"É embaraçoso", admite Ian Schrager. Ele está sentado no seu sítio do costume, à cabeceira da mesa, e estamos a falar do Studio 54, a discoteca-empório repleta de celebridades que abriu [em Manhathan, em 1977] com o seu amigo Steve Rubell, que ainda é vista como a melhor na história do mundo. "Toda a situação era embaraçosa", reafirma Schrager. "Ainda é", acrescenta. Schrager tem 73 anos e fala com pronúncia de Brooklyn num tom de voz rouco e profundo. Por vezes, emite uns sons semelhantes a gargarejos. A sua face apresenta manchas e marcas de uma vida bem vivida e tende a semicerrar os olhos enquanto fala, como se estivesse a avaliar-nos. Por outras palavras, parece um velho rufia, mas há nele uma receptividade que me faz lembrar, vagamente, Tony Soprano na terapia, a forçar-se a falar dos seus sentimentos ou, neste caso, no seu embaraço. Não é por minha culpa que estamos a falar sobre isso. Considero o tema tão estranho, do ponto de vista emocional, como qualquer outra pessoa. Mas Schrager é a estrela de um documentário intitulado Studio 54, no qual ele conta toda a história: como ele e Rubell se tornaram os "reis da noite" de Nova Iorque, uma fase gloriosa que teve um fim abrupto quando foram ambos presos por evasão fiscal. É por isso que está verdadeira e profundamente embaraçado. "Sinto-me muito exposto", confessa.
A maioria das pessoas pensaria que o facto de criar o Studio 54 levasse a que se esquecesse o que aconteceu em seguida, incluindo um período no Metropolitan Correctional Center [em Manhathan]. Mas Schrager tem filhos, o mais novo dos quais, Louis, tem apenas sete anos. Receia dizer-lhe que em tempos esteve na prisão. "Espero que o mundo tenha em consideração que eu era muito novo", diz. "Mas sou pai e tento ser um bom exemplo." Não se trata de Schrager nunca mencionar o Studio 54. Até fez um gigantesco livro de fotografias com [a editora] Rizzoli. Ainda assim, no início do documentário acerca do seu grande embaraço, ele fala como se fosse um veterano da guerra e a discoteca o Vietname. "Nunca desejei falar do Studio 54", admite. "Agora sinto-me capaz de o fazer." Para este sentimento contribuiu o facto de, no início de 2017, ter recebido uma chamada do seu advogado a anunciar que o Presidente Obama lhe tinha concedido um perdão. "Calculei que seria melhor expor-me e dizer o que realmente aconteceu", declara. "Porque as únicas pessoas que podiam explicar o que realmente se passou eram eu e o Steve." Rubell morreu em 1989 de uma doença relacionada com a Sida e, por isso, tudo está nas mãos de Schrager. Como hoteleiro, profissão que escolheu depois de ter saído da prisão, ele é exigente nos pormenores, uma espécie de Steve Jobs do design dos átrios de entrada. Até Anna Wintour [directora da Vogue americana] considera que ele tem algo de maníaco controlador. Não é, pois, surpreendente imaginar que se comportava do mesmo modo com os detalhes no Studio 54.
