Conversas

“O que se passa na cadeira de barbeiro é confidencial”

É uma das profissões mais antigas do mundo e tem voltado a ganhar terreno nos últimos anos, em Portugal. Que o diga Fábio Marques, o barbeiro eleito por David Beckham e proprietário da Figaro’s Barbershop, em Lisboa.

Figaro's Foto: Alexandre Azevedo / Sábado
22 de agosto de 2019 | Carolina Silva
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Fábio, pode falar-nos um pouco do seu percurso desde o início desta paixão pelo universo da barbearia até à concepção do primeiro espaço?

A paixão pela barbearia nasceu comigo. Eu costumava acompanhar o meu pai quando ele ia às barbearias e por baixo de onde eu morava existia uma pequena barbearia onde costumava passar algum tempo depois da escola. Sempre me senti confortável nesses espaços... Talvez pelo ambiente e pelo aroma das fragrâncias masculinas. Comecei a cortar cabelo com cerca de 14 ou 15 anos e nunca mais deixei de o fazer. A Figaro’s "nasceu" em 2014, mas a ideia já existia dentro de mim há alguns anos. Digamos que fui mentalmente afinando o conceito que idealizava…

Como surgiu o nome Figaro’s?

Uma tatuagem que eu tenho inspirou-me para o nosso logótipo. Depois foi necessário "baptizar" o nosso personagem e, claro, nada mais histórico e significante do que o barbeiro de Sevilha, o Figaro, uma figura icónica que era mais do que um barbeiro.

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O que distingue a vossa filosofia de outras barbearias de Lisboa?

Posso apontar duas coisas que eu considero que nos distingue, além da qualidade, não só das barbearias de Lisboa, mas, provavelmente, no mundo. Uma é que todos os nossos barbeiros são formados na Figaro’s. Ou seja, mais do que uma barbearia é uma escola de vida e de profissão. Não contratamos barbeiros que já trabalharam noutras barbearias. Todos, sem excepção, começam ali e ali fazem a sua aprendizagem. E a segunda é que só fazemos cortes clássicos inspirados dos anos 20 aos anos 50.

As tatuagens têm um papel importante na consistência deste conceito. Porquê?

Na verdade, as tatuagens sempre estiveram ligadas à barbearia, pois as primeiras tatuagens da civilização ocidental foram realizadas em barbearias quando esta ainda era uma actividade clandestina. No entanto, não é uma condição sine qua non, pois as tatuagens têm a ver com espontaneidade, marcam certos momentos e têm algum simbolismo. Mas também temos barbeiros que quase não têm tatuagens. Faz parte da cultura, mas não é algo obrigatório.

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Explique-nos a atmosfera vintage da loja e a política "men only" do Figaro’s…

Por definição, o conceito de barbearia é para homens. Aceitamos cortar cabelo a mulheres desde que pretendam um corte clássico (de homem). Cada vez temos mais senhoras que procuram este tipo de corte. É algo que somos bons a fazer e compreendemos que se elas o desejam e se é algo que nenhum outro cabeleireiro ou barbearia lhes pode oferecer, nós abrimos essa porta. Mas, conceptualmente, o que pretendemos é que seja um espaço frequentado por homens e onde estes possam  relaxar, conversar e tomar uma cerveja enquanto desfrutam de um corte de cabelo ou de um barbear à navalha com toalha quente.

David Beckham recomenda-o como um dos melhores barbeiros. Conte-nos como é que o conheceu e como surgiu esta ligação ao David e à House 99?

Foi uma honra ter sido convidado para fazer parte deste projecto. Conheci o David Beckham num trabalho para um anúncio publicitário de uma marca de roupa sueca e, desde aí, ficámos em contacto. Foi muito bom termos recebido a recomendação e a confiança dele e da sua equipa para colaborar no projecto House 99. É um reconhecimento do nosso trabalho e do nosso profissionalismo que (in)felizmente é mais valorizado por estrangeiros do que por portugueses.

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Os seus looks são dos mais imitados no mundo. Pedem-lhe com frequência o "corte do Beckham"?

Sim, com muita frequência. Embora não seja a única referência, há sempre muitos clientes que o solicitam.

Os homens ainda se mostram muito reticentes em relação a seguir conselhos de grooming?

Felizmente, cada vez menos.

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Eles "entregam-se" nas suas mãos para mudar de visual ou costumam chegar com ideias muito específicas sobre o que desejam?

Ambos. No entanto, cada vez mais há os que nos dão liberdade para trabalhar e acreditam na nossa visão e sentido estético, aliados à experiência.

O que tem em consideração quando muda o visual de um homem?

Os traços anatómicos e a "adequabilidade". Depois também o que é possível fazer com o que existe de cabelo e de barba, e o tipo de cabelo em questão. Há aspectos como a densidade capilar, o comprimento, o formato da cara e da cabeça que importa ter em conta quando fazemos uma análise antes de avançar para o corte propriamente dito. Depois há também a manutenção desse visual com o aconselhamento de produtos e o tratamento diário.

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Há regras no grooming masculino?  

Há regras, mas estas variam de pessoa para pessoa. É impossível generalizar. A única regra que costumo dizer que existe é fazer uma visita mensal ao barbeiro para que este possa continuar o trabalho de manutenção ou de mudança de visual.

Na sua profissão já deve ter visto muitos "bad hair days" masculinosQuais são, na sua opinião, os maiores erros de hairstyling que os homens tendem a cometer?

O maior erro é a lavagem diária de cabelo com champô e o uso diário de amaciador. Depois disso, a utilização excessiva de produtos, por vezes de má qualidade, assim como o uso de bonés, de gorros e de chapéus durante demasiado tempo… São factores exógenos de enfraquecimento capilar. Depois há factores endógenos como a alimentação e a hidratação que contribuem para uma melhor saúde capilar, e que muitas pessoas desconhecem. Infelizmente há também factores hereditários ou genéticos contra os quais pouco ou nada se pode fazer. No entanto, a ciência do implante capilar tem evoluído e atenuado tudo isso, o que permite muitas vezes devolver grande parte da auto-estima a homens que já a tinham perdido por terem "perdido" grande parte do cabelo.

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A cadeira do cabeleireiro, para as mulheres, serve muitas vezes como uma espécie de psicólogo, onde se fala sobre tudo. Acontece o mesmo com os homens?

Absolutamente. Nós somos recuperadores de auto-estima. Não só pelo trabalho estético que realizamos, mas também pela parte psicológica e de relação de confiança e amizade que criamos.

Pode revelar-nos alguma situação caricata que tenha acontecido?

Não. O que se passa na cadeira de barbeiro é confidencial. É uma regra de ouro que temos. É algo semelhante ao que os médicos têm com os seus pacientes ou que os advogados têm com os clientes. Também eu procuro manter sempre esse sigilo quando os clientes desabafam ou nos contam peripécias e problemas das suas vidas íntimas.

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