Quanto tempo dura uma onda? "Se calhar, menos de dez segundos", responde Nic Von Rupp, mas "enquanto estamos lá, demora uma eternidade". "Ao surfar uma onda gigante, usamos 100% dos nossos sentidos, e parece que entramos numa zona em que tudo à nossa volta avança em câmara lenta, até que, de repente, saímos da onda e acabou tudo num instante". Isto, acrescenta o melhor surfista nacional no campeonato de Big Waves, "se tudo correr bem, porque se caíres e ficares embrulhado vai demorar muito mais."
O famoso Canhão da Nazaré é um enorme desfiladeiro submarino que "levanta" as maiores ondas surfáveis do mundo. Já todos vimos as imagens do Forte e do Farol, com as ondas gigantes a explodirem junto às rochas, e perante este cenário impunha-se a pergunta: não é normal alguém querer meter-se lá dentro, pois não? "As pessoas normalmente dizem que somos malucos ou super-heróis, sem medos, mas não é nem uma coisa, nem outra. Eu também tenho medo destas ondas, só que tenho uma vontade maior de as superar, e por isso treino muito, para estar física e mentalmente preparado, porque só assim posso melhorar a minha performance e aumentar as minhas hipóteses de sobrevivência", explica.
Estivemos à conversa com Nic Von Rupp antes e depois da última edição do TUDOR Nazaré Big Wave Challenge, na semana passada, quando a vila portuguesa voltou a receber alguns dos melhores surfistas de ondas gigantes do planeta. Destaque para a comitiva brasileira que dominou o evento, com a dupla Lucas Chumbo / Pedro Scooby a brilhar mais alto na competição por equipas, Chumbo a repetir a proeza no título individual e Maya Gabeira a levar a melhor na disputa feminina. Quanto a Nic, depois da vitória na edição passada, terminou em segundo lugar na geral por equipas, estreando uma dupla com o francês Clement Roseyro, mas era evidente uma certa frustração no final. Não tanto pelo lugar alcançado, mas mais pelas ondas que ficaram por surfar... E mesmo depois de um dia a "apanhar tareia, já só pensava "em voltar a surfar". Aqui ou em Jaws no Havai, a outra grande prova de ondas gigantes do calendário mundial e para a qual estamos em período de stand by. As condições ideais para a realização destes eventos são sempre imprevisíveis, e a "chamada" pode vir de um momento para o outro.
"A última vez que lá competi foi em 2019, que foi também a última vez que organizaram o campeonato", tendo então alcançado as meias-finais. "O ano passado tive a oportunidade de surfar ondas incríveis no Havaí, mas a prova acabou por não acontecer." Este ano temos o El Niño, e as águas do Pacífico estão mais quentes, há mais tempestades e ondas muito grandes, por isso Nic acredita que "vai mesmo avançar", sendo as suas expetativas muito simples: "chegar à final... e ganhar." Depois deste momento "Mourinho", modera um pouco o discurso e acrescenta: "Não sei, vamos ver o que vai acontecer, mas estou com muita vontade de lá voltar".
Para a competição deste ano, em Jaws, foram convidados apenas três surfistas europeus, sendo que Nic recebeu ainda um passe para o The Eddie Aikau Big Wave Invitational, outra das grandes provas mundiais, o que o torna "provavelmente um dos três únicos surfistas convidados para estes três eventos". Não faltarão, por isso, oportunidades para voltar a medir forças com Lucas "Chumbo" Chianca ou com o havaiano Kai Lenny, possivelmente o mais famoso de todos os surfistas de Big Waves depois de Gareth MacNamara.
Nic, de Nicolau, Von Rupp é fruto de uma salada genética engraçada: filho de pai germano-americano e mãe luso-helvética, sendo que o lado luso vive na Suíça e foi o pai quem escolheu Portugal para viver, na zona de Sintra. Começou a surfar nas ondas da Praia Grande e teve o seu primeiro contato com a Nazaré em 2004. Tinha apenas 14 anos, mas queria "ver os melhores surfistas da altura, que tinham vindo experimentar as ondas". Apesar da idade, Nico recorda-se bem desse dia: "Foram-se embora sem conseguirem surfar uma única onda. Aquilo deixou-me desolado. Eles eram os meus ídolos, aquelas eram as ondas do meu país, e eles viraram costas e foram-se embora...". Felizmente, não teve de esperar muito mais tempo, porque em 2011 Gareth MacNamara surfou mesmo a grande onda da Nazaré e, de repente, o panorama mundial do surf mudou: "O epicentro das ondas grandes eram os Estados Unidos, o Havaí. Diziam-nos que se queres fazer alguma coisa vai lá para fora, mas agora é ao contrário. Agora é o resto do mundo que vem para cá. Para mim, como português, é um orgulho ver esta transformação. Dá-me arrepios só de pensar nisso, é uma loucura."
Ainda assim, se alguém tivesse dito ao jovem Nic que um dia iria surfar aquelas ondas, esse rapaz "teria desatado a fugir na direção contrária ao mar". Surfar ondas grandes nunca foi a ambição, e Nic culpa a costa portuguesa por esta opção: "temos ondas realmente muito grandes e fortes, e é normal uma pessoa querer superar-se. Ou seja, vamos à procura do próximo desafio e acabamos a surfar ondas gigantes", conclui, com toda a naturalidade.
Em 2022, Nic foi convidado por uma das patrocinadoras oficiais do circuito, a marca de relojoaria suíça Tudor, para ser seu embaixador. Um momento marcante na carreira, desde logo pelo reconhecimento que esse convite implicava, e até porque era já um fã assumido de relógios e da marca, cujo slogan não lhe podia assentar melhor "Born to Dare". Mas sobretudo pelas implicações familiares: "tive de lutar muito para que a família da minha mãe aceitasse ter escolhido fazer carreira profissional no Surf, em vez de ter seguido uma carreira académica ou assim. E ter uma marca de relógios tão importante como a Tudor, ainda por cima suíça, escolher-me como embaixador foi uma espécie de certificado de qualidade, e isso fez muita diferença."
De lá para cá, Nic ficou também numa posição privilegiada para expandir a coleção de relógios, que conta já com um Black Bay Bronze, uma edição limitada e um Ranger, sendo que o seu preferido é claramente o Pelagos, modelo que lhe foi oferecido como prémio por ter vencido a prova da Nazaré. Nos últimos dois anos, este relógio não saiu praticamente do pulso, mesmo quando vai surfar − ou especialmente quando vai surfar: "As pessoas perguntam-me ‘mas surfas mesmo com o relógio posto?’ Especialmente os aficionados não querem acreditar que levo um Tudor para aquele ambiente, mas é evidente que levo. Sinto-me muito mais confiante com o relógio no pulso, é quase como se fosse um amuleto da sorte, e ajuda-me a surfar melhor."