O emigrante nasceu há 52 anos na freguesia de Fridão em Amarante. Com apenas 16 anos decidiu dar o salto para o estrangeiro. Uma história de resiliência que começa e termina em Amarante.
Como era a sua infância na freguesia amarantina de Fridão? O que faziam os seus pais?
A minha mãe estava em casa, mas quando era jovem era barqueira. Atravessava as pessoas entre as margens do rio Tâmega. Depois, casada, ficou em casa a olhar pelos sete filhos. O meu pai também trabalhou sempre no rio Tâmega com um barco a tirar areia para materiais de construção. Depois abriu um pequeno café em Fridão.
Sei que fugiu de casa. Como foi essa história?
Em 1985 um casal de ingleses com 30 e poucos anos chegou à aldeia e ficou algum tempo. Iam todos os dias tomar um café ou jogar bilhar no estabelecimento do meu pai e eu era o único que conseguia comunicar com eles. Acharam-me muito simpático e uma vez, em jeito de brincadeira, disseram-me que estava convidado para ir ao casamento deles em Londres. Na altura, deram-me um número de telefone e a direção e guardei sempre aquele papelinho comigo. Fui juntando algum dinheiro e com 16 anos comprei um bilhete de autocarro. Saí de casa às cinco da manhã e fui para Londres.
O que o levou a fugir?
Para ser sincero, não me via naquele mundo. Era uma vida de privações. A minha mãe tinha muita dificuldade para conseguir pôr comida na mesa e o meu pai chegava a casa muito cansado. Queria ter outra vida. Era um revoltado.
Como foi essa viagem?
Disse apenas a uma vizinha. Essa senhora também ia para Londres ter com o marido e perguntei se podia ir com ela. Fui com ela até França, entrámos com o autocarro no barco, passámos o canal da Mancha, mas quando cheguei tive um problema: era de menor idade. Perguntaram-me o que ia fazer, se tinha dinheiro e então fiquei detido quatro horas e só saí às onze e meia da noite. A embaixada explicou que eu estava convidado para um casamento, telefonaram à senhora inglesa e ela confirmou.
Foi para Londres, mas não ficou em casa dela…
Fiquei lá uma semana, mas não havia condições e então tive de ir para a rua. Andava meio perdido e a pedir trabalho, só que ninguém me empregava. Dormia em Piccadilly Circus, Oxford street, onde calhava. Um dia, em Kings Cross, vi um restaurante que dizia "Pasta House". Quando entrei estava a tentar explicar que queria trabalho, em italiano, laboro, laboro… o senhor olhou para mim, meteu-me a mão no ombro e disse: Tu és português rapaz, não és? Disse que sim, de Amarante. Respondeu que era de Montalegre e deu-lhe trabalho.
O que foi fazer?
Limpar o restaurante das cinco às sete da manhã até eles chegarem. Mas feliz. O proprietário era das primeiras gerações de emigrantes em Inglaterra já a viver muito bem. Chamava-me o reguila. Passou-me para a cozinha para lavar pratos e ajudar a fazer salada. Estive lá três anos.
Ganhava dinheiro além do restaurante?
Junto do estádio do Chelsea, uma zona de milionários, percebi que deixavam sacos de roupa de marca em contentores. No final do trabalho ia lá, pegava em dois ou três sacos e vendia essa roupa aos meus conhecidos e amigos. Também ia para um baile só para senhoras de idade que pagavam aos mais jovens para dançarem com elas. Ia todo bem arranjado e as senhoras, todas as vezes que dançava, davam-me dinheiro para pagar um sumo ou algo para comer. Comecei a ganhar mais.
E a sua família? Quando falou com eles depois de ter saído de casa?
Talvez um mês depois ao telefone. E ia telefonando. A primeira vez que vim a Portugal foi em maio de 1990. No aeroporto o meu pai vê-me assim vestido e abraçou-me. O meu patrão, que também vinha no avião, perguntou se era o meu pai e disse-lhe que tinha um rapaz fantástico. Foi a primeira vez que vi o meu pai a chorar.
Mas acabou por sair de Londres.
Um primo e amigo que estava na Suíça convidou-me para passar uma semana em Berna. Também trabalhava numa cozinha com um grande chef que me fez uma oferta de trabalho para ficar na Suíça.
Já era cozinheiro?
Já o era em Inglaterra e tinha feito vários cursos de cozinha. E quando fui para a Suíça fiz mais dois anos de aprendizagem. Ainda fui para Zurique trabalhar nove meses como cozinheiro, mas sempre com vontade de regressar a Berna porque gostava da cidade e já tinha alguns conhecimentos.
O que cozinhava?
Comidas típicas suíças em Zurique: por exemplo, massas gratinadas, batatas especiais da zona, salsichas, molhos de cebolada, muitos pratos. Em 1993 fui para Tune, perto de Berna, para um local fantástico tipo casino e, na altura apesar das dificuldades em falar alemão, tive oportunidade de servir às mesas. Já era um espaço com um nível muito alto. Tirei um curso de alemão e ao fim de meio ano já era chefe de mesa.