Estamos no escritório de Schrager, na Baixa de Manhattan, que foi em tempos o estúdio [do pintor] Jasper Johns Jr. As paredes estão cobertas de fotografias dos seus filhos e de maquetes dos seus hotéis. Abriu o mais recente, Public, na zona leste da Baixa de Manhattan, no ano passado. Schrager cresceu em Brooklyn. O pai geria uma fábrica de confecção de casacos e a mãe era dona-de-casa. O irmão é médico e ele licenciou-se em Direito. "Por isso, os meus pais tiveram o que queriam", afirma. Ambos já haviam morrido quando ele tinha 24 anos. Reconhece que os pais não iriam gostar que ele estivesse envolvido no negócio das discotecas. Schrager conheceu Rubell na universidade, no estado de Nova Iorque, onde descobriram que provinham do mesmo sítio, em Brooklyn. Rubell, que era quatro anos mais velho, estabeleceu-se como proprietário do Steak Loft – uma cadeia de restaurantes com dificuldades financeiras, recomendada pelos jornais como o sítio para "Para fazer amor com o estômago". Ian Schrager tornou-se o seu advogado, representando-o contra vários credores. Propôs-lhe que se iniciassem juntos no negócio das discotecas, primeiro com uma, em Queens, e depois com outra, em Manhattan, onde encontraram um velho estúdio na Rua 54, lado oeste. O local era visto, na altura, como um bom sítio para se ser assaltado e eles não tinham muito tempo para abrir antes de as pessoas começarem a sair para as férias de Verão. Por isso, logo no início, enveredaram por um certo comportamento à margem da lei, uma vez que não tinham licença para construção ou para servir bebidas alcoólicas. Contornaram o problema designando-se como Broadway Catering Corporation e candidatando-se, diariamente, a uma licença de catering de 24 horas. O investimento de 700 mil dólares foi financiado pelo dono de uma discount store de Brooklyn, chamado Jack Dushey, que conheceram quando o mesmo usou a discoteca de ambos, em Queens, para a festa mitzvah [cerimónia judaica que marca a passagem de uma criança à vida adulta, aos 13 anos] do filho. Os donos de clubes nocturnos de Manhattan fizeram os possíveis para tornar a vida difícil aos intrusos de Brooklyn e ninguém desta indústria queria trabalhar com eles. Schrager e Rubell tiveram de contratar especialistas em iluminação e gente do teatro da Broadway. Havia adereços que deslizavam sobre as cabeças, globos incrustados com pequenas peças espelhadas que refletiam as luzes, balões e serpentinas que caíam do tecto. Os clientes eram as estrelas do espectáculo. Se não se quisesse dançar, as pessoas podiam sentar-se nas velhas cadeiras de salas de cinema e observar do balcão toda a acção [o Studio 54 foi criado num edifício antigo, o Gallo Theatre, projectado pelo famoso arquitecto Eugene de Rosa, em 1927]. Eram providenciados binóculos. Perguntam-lhe, por vezes, "se o Studio 54 poderia ser recriado", diz Schrager. "A música, agora, é diferente. A moda é diferente. Os telemóveis tornam tudo diferente. Os bons clubes nocturnos da zona leste de Berlim não deixam ninguém entrar com os telemóveis. Portanto, as coisas estão diferentes. Mas a condição humana que nos insta a socializar, aquele desejo de se ser livre permanece. E manter-se-á. Por isso, eu penso que se poderia criar esse mesmo tipo de folia e abandono incontrolado, actualmente."
