Conversas

Karl-Friedrich Scheufele, o homem à frente de um império de luxo

Apaixonado por relógios e carros, apreciador de vinhos e arte, Karl-Friedrich Scheufele é também um profundo conhecedor do mercado do luxo. O copresidente da Chopard concedeu à MUST uma rara entrevista.

Foto: Getty Images
25 de setembro de 2020 | Carolina Carvalho
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Algumas das primeiras memórias de infância de Karl-Friedrich Scheufele (Pforzheim, Alemanha, 1958) são a pedalar na sua bicicleta até à fábrica de relógios do pai onde observava a montagem e brincava com as peças. Na vida do copresidente da Chopard, recheada por variadas paixões e na qual a família tem um papel de relevo, os relógios são certamente protagonistas.

A marca começou como uma empresa familiar suiça no século XIX, mas foi quando a família Sheufele lhe tomou as rédeas em 1963, cerca de um século depois de ter sido fundada por Louis-Ulysse Chopard, que se tornou num império de relojoaria e joalharia à escala mundial. À jogada estratégica do pai, Karl Scheufele, de munir a sua marca de relógios alemã com os conhecimentos de um atelier suíço juntaram-se mais tarde os projetos dos filhos e atuais co-presidentes. Enquanto Caroline tem a seu cargo as coleções de mulher e joalharia, Karl-Friedrich dedica-se às coleções masculinas e de relojoaria desde a década de 1980 e na década seguinte foi o responsável pela criação da manufatura da marca em Fleurier.

Na mais recente coleção de relógios da Chopard – Alpine Eagle – três gerações de homens da família uniram-se para recriar um ícone da marca. Em entrevista à MUST conta-nos a história desta criação, explica a importância desta marca ser uma das últimas independentes e geridas por uma família, e ainda descreve os automóveis como outra das paixões que passa de geração em geração entre os Scheufele.

O novo relógio, Alpine Eagle, é mais do que um lançamento da Chopard, é uma combinação de história, marca e família. E o mais curioso é que tudo aconteceu por acaso. Conte-nos como nasceu este projeto.

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Há cerca de cinco anos o meu filho Karl-Fritz descobriu um modelo do relógio St. Moritz numa gaveta da minha secretária. Depois de o usar durante alguns dias, ele ficou convencido de que o relógio podia ser reinterpretado com um twist moderno, sem perder a sua essência e carácter único. Ele tentou convencer-me desta ideia. Para ser sincero, ao início não fiquei particularmente interessado porque acredito que o relógio St. Moritz foi um ícone e os ícones devem ser preservados como são. O Karl-Fritz insistiu e pediu ajuda ao meu pai, Karl. Depois, o meu filho trabalhou, com o avô, num primeiro protótipo e apresentou-mo. Foi assim que o projeto começou. Com o Alpine Eagle enfrentámos um grande desafio criativo, porque é um processo complexo inventar um novo relógio, mas é por vezes ainda mais difícil reinterpretar um ótimo design. Queríamos manter a essência do St. Moritz, contudo dando ao Alpine Eagle a sua própria identidade refletindo o espírito da atualidade.

Os relógios têm uma presença forte nas suas memórias de infância e juventude, ou foi uma arte da qual aprendeu a gostar?

Algumas das minhas primeiras memórias remontam ao tempo em que pegava na minha bicicleta em direção à fábrica e brincava com pequenos componentes de relógio. Eu andava pela fábrica e observava o que as pessoas estavam a fazer. Foi quase como se tivesse nascido na empresa. No entanto, nunca me senti pressionado para trabalhar na empresa. Quando me comecei a envolver um pouco mais a sério, o meu principal interesse era no design do produto. Mais tarde, descobri que tinha, na realidade, muita atenção ao detalhe e o meu interesse expandiu-se para a parte do movimento do relógio.

Juntou-se ao negócio da família na década de 1970 e, tanto o mercado como o público, mudaram muito desde então. O que é que os homens procuram hoje num relógio?

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O consumidor moderno de relógios de luxo espera, antes de tudo, rigor, precisão, confiança, o menor número de intervalos de serviço possível e um trabalho artesanal de qualidade. Acabamentos de alta qualidade certificados pelo Poinçon de Genève [selo de contraste e certificado de qualidade], assim como características técnicas avançadas. Além das características técnicas são cada vez mais os consumidores que se preocupam com a origem dos materiais com que se constrói o relógio. No que toca aos nossos produtos, nós comprometemo-nos desde julho de 2018 a usar 100% ouro ético (Ethical gold) para produzir os nosso relógios e joias.

Tem um olho sempre atento à relojoaria? Quando se encontra com outras pessoas costuma reparar no relógio que usam?

Gosto, de facto, de observar o relógio que a outra pessoa está a usar. Em muitas ocasiões, o relógio é um reflexo fiel da personalidade da pessoa.

Sabemos que tem a seu cargo na Chopard a relojoaria e a Manufacture. Quais dos seus principais projetos ficarão na história da marca?

