Natural de Amares, César Carvalhosa Soares, de 42 anos, é um exemplo de como a imaginação não tem limites. O seu hobby de construir com peças LEGO levo-o à Dinamarca, onde trabalha como designer de modelos da empresa desde 2016. O português esteve em Lisboa para, além da presença no painel dedicado ao tema durante a Comic Con Portugal, fazer parte do júri de workshops e desafios de construção em LEGO, durante os dois dias do evento. Aproveitámos a oportunidade para conhecer seu percurso e descobrir como uma t-shirt do seu filme de favorito foi determinante para a sua mudança de carreira.
Sempre brincou com peças LEGO?
Quando era criança, a LEGO era parte integrante da minha vida. Os meus pais sempre acharam que era um brinquedo fantástico e então faziam por me oferecer peças no Natal, nos meus aniversários e por aí fora. Eu tenha muitas memórias de brincar com a LEGO. O primeiro set foi um muito estranho, um robô azul. Lembro-me inclusive de, um dia na varanda da minha casa, querer construir uma cidade, mas como não tinha as baseplates, como as ruas, peguei num marcador e desenhei-as no chão da varanda – coisa que os meus pais não acharam muita piada – mas mostrou um bocadinho a minha criatividade. Eu devia ter 7 a 8 anos.
Mas o César não tirou o curso de Design.
Não, eu não tenho qualquer tipo de formação em Design ou desenvolvimento de produto. A minha formação é a licenciatura em Desporto e Educação Física [na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto], portanto não tem nada a ver com aquilo que eu faço, mas sempre tive uma paixão muito grande por Lego, que esteve adormecida durante 25 anos. Foi há pouco tempo – cerca de cinco anos – que voltei a descobri-la. Fui professor de Educação Física em escolas públicas durante quase 16 anos, portanto foi uma mudança de vida muito grande.
Como é que a LEGO entrou na sua vida?
Eu redescobri por acidente o brinquedo em 2014. O bichinho da construção e da criatividade voltou a morder e eu voltei a comprar LEGO, comprei vários conjuntos e comecei a fazer as minhas próprias construções, não tanto os conjuntos oficiais. Por exemplo, fazia um castelo medieval que não era baseado em nada que existisse, eu fazia aquilo da minha imaginação. Eu comprava os sets e muitos eu nem sequer construía, as pecinhas iam diretamente para as gavetas que eu tenho divididas por cor e por tipo de peça e a partir daí ia construir as minhas próprias coisas, porque foi isso que sempre me deu mais prazer.
E continua a ter essas gavetas em casa?
Milhares, sim. Pequeninas, médias e grandes no escritório. Divido por tamanho, por cor, por tipo de peça, por função. Está tudo dividido para ser muito mais fácil quando eu construo encontrar as peças que quero.
É lá que mantém as suas construções também?
Algumas sim, outras são fotografadas e vão para a minha conta pessoal do Flickr, onde partilho com uma comunidade de fãs, e outras de que eu gosto bastante ponho na minha sala em exposição.
E como começou a trabalhar para a LEGO?
Foi ideia de um colega meu, que também é fã, que me disse: "Olha, a LEGO está a contratar designers, tu devias concorrer." Eu confesso, que a princípio, achei a ideia um bocadinho esquisita, mas a verdade é que a minha situação profissional aqui em Portugal não era a melhor, era um bocadinho precária, associada ao facto de a minha paixão pela LEGO ser realmente gigante, decidi concorrer. Passei por todo o processo de recrutamento, no verão de 2015, que levou alguns meses. Recebi a oferta em novembro e iniciei o contrato em janeiro de 2016.
E já seguiu para a Dinamarca?
Sim, todos os designs de todos os sets LEGO são feitos no mesmo edifício, em Billund, na Dinamarca. E eu comecei logo em Star Wars, que é onde estou até hoje. E sou grande fã.
Como é feita a seleção? Abriu uma vaga ou teve sorte por ser fã?
