Cresceu perto de Frankfurt?
Cresci em Moerfelden-Walldor, que é uma é uma pequena cidade perto do aeroporto do Frankfurt, ou seja, a cidade mais perto do aeroporto.
Um aeroporto que deu muito que falar…
Nessa cidade começaram as marchas contra construção do aeroporto e foi onde nasceu o movimento "Verde" na Alemanha. Primeiro contra o aeroporto, depois contra a energia nuclear, e cresci nesse contexto. Nasci em 1975 e os anos 80 foram o auge destes protestos. Muita gente se lembra do autocolante com um sol onde se escrevia "Atomkraft? Nein, Danke!" (Energia Nuclear? Não, obrigado!).
Cedo e bastante forte. Os meus pais estavam nos protestos porque não queriam que cortassem a floresta à volta deles, claro. Construíram casas de madeira nesse bosque onde viviam pessoas para a proteger a floresta. Estive muitas vezes nessas casas. Durante os protestos contra a polícia o meu pai foi duas vezes preso. Nada de especial, assim uma coisa para assustar. Não era um político, mas um cidadão.
Foi o embrião do movimento do Partido Verde alemão?
Desse movimento surgiu o Partido Verde que se desenvolveu e atualmente está no governo.
Cresceu nessa cidade até que altura?
Não tenho irmãos e vivi mais com os meus pais até ao final da escola primária e depois passei a ir de comboio para a Frankfurt. Ia de bicicleta para o comboio e depois de metro para chegar à escola. Era uma viagem comprida e, com pouca idade, já era bastante autónoma. Da porta de casa até a escola demorava 50 minutos e, na altura, a estação do comboio em Frankfurt era muito perigosa por causa das drogas. Foi uma experiência muito dura. Mas passei a identificar-me mais com Frankfurt porque a partir dos onze anos passei mais tempo na cidade do que em Moerfelden-Walldor, onde praticamente só dormia.
O muro de Berlim caiu quando tinha 14, 15 anos. Que memórias tem?
Foi o meu primeiro acontecimento histórico com consciência. Quando os habitantes do Leste chegaram à Alemanha Federal, sendo que alguns familiares viviam nessa parte.
Conhecia-os?
Não era família muito chegada. O contacto era raro, à exceção do Natal, quando enviávamos pacotes com chocolate e essas coisas típicas e recebíamos um bolo tipo rei, que é muito típico de Dresden onde vivia essa parte da família. Ainda antes da queda do muro, quando tinha 10 anos, recebemos a visita desses familiares. Eram família, mas muito diferentes, foi tudo muito estranho.
Como foi Berlim nessa altura da queda do muro?
Foi incrível para nós. Na altura tinha 15 anos e conscientemente percebi que passei a fazer parte de um acontecimento histórico positivo que ia ficar em todos os livros da história. Foi impressionante. Os meus pais permitiram-me com aquela idade ir para Berlim com amigos numa autocaravana. Estávamos no início dos anos 90, ou seja, o muro caiu em novembro de 1989 e três meses depois fizemos uma viagem de Frankfurt até Berlim para celebrar esse momento histórico importantíssimo.
Memórias para sempre?
A viagem para lá foi espetacular porque tínhamos matrícula da Alemanha federal e tivemos de atravessar a antiga República Democrática alemã. Toda a gente estava em festa e onde estacionávamos as pessoas traziam pão e uma série de coisas. Foi muito fixe. Depois cheguei a Berlim…. até hoje começo a chorar… foi mesmo uma experiência única. Ninguém consegue explicar. Não sofri a separação, mas fazer parte dessa alegria, da união, é uma coisa… quando vejo hoje um filme sobre essa época fico muito comovida.
O que fez com os amigos em Berlim?
O nosso destino foi obviamente o muro. Abrimos uma garrafa de champanhe apontada para Leste e recolhemos um pouco do muro que já não sobrava muito. Lembro-me de um grande movimento, tudo estava agitado porque nesse momento foi um melting pot de pessoas de todo o mundo que quiseram lá estar. Dávamos boleias a americanos… acho que não consigo pintar um quadro muito autêntico de Berlim. Fomos à zona Leste mostrar o passaporte e foi um pouco sinistro, cinzento, estranho, mas foram tantas impressões… é difícil de concretizar mais.