E sempre chegou a Berna?
Trabalhei até 99 e fui para o Hotel Bern onde fiquei como chefe de toda a parte da restauração.
Mas saiu para outro negócio?
Em 2003 tinha aberto uma discoteca, a Prestige, com três pisos, em sociedade com um equatoriano e um italiano. Estive um ano, mas voltei ao Hotel Berna.
Entretanto foi fazendo mais cursos?
De tudo. De vinhos, tabaco, cerveja, de gestão. E então fizeram-me uma proposta para gerir uma das maiores casas de Berna: a Kornhauskeller. Depois, o mesmo patrão fez-me uma proposta para ir para um local mesmo ao lado que tinha uma discoteca, um bar, um café, um restaurante, salas de banquetes, o Lorenzini, e correu-me fantasticamente.
Estava sozinho ou com família?
Em 94 casei na Suíça com uma espanhola da Galiza com quem tenho uma filha. Mas em 2006 divorciei-me. Comecei quase do zero. Trouxe dois fatos e instalei-me num estúdio.
Mas acabou por sair do Lorenzini.
Quando fui pela primeira vez de férias com a minha filha, ela tinha catorze anos. Uma vez começou a chorar e disse-me não tinha tempo para ela por estar sempre a trabalhar. Voltei e cheguei ao Lorenzini e disse que não queria trabalhar mais. Ficaram em choque e essa notícia até veio no jornal.
Para onde foi?
Um grande empresário da Suíça, um dos mais ricos do país, leu a notícia, conhecia-me e ligou-me. Chamava-se Daniel Grosson e convidou-me para almoçar e ofereceu-me a compra do restaurante Buner que ainda mantenho hoje.
Como é o restaurante?
Já teve um conceito italiano, suíço, mexicano, mas esteve quase na falência e fechado. Fiz uma carta nova, reuni uma equipa e abri em setembro de 2015. Na qualificação de 503 restaurantes na Suíca, estava na posição 184. Hoje está entre o número um e o número dois. Tem almofadas nas cadeiras, garrafas de vinhos nas janelas, fotos a preto e branco, velas, um jazz baixinho, com 90 lugares dentro e 130 no jardim e fica a dois, três minutos do centro do centro de Berna.
O que se come?
Comida mediterrânea. Em todos os locais onde passei tinha um ou outro prato que eu gostei. Então fiz uma combinação: um pouco italiano, francês e português.
Há uma particular atenção ao vinho?
Sim chama-se restaurante e vinoteca. Temos uma carta selecionada de vinhos com 80% de vinhos portugueses. Bons vinhos de pequenos produtores, de famílias, personalizados. A carta também tem franceses, espanhóis, italianos, argentinos, chilenos, mas vendemos 75% de vinho português e o resto dos outros países.
É um restaurante caro?
Diria que é considerado caro, mas não acho para o serviço que nós fornecemos. É um segmento médio-alto.
Mora perto?
A 20 quilómetros, perto da montanha. Aqueles 20 minutos no carro quando regresso a casa fazem-me muito bem. Deixo para trás aquele stress e, no verão, tomo um banho, fumo um charuto e bebo um copo de vinho. É uma terapia.
E os seus interesses em Amarante?
Venho a Portugal oito ou nove vezes ao ano. Gosto mesmo muito de Amarante e identifico-me com a política de agora na cidade. Vou regressar porque tenho 52 anos, ainda tenho bastante energia e posso fazer alguma coisa.
Foi candidato a uma junta, daí chamarem-lhe presidente...
As eleições eram em outubro de 2009 e num grupo de amigos fiz um discurso onde disse que a partir daquela altura iria ser candidato à freguesia de Fridão. Fui logo fazer uma sessão de fotografias e fizemos cartazes, isqueiros, canetas, mas nunca cheguei a fazer a lista. Não vivia cá.
Então e agora? A Câmara?
É o meu objetivo e já estou a trabalhar para ele. Primeiro, presidente do Amarante Futebol Clube e mais tarde numa lista para a Câmara Municipal de Amarante.
O que quer fazer por Amarante?
Para já, tratar do bar no cine-teatro agora recuperado e um restaurante ao lado. O que vou tentar em Amarante tem de cobrir as despesas e recuperar o que estou a investir a longo prazo. Pensei que gosto muito de cultura, de música e de vinho e candidatei-me a este projeto. Também comprei um restaurante aqui nesta mesma rua, mas só abre em janeiro. Chama-se Pobre Tolo e pode dar apoio ao bar. Também quero provas de vinhos porque é a cultura da região do vinho verde e ninguém a cuida.
O bar chama-se The President's Club. O que vai ser?
Num espaço como este podemos ouvir música, fazer provas de vinho, apresentar um livro. Um piano bar com um mobiliário intimista onde a partir das seis da tarde ou a seguir ao jantar vir tomar um aperitivo. A maior referência vai ser seguramente sempre a música e os vinhos. Vamos estar articulados com o cine-teatro e fazer o nosso programa.