O documentário tem um excerto de uma entrevista antiga de Rubell dada à televisão, na qual ele diz que abriram quando "a Guerra do Vietname tinha acabado e o Caso Watergate também, e toda a gente, de repente, estava farta de andar preocupada com forças exteriores e dizia: ‘Agora eu quero é divertir-me.’" Rubell fazia parte da atracção: tinha reservas sobre-humanas de charme. Não conseguimos deixar de gostar dele quando o vemos naquelas imagens antigas. Uma vez, quando uma equipa de filmagens estava no escritório de Rubell, ele vê alguém passar no corredor e chama: "Eh, Michael! Vem cá… Podes entrar, Michael. Senta-te ali." Um adolescente desajeitado entra e agacha-se junto à cadeira de Rubell. "Vem aqui muitas vezes?", pergunta um entrevistador. "Oh, meu Deus, sim!", diz Michael Jackson, e ouve-se aquela voz, a única parte dele que se manteve inalterada até ao fim. "Já estive em muitas discotecas e não gosto delas", afirma. "Mas no Studio 54 o sentimento, quero dizer, a excitação provocada pelos adereços a descerem era fascinante, sinceramente." Olha para Rubell com a admiração de um homem do mundo do espectáculo para outro. "O Steve é das minhas pessoas preferidas porque é um cavalheiro sincero e honesto", refere. "É onde venho quando quero escapar. É realmente escapismo. Quando dançamos aqui, sentimo-nos livres." Poderíamos mencionar a lista de celebridades, grandes e pequenas, que se sentiam em casa no Studio 54: Andy Warhol ou Truman Capote ou Bianca Jagger entrando a montar um cavalo branco [guiado por um homem nu pintado de dourado, no dia do aniversário dela], que depois foi beijado por Dolly Parton. Que noite para esse cavalo. Myra Scheer, assistente de Rubell e de Schrager, lembra que Mick Jagger e Keith Richards entravam sem pagar, "mas alguns dos outros elementos dos Rolling Stones tinham de pagar". Eu suponho que não podemos deixar de mencionar que Donald Trump também lá ia, embora nunca tenha baixado a sua "crista" [de cabelo]. Schrager lembra-se de o ver "muito" porque Trump ia para ser visto. "Mostrava-se sempre muito sério. Estava constantemente focado no trabalho. Ele ia com a mulher [Ivana Trump], mas também aparecia para festas e eventos." Rubell experienciava um grande momento da sua vida, vagueando por lá com um enorme casaco a abarrotar de dinheiro e de drogas. Schrager, que era, e ainda é, algo tímido, mantinha-se nos bastidores, enquanto Rubell estava sempre no centro da festa. "Ele era muito inteligente", responde Schrager quando toco no assunto. Começa a defender o velho amigo. Ele não era só o "líder da banda", diz. Era metade do negócio. "Adorava-o mais do que ninguém. Era o último a sair todas as noites." Não desejava ser assim? Passar mais tempo a fazer loucuras? "Não." Schrager era mais como o Feiticeiro de Oz, digo. "Desculpe?" Quero dizer, o homem longe da ribalta, a manobrar as alavancas. "Eu era mais a pessoa criativa", diz. "Mas não se divide metade dos lucros com alguém, a menos que contribua com uma parte igual." Schrager era heterossexual e Rubell era homossexual, mas nunca falavam acerca desse assunto. "Penso que ele achava que isso me incomodaria", diz Schrager. "Não faria qualquer diferença e não fez. Mas nunca falou comigo acerca disso. Não me incomodava e ainda não incomoda." Rubell, diz ele, era possivelmente a única pessoa no mundo que podia ficar à porta, afastando as pessoas sem fazer com que se sentissem pessoalmente menosprezadas. "Era difícil estar na porta", reconhece. "Apenas alguém como o Steve poderia dizer não a alguém. Quando qualquer outro o fazia, as pessoas pensavam que se estava a ser mesquinho. Mas não o Steve." Existem filmagens de Rubell do lado de fora da discoteca, enfrentando uma multidão que queria festejar. "Podes baixar um pouco as luzes?", grita para um dos seus rapazes. "Não consigo ver as pessoas." Dirige-se a um homem perto dele. "Okay, se não fez a barba, não há possibilidade de entrar. Escute, vá para casa." Dirige-se a outro. "Esse chapéu! Nunca mais apareça por cá com esse chapéu." Eu menciono a situação a Schrager, achando que refuta o seu argumento. Mas ele sorri e diz: "É um dom! É um dom!".