É uma história interessante. O processo de recrutamento incluiu um workshop de dois dias em Billund com pessoas selecionadas e eu fui uma delas. Havia vários desafios e construções e eram avaliados por vários diretores criativos da LEGO – e um deles que estava lá trabalhava nas peças Star Wars – e eu tinha uma T-shirt da Star Wars LEGO que me tinham oferecido. No meio do workshop, chamou-me ao lado e disse-me assim: "Tu és fã de Star Wars?" Eu disse que sim e tivemos uma conversa bastante amena ao lado de toda a confusão do workshop e eu acho que isso teve grande influência na escolha para aquela equipa. Hoje em dia é o meu chefe. Essa T-shirt que eu tinha naquele dia foi definitivamente importante.
E o que faz na prática?
Duas ou três vezes ao ano recebemos um briefing para um set específico e trabalhamos nele – dependendo do tamanho e da complexidade – três a seis meses ou, quem sabe, um ano às vezes. Quatro dias em cinco estou a construir. Eu tenho todas as peças disponíveis no mercado neste momento à minha disposição, literalmente atrás da minha secretária em gavetinhas todas organizadas. Nós trabalhamos em loop, ou seja constrói e destrói e volta a construir.
Então vocês constroem, por exemplo, a cabana do Yoda…
Fui eu que fiz, por exemplo.
Sim, e como funciona? Gostaram, conta-se quantas peças são e faz-se um set?
Não, tudo é definido antes, quer dizer, o preço de venda, mas o número de peças não. E a data de ir para as prateleiras é definida muito antes. Portanto quando eu estou a trabalhar num set eu já tenho a certeza que vai estar nas prateleiras. Há também alturas que nós fazemos brainstorming, que todos nós trabalhamos coisas que podem ser sets no futuro. Aí é um bocadinho mais aberto e posso fazer o que eu quiser no universo Star Wars.
E é possível criar uma peça nova?
Sim. Há um determinado número fixo de peças anuais novas que os designers podem fazer. Os moldes novos são feitos por designers específicos de elementos, mas em conjunto connosco. Nós, os designers de modelos, dizemos: "Olha, eu acho que uma peça assim e assim seria o ideal, o que é achas?" E eles dirão se é melhor de outra forma ou não. Mas nunca é o que nós quisermos, a LEGO é muito restrita em relação a isso, para cada peça que é extinta uma nova entra. Há liberdade de criar uma peça ali e acolá.
E entre as suas criações, tem favoritas?
Eu tenho porque um dos veículos favoritos da saga Star Wars é o X-Wing Starfighter. É tão clássico e eu lembro-me perfeitamente de ver a cena final do Episódio IV [Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança (1977)] em que eles vão na Estrela da Morte para destrui-la – e é tão icónico e espetacular que foi um prazer trabalhar nisso. Recordo-me quando o briefing saiu, meu chefe disse: "Quem é quer fazer isso?" E nenhum dos meus colegas parecia interessado em fazer e eu levantei o braço imediatamente e disse: "Eu faço."
Uma das coisas mais mais fascinantes da LEGO é que não há idade. As crianças e os adultos divertem-se. Além do potencial educativo muito grande, como trabalham isso internamente?
É maioritariamente um brinquedo para crianças. Nós temos linhas específicas para adultos e cada vez há mais, mas é sempre um brinquedo. Temos que ter uma noção muito boa do que um bom brinquedo precisa e aplicamos isso. Mas, para mim, tem uma vantagem em relação a outros brinquedos que a torna transgeracional, ou seja, passa de geração a geração. Primeiro, dura para sempre, é um brinquedo com uma qualidade extremamente alta e eu ainda hoje tenho peças com 40 anos que encaixam perfeitamente nas peças de hoje. E depois, como disse, é um brinquedo educacional, porque implica que se trabalhe uma série de capacidades: orientação espacial, motricidade e uma infinidade de outras coisas. É fantástico e não me espanta que os adultos queiram brincar porque a criação e o demorar cinco horas a fazer uma coisa e conseguir terminar transformam-se num prazer enorme.
Qual foi o tempo máximo que gastou numa construção?
Eu fiz uma com meio milhão de peças que me demorou muito, muito tempo… Eu lembro-me que estava na altura na Comunidade 0937, que é um grupo de fãs portugueses, em que eu fui desafiado a fazer um display de uma floresta encantada com castelo e fiz aquilo tudo sozinho. Foram muitas horas, muitos meses, nem sei…