Foi bem diferente do que aprendia nos bancos da escola?
Acho que foi tão surpreendente e uma coisa tão boa, sendo que normalmente os acontecimentos que fazem história são negativos. Vivi e cresci numa Alemanha onde na escola sempre se falava dos nazis, dos eventos pesados. E depois, de repente, aconteceu uma coisa tão boa que sabes que vai fazer parte da história. Foi impressionante. Lindo.
Na escola sente-se esse peso da história alemã?
Na minha geração, como tivemos muitos professores do movimento de maio de 68, estavam muito empenhados em nos contar tudo sobre aquele tempo para nunca mais voltar a acontecer. Nas aulas de História, em três anos não tivemos outro tema. Obrigaram-nos a ver os filmes dos processos de Nuremberga, as filmagens originais dos campos de concentração… acho que ficamos um pouco traumatizados.
De que forma sentia esse peso?
Viajei muito na minha vida e ninguém fica alheio. Hoje menos, mas na altura, nos anos 90, ninguém ficava indiferente aos alemães. Havia sempre uma opinião e podia ser boa, mas havia sempre comentários mais tristes como numa viagem a França onde não concordei com uma opinião e logo responderam que eu era nazi.
Mas finalmente podia orgulhar-se da história.
Acho que nem refleti tanto no contexto alemão. Pensei que fixe que era irmos para lá e eles virem para cá. Vivíamos sempre com a questão da limitação geográfica. Nessa altura foi uma alegria pura de liberdade.
Mudou-se para Colónia, mas acompanhou a mudança?
A minha geração foi toda para Berlim. Fui das poucas que fui para Colónia por causa dos meus estudos serem mais direcionados para África e haver uma universidade específica. Mas como os meus amigos se mudaram para o Berlim pelos apartamentos fixes e onde precisavam de pouco dinheiro, passei muito tempo na cidade e vi-a mudar juntamente com as pessoas e com o contexto alemão.
Assistiu à reunificação da Alemanha.
Para mim foi sempre positiva, não vi nada negativo na reunificação. Claro que se falava dos movimentos de direita no Leste, mas nunca tive contato. Com 17 anos viajei com uma amiga de mochila pelo Leste sem stress nenhum. Tenho boas memórias dessa altura.
Conheceu melhor os "alemães" de Leste?
Durante os estudos e quando comecei a trabalhar tive muitos contatos com pessoas de Leste que se mudaram para a parte ocidental e tive muitas conversas sobre como foi erradicada a história da parte Leste no Ocidente. Foi difícil para a identidade das pessoas, essa parte mais pessoal, e acompanhei essa dificuldade de se sentirem integrados. É complexo. É um livro de história com duas histórias diferentes, um caso bastante interessante e único.
Vamos à formação. Começou cedo no desporto e esteve quase a seguir a área?
Durante a escola fiz atletismo profissional, salto em altura, 200, 400 metros e outras disciplinas. Quis estudar desporto, mas depois com uma lesão no joelho e operações percebi que não queria passar o tempo todo na fisioterapia. Mas foi bom até porque aprendi uma técnica nova dos Estados Unidos. Fui das primeiras pessoas na Alemanha a aprender fisioterapia com o meu treinador e, no fim da escola, comecei a tratar pessoas nos períodos pós-operativos. Praticava essa técnica junto com o médico e ganhava muito bem.
Mas optou pelo Jornalismo.
Decidi entrar mais no Jornalismo já que tinha feito um estágio no Frankfurter Allgemeine Zeitung. Perguntei-lhes o que estudar e eles disseram: "Tudo menos Jornalismo. Estuda o que te interessa para depois teres algo para escrever".
Aceitou o conselho?
Continuei na Fisioterapia para financiar os estudos e como pensei que gostava de viajar e conhecer outras culturas, estudei Geografia e Etnologia. Depois desviei-me um pouco para a Ciências porque passei muito tempo na Namíbia num estágio no deserto. Foi muito interessante.
Como foi essa experiência?