A escolha de quem teria permissão para entrar era um problema desde a primeira noite, em 26 de Abril de 1977, quando os clientes invadiram a Rua 54. "Naquela primeira noite, nós tínhamos segurança por todo o lado, mas as pessoas estavam prestes a derrubar a porta", recorda Schrager. "Tivemos de tirar todos os seguranças de dentro da discoteca e colocá-los no exterior." Muitos deles, recorda, pareciam-se um pouco com aquela personagem "que o meu filho vê, aquele grande homem verde". O Incrível Hulk? Schrager concorda com um gesto de cabeça. Mas um deles, Marc Benecke, tinha maçãs do rosto salientes e cabelo platinado e parecia um modelo de roupa interior escandinavo. Rubell colocou-o à porta, de modo a que as pessoas fossem afastadas por um homem muito bonito. A política de entrada tornou-se notória. As equipas de reportagem das televisões apareciam para entrevistar os rejeitados. "Da última vez que estive aqui, entrei imediatamente", diz uma senhora, pesarosa. Um homem vestido como um estudante de uma escola selecta declara: "Se eu conhecesse a política de selecção para entrar no ‘santuário’, alterava a minha personalidade e a minha maneira de vestir para passar na inspecção, mas aparentemente eles mantêm o segredo." Benecke, que não envelheceu bem, aparece numa entrevista para a televisão daquela época. "Alguém lhe oferece sexo?", pergunta-lhe o entrevistador. "Oh, sim!", responde-lhe. "Aceita?" "Depende da oferta", diz Benecke, rindo. "Mas, primeiro, têm de ser suficientemente atraentes para entrar, porque se o forem, podem entrar de qualquer maneira e, por isso, não importa." Schrager acena com a cabeça, em sinal de confirmação, quando menciono esta questão. "O facto é que todos nos acusavam de sermos elitistas", afirma. "Quando se dá uma festa em casa, convida-se pessoas e senta-se juntas as que se acha que vão conversar umas com as outras. Tenta-se dar uma boa festa. Quando se faz isso num sítio público é politicamente incorreto. Mas era o que estávamos a tentar fazer." As decisões espontâneas tomadas à porta eram sempre um pouco arbitrárias, reconhece. Não havia critérios. Fazia-se um julgamento", esclarece. "Era como fazer uma salada. Sempre diferente, dependendo de quem estivesse a fazer a escolha." Entre as folhas de alface castanhas havia muitas uvas azedas. Quem eram eles, perguntavam-se as pessoas. Quem eram aqueles dois jovens de Brooklyn para decidir quem entrava e quem ficava de fora? "Muita gente importante sentia-se chateada por não conseguir entrar. Esse mal-estar iria acabar mal." Schrager e Rubell foram processados por não terem licença de venda de bebidas alcoólicas, "pelo presidente da State Liquor Authority", diz Schrager. O próprio presidente entrou no clube com um pequeno grupo de polícias à paisana, exibindo o seu distintivo à porta para passar à frente de cerca de 60 pessoas à espera, e pedindo um whisky com gelo. Schrager e Rubell contrataram Roy Cohn, antigo conselheiro-chefe do senador Joseph McCarthy, hoje conhecido como advogado e ex-mentor de Donald Trump. Ele neutralizou a equipa da Procuradoria e ajudou-os a obter a licença. Depois, em 14 de Dezembro de 1978, sofreram uma nova rusga, dessa vez por agentes do Internal Revenue Service (IRS). É muitas vezes dito que Rubell desencadeou o ataque gabando-se, a um repórter, sobre do dinheiro que estavam a ganhar. "Só a Máfia faz melhor", disse, "mas não conte a ninguém." No documentário, no entanto, Peter Sudlow, que era um dos agentes envolvidos na rusga, afirma que a denúncia veio de um ex-funcionário descontente que sugeriu que Rubell, Schrager e o seu parceiro de negócios, Jack Dushey, estavam a desviar dinheiro da caixa. Havia uma "quinta-coluna" nas contas do Studio 54, a que chamavam skim [espuma que fica por cima do café e se corta