À semelhança de outros países, também os atores portugueses estão a migrar para grandes séries como as do gigante do streaming que é a Netflix. Há uma mescla de nacionalidades cada vez maior no ecrã, que chega hoje a mais pessoas do que muitos filmes pensados para as salas de cinema. Em White Lines, Nuno Lopes é Boxer, um dos personagens que entra na vida de Zoe Walker, a britânica que deixa a sua vida pacata em Manchester para rumar ao paraíso balnear que é Ibiza, com o propósito de descobrir o que aconteceu ao irmão Àxel, um DJ que foi assassinado em condições misteriosas há 20 anos. Entre o submundo do crime, as festas estrondosas dos clubes megalómanos desta ilha, este mistério parece adensar-se, e estar longe de ser resolvido. À MUST, Nuno Lopes revela como chegou ao papel de Boxer, um dos personagens mais próximos da protagonista. Estreia a 15 de maio na Netflix.
Como surgiu o convite para trabalhar com Aléx Pina nesta nova série da Netflix?
Começou tudo através de uma iniciativa que a Academia Portuguesa de Cinema e a Patrícia Vasconcelos organizam em Portugal que é o Passaporte, que mostra atores portugueses a diretores de casting estrangeiros e a agências. Foi aí que eu conheci o meu agente inglês, que tem um festival maior na Irlanda chamado Subtitle European Film Festival. Nele, o Subtitle Talents reúne 40 atores cujo idioma não é o inglês com 100 diretores de casting de todo o mundo. Numa dessas reuniões eu conheci as diretoras de casting do White Lines, que viram o São Jorge e outros filmes meus. Quando surgiu a personagem do Boxer, pensaram em mim e pediram-me fazer self tape para a série White Lines. Meses depois fui contactado para ter uma reunião via Skype com o Aléx Pina, e algumas pessoas da Netflix, e acabei por fazer uma espécie de casting live. Numa terceira fase, regravei a self tape com as indicações que me deram, e por fim – numa quarta fase – fiz um teste de química com a protagonista da série porque os nossos personagens andam muito juntos. Acabei por ficar.
O que sente que distingue as séries deste realizador?
Como todas as séries do Aléx Pina, há sempre um protagonista eleito, mas na verdade o que acontece é que há sempre quatro ou cinco protagonistas e eu tive a sorte de ser um deles.
Quais foram os maiores desafios deste personagem? E o que mais o cativou no guião?
Aquilo que mais me cativou mais é muito difícil de definir. Até mais do que a minha personagem, cativou-me eu nunca ter visto nenhuma série exatamente assim: no sentido em que a história parte de uma tragédia, é sobre um DJ que morre e sobre o que se passou com ele, ou seja parece um policial negro, mas depois se transforma numa série cómica, divertida e satírica, sobre o que é a chegada de uma pessoa que vem de Manchester, habituada a uma vida simples e cinzenta, de certa maneira. E de repente se vê em Ibiza, no mundo da noite e da música eletrónica, das drogas, das orgias, do mundo do crime. Acaba por ser uma série muito cómica sobre uma investigação policial de um assassinato. Nesse sentido é uma série muito nobre nesse sentido. É alegre, divertida, louca e caleidoscópica quase.
Como ator que já deu esse salto há algum tempo, como vê a internacionalização cada vez maior dos atores portugueses para grandes projetos em plataformas de streaming?
Eu nunca tive o objetivo de ser um ator internacional, mas gosto de filmar e quero filmar mais. E infelizmente em Portugal como temos pouco apoio – só podemos fazer 10 filmes por ano e as séries também são escassas – é muito difícil para um ator ter um percurso a filmar, seja séries ou filmes, em Portugal. Na verdade, eu comecei à procura de trabalho fora com o objetivo de filmar, e apetece-me fazer projetos que me desafiem. Acho que a Netflix é uma das grandes responsáveis por esta mudança de paradigma, porque o facto de ter constantemente produções nos próprios países, que são originais da Netflix, e depois levarem-nas para outros lados, faz com que de repente outras línguas sejam ouvidas. E sobretudo quando começam a ter sucesso, como Narcos, por exemplo, ou La Casa de Papel... Isso é uma grande mudança de paradigma.
Como ator, o que lhe trouxe de novo esta série?
A mim como ator não me interessa apenas mudar de personagem, mas também mudar de meios. E nesse sentido a série da Netflix caiu-me que nem uma luva. Uma série de 10 episódios em Portugal seria feita em dois meses, três meses, e esta série demorou cinco a seis meses a ser feita. É um desafio enorme, até por estar a representar outras línguas. Para além disso, estou habituado a fazer cinema de autor, em que há uma voz que comanda – a do realizador – e a voz que comanda aqui é a do escritor, que nem está presente nas filmagens, porque não gosta. E a produção está muito mais presente nas filmagens do que eu normalmente estou habituado. De repente é um meio diferente. É uma série de entretenimento puro. Foi um desafio que abracei com muita vontade.
O que irá acontecer à cultura – em tempos de confinamento – onde se insere o cinema?
Por um lado, as pessoas estão a consumir muito mais cultura, porque se estão a aperceber do impacto e da importância que ela tem nas suas vidas. Estão em casa, logo estão a consumir mais séries, filmes, livros… E nesse sentido, espero que as pessoas se apercebam da importância. Para os artistas é um momento absolutamente trágico. É uma classe que é precária há décadas, e quando acontece uma crise a uma classe que já é precária, os resultados são trágicos. Espero que este Governo, que diz ser apoiante da cultura ao contrário do outro, prove que está do nosso lado. É uma situação grave para os atores.