Espetacular. Um dos meus sonhos sempre foi viver no deserto. Não só visitar, mas viver. E quando comecei a estudar Geografia em Frankfurt uma colega tinha feito um estágio, que é obrigatório durante a primeira parte dos estudos, e tinha escolhido essa estação científica. Decidi candidatar-me e fiquei um ano. Do ponto de vista científico foi interessante. No deserto todos os dias de manhã há nevoeiro e pode-se captar para telas e usar como água potável. Fiz uma parte da pesquisa científica e de um estudo com os indígenas que vivem na região. Estive numa equipa internacional de namibianos, sul-africanos, australianos, escoceses, foi muito fixe para uma pessoa que nunca tinha tido essa experiência internacional. Tinha 22 anos.
Quase sem contacto para o exterior?
Atualmente é quase impossível imaginar que vivíamos dessa forma. Não tínhamos telefone, televisão ou internet, apenas um rádio para três vezes por dia reportar o clima para a estação central na capital e também para emergências. De três em três semanas fazíamos uma viagem à cidade para comprar a comida para todos. O único contacto que tive com o meu mundo na Alemanha foram cartas. E, se nessas três semanas não viesse nenhuma, tinha de esperar mais três.
Sobreviveu.
Foi muito saudável porque estava naquele sítio para cumprir uma missão. Viver no deserto não é fácil, há animais venenosos, temos de ter sempre cuidado. Tivemos emergências e casos de vida e de morte e tivemos de reagir. Estávamos muito expostos à natureza.
Houve algum acidente?
Vários. Por exemplo, procurámos uma pessoa durante dois dias, mas felizmente só tinha ficado presa do outro lado do rio. Estávamos 10 pessoas na estação e cada um com o seu temperamento diferente. Percebi que sou sempre ao contrário da maioria. Se estão agitados eu fico super calma e consigo ajudar. Nesse contexto percebi que sou muito de conseguir fazer o que é preciso.
Viajou pela região?
Duas vezes para a Cidade do Cabo porque precisava de respirar outras coisas. Mas comprei um carro na Namíbia e viajei muito no país. Mais tarde regressei mais três meses para a Namíbia para concluir o meu diploma onde fiz uma comparação da perceção de natureza e dos recursos naturais entre os agricultores nas zonas mais férteis e os indígenas no deserto que não têm nada. Como eles usam a natureza é muito interessante. Os europeus sempre a queixar-se da seca, mas para os que vivem lá é normal.
O que aprendeu mais importante?
Viver e fazer o melhor com o que temos mesmo que seja pouco.
Regressou à Alemanha?
Fui para Colónia para a segunda parte dos meus estudos e estive num centro de estudos africanos onde fiquei muito imersa nessa matéria até no final. Ofereceram-me um doutoramento, mas sabia que a carreira na universidade como professora não seria a minha praia até porque é muito competitivo e eu não o sou. Trabalhei mais um ano depois do diploma nesse centro, dei aulas e ainda fiz Capoeira, mas como os professores brasileiros nunca aprenderam alemão aprendi eu português.
E o Jornalismo?
Comecei a trabalhar em Jornalismo e pensei que podia juntar as duas coisas: a minha paixão pelo português e por África. Enquanto jornalista trabalhei e viajei muito no Brasil e nos países da língua portuguesa no continente africano.
Porquê a rádio? Porque não um jornal ou televisão?
No centro dos estudos africanos uma ex-jornalista que se reformou fazia uma pequena revista e escrevi um pouco para ela. Certo dia perguntou-me porque não ia para a rádio onde iria ganhar mais e divertir-me. Comecei a fazer formações de rádio na DW (Deutsche Welle). Depois do estágio na redação da África lusófona fiz as minhas primeiras matérias num programa alemão sobre a África como freelancer.
Foi quando foi para Moçambique?
Candidatei-me a uma bolsa que me financiou três meses de pesquisa em Moçambique. E com esse material voltei e bati à porta das rádios. Não tinha experiência quase nenhuma, mas quando ofereci temas sobre um país que a maioria das pessoas nem sabiam onde ficava nem que se falava português – sempre achavam que era francês –, ficaram curiosos.
Que matérias tratou?
Temas sociopolíticos e, por exemplo, a reintegração depois da guerra civil. Crianças com 16 anos que lutaram brutalmente uns contra os outros e como conseguiam viver juntos depois. Matérias com curandeiros que conseguiram que as pessoas começassem a viver em paz juntos. Fiquei comovida com a maneira pacífica de viver em Moçambique, apesar de ter havido uma guerra civil há pouco tempo. Achei muito interessante ver pessoas normais que encontraram uma maneira de viver pacificamente.