para nivelar a chávena], diz. Eles tiraram entre 2,5 a 3 milhões de dólares, declarou. Steve Rubell tinha 900 mil dólares escondidos no seu apartamento. "Eu conduzia com 400 mil dólares no porta-bagagens do meu carro", diz-me Schrager. "Olhando para trás, agora, reconheço que era absurdo. Toda a situação o era." Eles ficaram "totalmente inebriados, inebriados com o sucesso", observa. "O Steve não gostava de ouvir isto quando eu o dizia." Dizia-o? Antes de serem fiscalizados? Ele acena com a cabeça. "Nós não pensámos que estávamos a proceder mal porque mantivemos sempre as nossas amizades. Nós não gastávamos muito dinheiro, nem nada desse género. Estávamos apenas a trabalhar. Achávamos que tínhamos os pés bem assentes no chão. Mas eu acho que as regras fundamentais que criaram o Studio 54 não estavam a ser cumpridas."Apesar de tudo, telefonaram ao Roy Cohn. Haveria alguma contradição em ser um bastião de hedonismo e de tolerância e ter o homem forte de McCarthy como seu advogado? "Ele era muito, muito, muito eficiente e politicamente muito bem relacionado", declara Schrager. Outro dos seus advogados – pois contrataram um exército deles – avisou que não seriam capazes de controlar Cohn e que estavam a tentar cavalgar um tigre. "Ele ia conseguir o que queria e que era publicidade", afirma Schrager. Um dos primeiros conselhos de Cohn foi que eles virassem do avesso todos os móveis do escritório, de modo a parecer que a Gestapo o tinha revistado. Naturalmente, isso só serviu para enfurecer os agentes federais. Schrager descreve esta situação como o primeiro de muitos erros. Os investigadores estavam realmente a procurar ligações à Máfia e descobriu-se que as suas suspeitas se centravam em Schrager e no seu falecido pai, Louis Schrager. O certo é que Louis tinha estado um período na prisão, em 1957, por conspiração. Dizia-se que ele era conhecido como "Max, o Judeu e estava ligado a um mafioso chamado Meyer Lansky, o qual, por sua vez, teria sido contabilista da máfia italiana. Eu vi que havia algo diferente no meu pai", relembra Ian Schrager, "mas eu não sabia de nada". Nas fotografias, o seu pai parece durão e bonito. "Eu idolatrava-o", confessa. "Eu acho que o que o levou por esse caminho foi o facto de ser muito pobre e não ter alternativa." Deu-se conta de que ninguém da Máfia levantou um dedo contra eles quando o Studio 54 abriu. "Muitas vezes me perguntei por que razão não nos incomodavam", declara. Embora considere que foi porque atraíam muita publicidade. "Havia tanta visibilidade. Nunca apareceu ninguém [relacionado com a Máfia]."
Sudlow, o agente federal, esclarece que "nunca se encontrou qualquer prova de que o Studio 54 tivesse uma ligação à Máfia". Mas eles tinham muitas outras provas de irregularidades. Dushey, o seu parceiro de negócios, declarou-se culpado e cooperou com os investigadores. Schrager diz que sabe porquê: Dushey era mais velho e tinha família. Ian Schrager e Steve Rubell foram condenados a três anos e meio de prisão por evasão fiscal. Na noite anterior a terem de se entregar, fizeram uma festa gigantesca no Studio 54. Nile Rodgers, um dos dois elementos da banda Chic e produtor musical, que estava lá, lembra que foi quase tão divertido como a abertura da discoteca. "Bem, eu não me estava a divertir", admite Schrager. "Lembro-me de usar os meus sapatos de ténis novos para alargarem um pouco antes de os levar para a prisão. Mas o Steve gostou. Apreciou a festa até ao último minuto." No dia seguinte, mudaram-se para o Metropolitan Correctional Center, uma cadeia notoriamente desagradável na Baixa de Manhattan que abrigava terroristas, chefes da Máfia e barões da droga. O líder do tráfico de drogas do cartel mexicano conhecido como El Chapo é, actualmente, um dos residentes. "Havia um tipo do outro lado