Gaspar Varela, o menino-prodígio da guitarra portuguesa, andava pelos Estados Unidos em digressão com Madonna, quando o irmão mais velho, Sebastião, lhe enviou algumas das músicas que começou a fazer com o amigo Rafael Matos. A ideia era apenas gravar algumas partes de guitarra portuguesa por cima, sem qualquer outro objetivo. O certo é que "a coisa foi andando" e acabou por se tornar bastante mais séria, com o trio, entretanto batizado de Expresso Transatlântico (numa bem-humorada alusão ao início da banda, com um oceano pelo meio), a editar um primeiro EP homónimo, que lhes valeu a presença nalguns dos mais importantes festivais nacionais, como o Alive ou o Paredes de Coura, além de uma extensa digressão de clubes um pouco por todo o país.
A primeira vez que realmente pensaram que poderiam mesmo dar uma banda foi quando se juntaram pela primeira vez fisicamente e saiu logo a malha da Primeira Rodada, o single de estreia. Seguir-se-iam logo mais algumas, como Azul Celeste, canção de homenagem à bisavó de Sebastião e Gaspar, a fadista Celeste Rodrigues; ou ainda Alfama, Texas, uma faixa cujo título é bem elucidativo dos inusitados caminhos pelos quais se move este Expresso Transatlântico. Após dois anos de estrada, chega agora finalmente o álbum de estreia Ressaca Bailada, um trabalho mais dançável, assumidamente inspirado pelo palco, mas no qual a influência dos Dead Combo continua omnipresente, numa sentida homenagem ao já desaparecido Pedro Gonçalves.
Estavam à espera que esta aventura corresse tão bem e que tivesse a aceitação que teve?
Gaspar – Na verdade o mais certo que fizemos foi não elevar muito a expectativa. Da mesma forma que quando criámos a banda éramos só três amigos, ou antes, irmãos, que se juntaram para tocar e divertir. Claro que ficámos muito felizes por toda a reação do público, mas de facto não estávamos nada à espera.
Qual acham que é o segredo deste Expresso, para conseguir chegar a tanta e tão diferente gente?
Rafael Matos – Não existe propriamente um segredo, pelo menos que nós saibamos explicar, mas acaba por ser a forma como nos sabemos reinventar e sermos sempre fiéis a nós próprios. Seja na música ou até na forma como nos apresentamos em palco. Sim, talvez seja esse o nosso maior segredo.
Sebastião Varela: E, talvez, também a nossa tentativa, neste caso específico mais do Gaspar, de conseguir criar uma nova roupagem à guitarra portuguesa. Isso acaba sempre por ser um motivo de interesse acrescido para muitas pessoas.
De que forma é que a muita rodagem na estrada influenciou o som deste primeiro álbum, que de certa forma parece bastante mais "ao vivo" que o EP de estreia?
SV: Creio que este álbum é o resultado claro de dois anos de estrada, em que a maioria das malhas foram criadas nesse ambiente. Mas isso é algo que sempre esteve presente na nossa música, essa tentativa de trazer as nossas experiências enquanto banda para o estúdio. Portanto, sem dúvida que essa rodagem em palco influenciou imenso o resultado final deste álbum.
RM: E também nos preocupámos bastante mais, tanto a nível de estúdio como de tempo. Estivemos mais atentos aos sons e em experimentar coisas diferentes.
Que Ressaca Bailada é esta, como é o sentimento de ressaca se pode transformar em dança?
SV: (risos) Está é uma pergunta complicada... De facto como é que um sentimento de ressaca se pode transformar em dança? Se calhar, no fundo, não se trata tanto disso, mas mais de dar um baile à ressaca. Sim, trata-se mais disso, em dar um baile à ressaca. Não há muito mais dizer, de facto.
GV: Sim, concordo em absoluto com as palavras do Sebas.
Este é também um álbum, se não assumidamente alegre, pelo menos muito mais dançável. É importante esse lado de movimento e de festa na vossa música, especialmente ao vivo?
RM: Sim e tem bastante a ver com a pergunta anterior, sobre aquilo que a estrada nos deu. Sempre pretendemos isso para os nossos concertos, que seria fixe puxar pelo público e pôr as pessoas dançar, como aliás fomos sentido cada vez mais. E obviamente que enquanto estávamos a criar esse sentimento esteve muito presente, não de forma planeada mas como algo bastante natural, por ser aquilo que andávamos a fazer em palco.
SV: Até porque a parte mais fixe de andar na estrada, para um músico, é sentir essa entrega por parte do público. Isso dá-nos um gozo do caraças, mas também nos inspira bastante.
Há um tema no álbum dedicado aos Dead Combo, uma das vossas maiores e mais assumidas influências. De que forma é que essa influência ainda se sente, hoje, quando são uma banda claramente mais madura e com uma sonoridade cada vez mais própria?
RM: Decidimos fazer esse tema não só como forma de homenagem, mas especialmente como um agradecimento aos Dead Combo e mais em particular ao Pedro Gonçalves. Porque, gostando ou não, eles foram a banda que abriu todas as portas para que nós e muitas outras bandas pudessem fazer o que fazem hoje. E é incrível, porque, ainda hoje, sempre que ouvimos uma malha de Dead Combo, aquilo influencia-nos de uma maneira muito específica e especial. Esta música é mesmo um agradecimento.
SV: Mas é importante sublinhar essa influência, como qualquer outra, vai sempre fazer parte da nossa musicalidade, porque, lá está, qualquer músico é sempre o resultado do que gosta de ouvir e apesar de nós sermos uma grande caldeirada, os Dead Combo serão sempre um dos nossos ingredientes principais.