, em 1981, uma marca sem maquilhagem não tinha potencial de sucesso. Sabia que um dia entraríamos no mercado da maquilhagem, mas confesso que para mim esta palavra tem algo de feio, porque refere-se a disfarçar a verdade, e no início dos anos 1980 a maquilhagem fazia precisamente isto, cobria com camadas a pele das mulheres, escondia, não era natural. Na minha opinião a maquilhagem deve ser aplicada numa pele bonita, deve ser uma ênfase aos olhos, aos lábios, às pálpebras, e claro que pode disfarçar ligeiras imperfeições, mas não deve camuflar o rosto. Houve um ceticismo em relação ao sucesso da Clarins, mas os americanos rapidamente reconheceram a qualidade da marca, a eficácia, e a autenticidade dos cuidados de rosto, nascidos num spa. Foi um grande desafio, e provavelmente porque todos tentavam dissuadir-me com a impossibilidade do sucesso, eu fi-lo! Porque não acreditava que fosse impossível. Continua a ser um grande mercado para perfumaria e maquilhagem, mais pequeno para cuidados de rosto é certo, mas grande na mesma.
Ao invés, onde é que sente que a Clarins "chegou, viu e venceu"?
No Quebeque! Porque falam francês (risos). Fiquei surpreendido que, na minha primeira entrevista com uma editora de beleza, ela sabia tanto quanto eu sobre os nossos produtos. Perguntei-lhe se tinha trabalhado connosco, e respondeu-me que simplesmente adorava a Clarins. Foi um grande cartão de boas-vindas. A exceção foi terem-me perdido a mala quando lá cheguei, tive de comprar roupa sem ter conhecimento de que nos anos 80 se utilizava muito nylon sintético, um material ao qual não estava nada habituado. Estava tão desconfortável que tive a pior reunião, tive de me desculpar e sair para ir trocar de roupa.
A paixão da Clarins pelos ingredientes naturais começou muito antes da "onda verde" que agora se faz sentir.
Claro, tem de perceber que o meu pai começou a trabalhar com plantas, o seu primeiro produto era feito com 100% de extractos de plantas. Costumava ir com ele ao museu de ciências naturais - chamávamos-lhe "o jardim das plantas" - onde ele se encontrava com botânicos, e xamãs que sabiam usar as plantas para tratar a pele e os cabelos. Fiquei fascinado. Em 1985 na altura em que nasceu a minha filha, começou a emergir uma palavra muito importante para nós: biodiversidade. É como um cofre onde estão guardados os segredos do que a natureza pode fazer por nós. Foi interessante perceber que cometemos muitos erros, aprendemos a corrigi-los, e hoje sabemos mais, por isso estou muito optimista em relação ao futuro. Entre ser pai, que me fez considerar se a minha filha poderia nadar no mar sem este estar cheio de plástico ou comer peixe sem metais, e o homem de negócios envolvido com ingredientes naturais, percebi que tinha de fazer alguma coisa. Comecei a integrar as práticas de comércio justo, que chamamos agora de desenvolvimento sustentável - deixe-me relembrar que isto se traduz em 1/3 de proteção da natureza, 1/3 de novos postos de trabalho para os locais, e 1/3 de ordenados justos por esse trabalho. É este ciclo que torna tudo sustentável. Quis reintroduzir a biodiversidade que desaparecera com práticas más como a monocultura. No início confesso que fui uma dor de cabeça para os meus empregados. Queria o máximo de plantas orgânicas, o que não é assim tão fácil de encontrar, por isso consideramos a Clarins natural, mas sempre que nos é possível mudar ou plantar de forma a que o produto fique orgânico, faço-o. Atenção, a importância dos ingredientes é que cresçam ao ar livre, sob as condições mais naturais possíveis, a qualidade é encontrada facilmente em muitos ingredientes não orgânicos, mas o meu papel passa por proteger a Terra.
Que desafios enfrenta uma marca com 65 anos, quando o tema é alcançar os millenials e a geração Z?
Em primeiro lugar, nunca estamos na moda! Para alcançar as pessoas e para ter a aprovação delas durante muito tempo, não é uma questão de estar na moda. Em segundo lugar, e é tão fácil, simplesmente ouvimos as nossas consumidoras, e respondemos às suas necessidades, ao que procuram. Para a geração mais nova criamos fórmulas vegan na linha My Clarins. Eu considero que a vida é uma questão de harmonia, a minha cultura não é ser extremista por isso quando se destrói a harmonia é que se criam os problemas. A questão de terminar o consumo de carne irá levantar outras questões igualmente preocupantes. A questão da maneira como os animais são alimentados, é muito mais preocupante.
Como é que se reinventa uma marca mantendo a sua autenticidade?
É preciso manter as raízes, e ouvir, sempre! Mantemo-nos jovens mas seguimos os nossos clientes. Nem todos os nossos clientes têm a nossa idade, mas alguns deles começaram a usar a marca no seu início. Em cada 10 ou 15 anos criamos uma linha para responder às suas necessidades e, em simultâneo, olhamos para a geração mais nova que é a que usa sempre muita maquilhagem, ou que não se sabe desmaquilhar. E essa é a regra número um de uma pele bonita: limpá-la apropriadamente.