do corredor que tinha matado alguém com uma bola de bowling", conta Schrager no documentário. "Eu pensei logo que era uma pessoa para com a qual me devia mostrar amigável. Fiz um acordo com ele que proporcionaria à sua mulher algum dinheiro se ele nos protegesse. Fui levado pelo instinto básico de sobreviver lá dentro." Parece que conseguiu desenvencilhar-se muito bem, digo a Schrager. "Foi terrível", responde. "Perde-se a dignidade e a liberdade de escolha inerentes à condição humana." A maioria das pessoas concentra-se mais no pensamento de que podem ser espancadas. "Isso é verdade. Ou violadas. Mas o que quer que haja de humano em nós perde-se quando se está na cadeia." Chegamos, por fim, à questão que parece envergonhar Schrager mais do que tudo. Na prisão, ele e Rubell decidiram ajudar os agentes do IRS nas suas investigações a outros clubes nocturnos de Nova Iorque em troca de uma sentença mais curta. No documentário, Schrager diz que o pai não teria gostado. O seu pai queria que ele cumprisse o seu tempo "como um homem". O seu olhar manifesta alguma tristeza quando encara o entrevistador. "Era uma das coisas que eu esperava que ele não abordasse", diz-me. "Mas faz parte da história, suponho." Eu acho que a maioria de nós teria feito o mesmo, digo a Schrager. "Talvez. Eu tive problemas em lidar com essa questão." Por causa do pai? "Não só por causa dele. Talvez emocionalmente por causa dele. Eu tinha de racionalizar isso. Aqueles tipos [os outros proprietários de clubes nocturnos] eram nossos inimigos. Mesmo assim, eu não me sentia confortável com esse assunto." Mas cooperou por comida chinesa? Peter Sudlow, o agente federal que ajudou a pô-lo na cadeia, faz essa afirmação no documentário. Ele disse que os agentes do IRS levaram comida chinesa dos melhores restaurantes de Chinatown para a prisão e a colocaram sobre uma mesa numa sala de interrogatórios. Rubell e Schrager estavam sentados do lado de fora, onde podiam sentir o cheiro, diz ele. "Foi nesse momento que decidiram cooperar com as autoridades." Ian Schrager ri-se. "Não sei por que razão [o realizador] quis deixar essa parte, mas tudo bem." Schrager tinha um acordo com os documentaristas: ele podia cortar as partes de que não gostava. Mas quando a filha mais velha viu as imagens não editadas (tem duas filhas da primeira mulher, uma ex-bailarina, e um filho, Louis, da segunda, que é também uma ex-bailarina), "ela disse que todas as coisas de que eu não gostava eram as que tornariam o documentário bom". Pergunto se achou traumático ver Sudlow novamente. Se desencadeou alguma reacção. "Ele era muito agressivo", diz. "Mas, no fim de contas, estava apenas a fazer o seu trabalho."
Depois da prisão, Schrager e Rubell reinventaram-se como hoteleiros e reinventaram hotéis também, criando o hotel-boutique. Quando Rubell morreu, Schrager viu-se agarrado ao telefone a preparar uma festa no Studio 54, tentando levar toda a gente que fosse alguém a comparecer à despedida, porque era isso que o seu amigo desejaria. "O Steve e eu éramos como um casal", disse alguns anos depois. "Não sei quem era o ‘marido’ e quem era a ‘mulher’. Passávamos férias juntos e dividimos uma casa em Long Island. Trabalhávamos juntos. Ele era a última pessoa com quem eu conversava antes de dormir." No trabalho, agora, não tem sócio. "Não é tão divertido. Não é tão emocionante. Eu não tenho alguém com quem partilhar", desabafa. "Mas tem de se continuar." A sua amizade profunda e duradoura – o homem desajeitado, duro e heterossexual e o seu carismático sócio gay – é a parte mais surpreendente desta história. "Nós amávamo-nos", confessa Schrager. Parece ser uma coisa inusitada para aquele tempo. Hoje, as pessoas dirão que se deve estar muito seguro da sua masculinidade. "Bem, por caso até estou".