No Brasil também fez rádio, mas na formação.
Depois da bolsa de Moçambique e já a trabalhar como freelancer na DW, perguntaram-me se eu não podia acompanhar uma formação de rádio no Brasil para pessoas em zonas desfavorecidas. Foi um grande desafio. A primeira formação foi no Recife.
E regressou várias vezes?
Voltei duas, três vezes por ano para o Recife, Natal, Maranhão, São Luís, nunca as cidades maiores. O resto do país viajei através da Capoeira. Acho que conheço o Brasil melhor que a maior parte dos brasileiros.
Dividia a sua vida entre a Alemanha, Brasil e África?
Vivia em Colónia, trabalhava como jornalista para várias emissoras e estive no Brasil, Moçambique, Guiné-Bissau, e habitualmente ficava mais um tempinho para pesquisar vários temas. Consegui chegar onde eu queria: o filme sonoro. Não é só informação, é uma montagem com sons gravados, música, edição e sonoplastia. Para uma hora da rádio são três dias de produção num estúdio com técnicos profissionais.
Era o que gostava mais?
Sim, mas foi o fim da época dourada das grandes produções com atores, música composta de propósito, etc. Cada uma dessas peças teve o seu encanto, umas mais pelo tema, outras pelos sons perfeitos. Fiquei com o coração cheio. Um dos programas que recebi muito retorno, o que também é muito gratificante, foi uma matéria em Portugal sobre o programa em Bragança do tio João.
Mas teve de procurar temas em Portugal.
Enviei propostas sobre temas em Portugal porque na altura os assuntos tinham de ser na Europa. Tinha entregado matérias como a música africana em Lisboa. Gostavam de trabalhar comigo.
Como surgiu o Douro?
Perguntaram-me se não queria fazer um programa sobre o Douro, mas fiquei um pouco receosa de como o iria fazer bem para a rádio. Não era um programa de culinária, era mais sociocultural. Cheguei ao Douro sem saber muito e tinha tentado contactar algumas quintas por e-mail. Tive vergonha ou receio de não entender o português por telefone e também era caro telefonar.
Como resolveu o problema?
Muitas pessoas diziam-me para contactar o Dirk Niepoort, mas eu não queria pessoas famosas ou conhecidas, mas no final foi o único contacto que tive. Escrevi-lhe um e-mail em português dizendo que precisava contactos com pessoas do campo e ele disse para o avisar quando estivesse em Portugal. Tive de ligar nervosa por não saber se ia conseguir entender o português. Mas não ia falar inglês em Portugal. Eu também me orgulho do português. Estive ao telefone 15 minutos e combinámos onde nos encontrar. No fim desse telefonema, diz-me no mais puro alemão que na próxima vez também poderíamos falar em alemão. Riu-se.
O princípio da vida conjunta?
Comecei a trabalhar sobre o Douro e ficámos apaixonados e depois comecei, lentamente, a viver cada vez mais em Portugal. Nos primeiros anos continuei a trabalhar como freelancer para a rádio alemã e procurei temas por aqui para viajar um pouco menos. Mas ter duas casas era muito exigente. Por algum tempo também continuei com as formações e foram muitas viagens.
Lembrou-se de um desejo antigo?
Um desejo inicial quando comecei o Jornalismo. É uma profissão muito gira, mas um dia eu queria produzir algo que ficasse. Vivia dois terços do ano cá e um terço lá. Fiz isso três, quatro anos e quando pensei no que fazer não seria obviamente vinho porque o Dirk já faz bom vinho.
Foi aí que pensou no chá?
Entrevistei um suíço que tem uma mini plantação experimental de chá na fronteira com Itália, e que tinha escrito um livro sobre o chá verde. Na entrevista contou-me que todos os chás são feitos da camélia. Já vivia em Portugal e tinha-me apaixonado pelas camélias do Porto e perguntei-lhe se era a mesma família e ele confirmou. Depois da entrevista contei-lhe que tinha o sonho de produzir alguma coisa e perguntei se ele achava que o chá se podia dar no nosso clima. Ofereceu-me uma planta.
