Ora pelas histórias dos seus proprietários, ora pela construção em si e mitos associados, ora pela imponência dos seus traços arquitetónicos. Há um mistério associado aos edifícios míticos que são abandonados, e por Portugal fora há muitos. Ricardo Raimundo, historiador e autor dos livros Vidas Surpreendentes, Mortes Insólitas da História de Portugal e Escândalos da Monarquia Portuguesa. Edifícios Abandonados em Portugal é editado pela Manuscrito.
Primeiro: como se explica o fascínio que algumas pessoas – diria, muitas – têm sobre os edifícios abandonados?
Retirando o efeito "moda" a que se assistiu nos últimos anos, devido à exposição do tema nos meios de comunicação social, particularmente com as séries Urban Explores do Discovery Channel ou Fear da MTV, ou Cities of the Underground do Canal História, e em 2006 do filme After de David L. Cunningham, e para além da proliferação de blogues, fóruns e páginas na internet, é sem dúvida o fascínio pela aventura e o gosto da descoberta que leva estas pessoas a cruzar a barreira do proibido, a ultrapassar a cerca, a sinalização proibitiva ou de alerta e a entrar num mundo desconhecido, num terreno que pertence ao passado e a registá-lo do ponto de vista fotográfico ou em vídeo.
Como se começou a interessar por eles?
Foi logo desde muito cedo, ainda criança, nas viagens de carro que fazia com a minha família. Quando via algum edifício que se destacava pela sua imponência ou pelas suas particularidades arquitetónicas e pelo estado de ruína em que se encontrava, logo a curiosidade se me aguçava. Queria saber o que era, quando e por quem tinha sido construído, a quem pertencia, porque havia chegado ao estado em que se encontrava. O mais importante sempre foi conhecer todos estes detalhes ao mais ínfimo pormenor.
Qual é o edifício mais enigmático e porquê?
Sem dúvida o Palácio do Rei do Lixo em Coina, mandado erigir por Manuel Martins Gomes Júnior, apelidado de rei do Lixo. Principalmente porque ainda hoje não se conhece o propósito que levou o seu proprietário a mandá-lo construir, e igualmente pela originalidade arquitetónica com que foi mandado erigir. Estaria projetado para ser a nova residência da família, seria a nova sede da Maçonaria. E o modelo arquitetónico adoptado nunca antes visto em Portugal, escondia alguma significação esotéria ou traduzia apenas o gosto do autor, cujo nome se continua hoje a desconhecer. A personalidade deveras interessante de Manuel Martins Gomes Júnior, um autêntico selfmade man que fez do lixo, desperdício dos outros, a sua fonte de fortuna, traduz-se neste edifício também conhecido como Torre do Inferno.
Deslocou-se a todos eles? Foi fácil descobrir as suas histórias?
Infelizmente não consegui deslocar-me a todos, sobretudo porque alguns entretanto já foram adquiridos tendo sido tomadas medidas de segurança de modo a impedir a entrada de estranhos. Falo particularmente do Palácio de D. Chica e do Palácio da Comenda. Os restantes, felizmente consegui visitá-los. A grande maioria foi fácil encontrar as suas histórias através de alguma pesquisa e investigação. Outros, continuam a deixar questões de difícil resolução, particularmente porque as fontes não abundam e as lendas e estórias que se foram construindo em seu torno, toldam as suas [verdadeiras] histórias.
Pode fazer algum teaser destas histórias? Mencionar detalhes mais sórdidos?
Retomando um dos exemplos já dados - o Palácio do Rei do Lixo. Um dos muitos episódios que se construíram em seu torno prende-se com o facto de, sempre que alguém tentou efetuar obras de reconstrução, ter existido sempre algum fogo que impediu que as obras prosseguissem. Outro é o caso do Palácio de D. Chica em Braga, uma magnífica construção iniciada por um casal português que vindo do Brasil se estabeleceu numa aldeia perto de Braga, Palmeira. As desavenças entre o casal ditaram o divórcio antes da monumental casa estar concluída. Conta-se que quando abandonou a casa, D. Chica terá lançado uma maldição sobre aquele local proferindo: "Anda castelo que nunca vais ser acabado ou habitado". Outros há que acreditam que o edifício se encontra assombrado, com D. Chica a aparecer vestida de branco no cimo da escadaria do palácio a todos aqueles que se pretendem intrometer naquele que, outrora, estava destinado a ser o seu castelo.
Como historiador, o que mais o impressionou nesta pesquisa? E, depois, como se proporcionou este livro?
Ao longo desta pesquisa o que mais me impressionou foi sem dúvida ver que em Portugal continuamos a maltratar a nossa História e aquilo que é a sua forma mais visível, ou seja o património. Apesar de muitos destes edifícios serem propriedade privada, devido à sua relevância arquitetónica, impunha-se, no meu entendimento, uma intervenção mais célere do Estado Português, contribuindo para a sua reabilitação e preservação.
Este livro partiu de um convite da minha editora de modo a conferir um enquadramento mais fundamentado e histórico sobre muito destes locais que, muitos deles, já são sobejamente conhecidos do grande público.
Diria que o nosso património em ruinas, de modo geral, classifica-se como, perante outros?
Portugal possui alguns dos locais mais interessantes do ponto de vista do património em ruínas. Basta ter presente que a 5 de fevereiro de 2021, o palácio [de D. Chica, na freguesia de Palmeira, Braga] foi considerado pelo portal Civitatis, o maior site em termos de planeamento de visitas guiadas e excursões, como um dos dez locais abandonados mais impressionantes em todo mundo, sendo o único edifício português a figurar na lista.