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O meu projeto pessoal mais importante foi em 1996 quando começou a produção de movimentos mecânicos in-house com a criação da Chopard Manufacture em Fleurier. Em menos de 25 anos criámos 11 calibres base e mais de 80 variações que cobrem quase toda a gama de complicações de relógios da coleção L.U.C.. Considero um marco o prémio Aiguille d’Or que recebemos na GPHG [Grand Prix d’Horlogerie de Genève] em 2017 com o L.U.C. Full Strike, o nosso primeiro repetidor de minutos (minute repeater)! Será sempre para a minha equipa e para mim um momento verdadeiramente inesquecível e um reconhecimento único de todos os nossos esforços.

Já sabemos que gosta de relógios e de carros. De que outros prazeres da vida gosta de desfrutar?

Eu interesso-me por tudo o que demore tempo a criar ou que conte a história do tempo. Por isso não será uma surpresa se lhe contar que sou apaixonado por vinho e arte contemporânea. Mas também gostaria de mencionar a Natureza e, em particular, o ambiente Alpino, que me fascina ao mesmo tempo que me dá equilíbrio e inspiração. As diferentes paixões dos membros da família foram muitas vezes o motor de criatividade da nossa Maison. Já foi este o caso há 40 anos, quando os Alpes e o resort de St. Moritz estiveram na origem de um relógio que se tornou um ícone da Chopard e que representa hoje a inspiração da nova coleção Alpine Eagle.

Trabalhando na indústria do luxo há algumas décadas, explique-nos a diferença entre custo e valor.

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A meu ver, o custo é um conceito atingível e muitas vezes relacionado com períodos de curto-prazo, enquanto o real valor de algo é ser observado e sentido a longo prazo.

É verdade que o seu primeiro carro foi um Beetle amarelo? Hoje tem uma garagem bem mais colorida. Qual a importância dos carros na sua vida?

A minha paixão por automóveis clássicos foi-me passada pelo meu pai, que é, ele próprio, um ávido colecionador. A minha primeira aquisição foi, de facto, um Volkswagen Beetle amarelo descapotável, que eu conduzi até poder ter um Porsche 911. Até agora, o meu carro desportivo preferido continua a ser o Porsche 911 Carrera RS de 1973.

Inegavelmente, há muitos paralelos que podem ser feitos entre carros clássicos e relógios mecânicos, e as pessoas que gostam de um, invariavelmente gostam do outro. No fim, tem tudo a ver com perícia, precisão e design.

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Fale-nos da Mille Miglia. A Chopard é parceira da corrida há cerca de três décadas, mas embora seja uma parceria de duas marcas gigantes, pode-se dizer que a sua relação pessoal com a corrida é também emocional?

A Chopard tem sido uma parceira fiel e Official Timekeeper da Mille Miglia desde 1988, a corrida de carros clássicos considerada "a corrida mais bonita do mundo". Cada ano atrai mais de 400 proprietários e colecionadores apaixonados de todo o mundo. A primeira vez em que participei na corrida foi com o meu pai e no ano passado tive o prazer de participar com a minha filha, Caroline Marie. A atmosfera durante o evento é verdadeiramente única e emocionante e cada corrida é uma memorável aventura. Eu acredito que as corridas de carros clássicos são uma das últimas áreas nas quais se pode experienciar liberdade na estrada.

Olhamos para a Chopard hoje e só vemos o seu lado glamouroso e de sucesso. Quais foram os maiores desafios que a marca e a família Scheufele enfrentaram desde que obtiveram a Chopard?

A meu ver, um desafio constante é permanecer original. Tem tudo a ver com a capacidade de pensar independentemente e de forma criativa. Quando se está a desenvolver e desenhar um novo relógio ou joia, o fator chave deve ser manter a autenticidade e ter em atenção os valores e códigos da casa. É fácil seguir tendências ou simplesmente copiar produtos que têm sucesso. Para nós, a originalidade é a mistura entre a conexão com os nossos valores primários e, ao mesmo tempo, apresentar novos e surpreendentes elementos de design, materiais e elementos técnicos.

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Quando o seu pai adquiriu a Chopard, a marca tinha perto de três empregados, hoje é uma marca presente no mundo inteiro. Qual a chave do sucesso?

Estar numa empresa gerida por uma família e independente é um dos nossos principais pontos fortes. Como uma das últimas maisons familiares na indústria do luxo, temos a capacidade de seguir uma estratégia a longo prazo e embarcar em projetos ambiciosos sem ter de agradar a investidores a curto-prazo. A Chopard é reconhecida no mundo como uma das melhores maisons de Haute Horlogerie e Haute Joaillerie e beneficia de uma forte integração vertical na produção e distribuição. Enquanto a nossa empresa enfatiza muito a inovação e a criatividade, nós acreditamos firmemente que a tradição, o respeito pela herança e a perícia também são uma chave do nosso sucesso e posicionamento.

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