E o passo a seguir? O Dirk alinhou?
Gostámos os dois da ideia. Plantámos 200 plantas ainda na nossa casa do Porto e logo começámos a investigar sabendo que demora cinco anos a planta a crescer até a primeira colheita. Procurámos uma parceria com a família Morimoto no Japão e começámos a cultivar e a observar as plantas no jardim enquanto comecei a distribuir o chá dos Morimoto em Portugal.
Com aconteceu essa parceria?
Pensámos no tipo de chá gostávamos de produzir e, nessa altura, gostávamos do ‘kukicha’ dos Morimoto. Em 99% das lojas de chá na Europa não conseguimos identificar o produtor, mas nessa, que era um projeto de dois jovens, gostaram da nossa ideia de produzir chá em Portugal e apresentaram-nos os Morimoto. Combinámos importar chás juntos para eu distribuir em Portugal e Espanha e eles na Alemanha e França.
E Portugal valia a pena?
Comecei a importar algum chá e fazer degustações para perceber se havia alguma chance de um dia o vender. Não queria produzir a um chá que não fosse reconhecido e, na altura, o conhecimento era pouco. Percebi que os portugueses não têm muita cultura deste produto, mas têm muito interesse e carinho por causa do transporte dos primeiros chás para a Europa pelos navios portugueses. Há muita nostalgia e, por isso, acho que consegui captar as pessoas para provarem chás de qualidade, extraordinários, como nunca tinham provado antes. O negócio cresceu lentamente e no início ainda trabalhava como jornalista.
Acabou por abandonar o Jornalismo?
Diminui, passo a passo, o trabalho jornalístico porque o chá ficou mais exigente e, passado um ano e meio, tive tanto trabalho que deixei. Ou quase. Nunca senti que abandonei para sempre, porque às vezes escrevo textos para revistas e jornais, nos "social media", tenho as publicações na internet no nosso website e estou também a escrever um livro sobre o chá. Por isso, oficialmente abandonei, mas nunca se deixa de ser jornalista.
Há erros muito comuns quando se fala de chá?
O português tem o privilégio de ter um nome para tisanas que não usa porque chama tudo chá. Não distingue entre ervas aromáticas, flores comestíveis e chá feito da camellia sinensis. Explico isto todos os dias. Nas tisanas tudo vem das ervas aromáticas e flores comestíveis e é só preciso secar para ter gosto e não tem cafeína. Enquanto o chá tem de ser processado em muitos passos e é muito trabalhoso para criar gosto. Se secarmos a folha da camélia e juntarmos água quente não tem gosto. Temos de manipular a folha. Criar uma certa oxidação e outras reações químicas para depois ter o gosto específico que eu quero. Mas isso é uma arte milenar mais complicada do que fazer vinho. Em pouco tempo posso estragá-lo ou fazer uma coisa fabulosa. É muito complexo e, por isso, fazer chá é uma arte.
Com várias expressões…
No chá verde tenho de fazer algo para ela não oxidar. Enquanto o chá preto deixo oxidar. Entre o verde e preto há centenas de cores. E dentro dessas categorias também há graus de oxidação diferentes. Há milhares de maneiras de criar gostos diferentes.
Tem uma quinta em Fornelo, perto de Vila do Conde. O chá é produzido lá?
A quinta tem dois hectares e um deles está preenchido com o chá. Plantei também num campo experimental pequeno na nossa Quinta da Lomba, em Gouveia, para comparar o terroir em granito na montanha e o de Fornelo, marítimo. E queremos plantar mais aqui por perto.
Não está muito satisfeita com a forma como se trata o chá…
Uma coisa é plantar chá, outra é produzir chá. Sofro muito porque na Europa o chá é banalizado pela cultura inglesa. Achamos que os ingleses têm a única e grande cultura na Europa, mas na verdade criaram uma sub-cultura industrializada de uma qualidade muito inferior ao chá que vem do Oriente. Estou a tentar defender e mostrar através das visitas, da nossa comunicação e do chá que fazemos que deve falar por si, que um chá de qualidade artesanal e originalmente autêntico, a partir da folha é muito superior. O conceito inglês e o conceito originalmente asiático são completamente opostos.