Conversas

Himanshu Saini, o chef que quer colocar a gastronomia indiana “ao mesmo nível da francesa, italiana ou japonesa”

Descrito pelo Guia Michelin como “um mestre da originalidade, do mistério e da precisão”, o chef Himanshu Saini é uma estrela em ascensão e foi convidado pela Jaeger-LeCoultre para criar um Precision Atelier e ajudar a tornar o tempo mais bonito. O resultado: quatro pratos de fusão entre os Alpes e os Himalaias e uma certeza: “não existe cozinha ou relojoaria sem paixão”.

Foto: DR
26 de julho de 2024 | Bruno Lobo
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O chef Himanshu Saini é um dos três únicos chefs indianos distinguidos com duas estrelas Michelin. E o facto de não existir uma terceira só pode ser explicado pelos "preconceitos associados à comida indiana", afirma, acrescentando que é sua missão: "desmontar esses estereótipos". Sente-o muitas vezes no Trèsind Studio, o restaurante galardoado no Dubai onde entram muitos clientes "com uma atitude um pouco snobe, a pensar ‘como é que um restaurante indiano tem duas estrelas?’". E o mais engraçado é assistir à mudança de comportamento à medida que os pratos vão chegando. "Tudo muda, as expressões, a linguagem corporal, é muito bom assistir". 

A sua abordagem é reconhecidamente diferente. "Pergunto a opinião a toda a gente, e, deliberadamente, não sigo nenhuma, porque quero remover a resposta mais comum da equação", diz, revelando-se igualmente surpreendido pelo convite da Jaeger-LeCoultre. "Há vários chefs muito mais conhecidos, com três estrelas Michelin, que de certeza adorariam o convite, então porquê eu?" 

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A marca suíça lançou o programa Made of Makers (qualquer coisa como feito de fazedores) procurando estreitar o diálogo entre a relojoaria e as mais diversas artes e explorar novas formas de expressão artística, novos materiais e diferentes meios. Para tal convidou uma série de pintores, escultores, músicos, designers ou cozinheiros, com quem acredita partilhar os mesmos valores. Tenham ou não, qualquer relação com relojoaria, como é o caso de Himanshu. 

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Depois de pensar no porquê do convite "só encontrei uma resposta: o nosso restaurante é um projeto movido pela paixão e, nesse sentido, não parece um negócio; é muito pessoal. E tive exatamente a mesma sensação ao falar com os relojoeiros da Jaeger-LeCoultre." 

Inicialmente o convite nem foi muito bem recebido, porque "quero manter-me longe da televisão e dos media de celebridades", mas percebeu que seria uma excelente hipótese para "promover a comida indiana e falar sobre a sua evolução. Trata-se de uma colaboração onde estou diretamente envolvido com a minha arte de cozinhar – com o que mais gosto de fazer – não estou a ser chamado apenas para usar um relógio e ser fotografado". 

Para o programa, o chef criou uma experiência de quatro pratos que fundem "os sabores do subcontinente indiano com ingredientes do Vallée de Joux, acrescentando um distinto, mas subtil sotaque suíço a cada criação". A Precision Atelier vai dar a volta ao mundo, nas principais feiras mundiais de relojoaria – Genebra, Dubai e Pequim – recriando uma versão miniatura do seu restaurante, "o meu teatro dos sonhos", como gosta de chamá-lo. 

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Como é que a alta relojoaria e a alta gastronomia se tocam? 

Não vejo paralelos nas habilidades, obviamente, mas creio que existe um paralelo no sentido em que, na minha cozinha, o mais importante é o sabor. Se o sabor estiver errado, não adianta embelezá-lo. Num relógio é semelhante, os elementos técnicos têm de ser absolutamente perfeitos antes de se dedicarem ao lado estético. São mundos diferentes, e mesmo assim tudo gira à volta da precisão, de uma grama, de um milímetro… 

Como e quando surgiu a ideia de criar um atelier de precisão? 

O convite da Jaeger-LeCoultre foi uma surpresa total! Já tinha sido abordado por outras marcas, mas nunca tinha aceitado porque quero manter-me longe da televisão e dos media de celebridades. A proposta da Jaeger-LeCoultre para criar o Precision Atelier empolgou-me porque se trata de uma colaboração onde estou diretamente envolvido com a minha arte de cozinhar – com o que mais gosto de fazer – não apenas usar um relógio e ser fotografado. Mas é verdade, isto dá-nos visibilidade global, o que está totalmente alinhado com a minha missão maior. 

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Que é? 

Promover a comida indiana e falar sobre a sua evolução. Queremos desafiar todos os estereótipos associados à comida indiana e que a vejam como igual à cozinha francesa, italiana, mexicana ou japonesa. 

O processo criativo para fazer estes pratos foi muito diferente do habitual? 

Tinha-me sido pedido para criar quatro pratos baseados nos princípios da relojoaria – a precisão da cronometria, produção, etc. – e isso foi um desafio incomum. Também era importante criar um impacto forte porque sabemos que as pessoas não passarão mais de 20 minutos no Precision Atelier. Eventualmente, percebi que devia criar uma micro-experiência do que faço no restaurante: criar grandes sabores e adicionar um pouco de teatro para atrair as pessoas a experimentar os pratos, surpreendê-las com sabores e combinações que realmente não são comuns. 

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O que desencadeia a sua criatividade? As pessoas ficam geralmente impressionadas com a beleza visual dos seus pratos e a precisão da apresentação. É uma aposta consciente, ou algo que foi evoluindo naturalmente? 

Como qualquer pessoa criativa tenho muitas fontes de inspiração – livros, viagens, a internet – mas quero fazer as coisas de maneira diferente da maioria das pessoas. Na cozinha riem-se de mim por isso, porque peço conselhos a todos e deliberadamente não os sigo. Quero remover a resposta mais comum da equação. 

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E começa por imaginar um resultado ou por um ingrediente, perguntando o que pode fazer com ele? 

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Normalmente começa com imaginar um resultado – o sabor do prato – e vou em direção a isso. As ideias surgem e mesmo quando algumas combinações não parecem certas, procuro novas formas de unir os ingredientes. Adiciono outra camada de sabor ou textura, suavizo algo, intensifico outra coisa… 

Quão importante é para si misturar o tradicional com o moderno? Seja ingredientes tradicionais e técnicas inovadoras, ou vice-versa? 

Não insisto em técnicas experimentais. É uma cozinha orientada pelo sabor, em vez de ser orientada pela técnica. A forma de combinar e equilibrar sabores fortes é que é inovadora. Acho que o mundo já viu 90 por cento do que é tecnicamente possível, mas, para mim, os sabores são infinitos. Há muito ainda para explorar nesse campo – e esses sabores intensos criam novas experiências. Dito isto, os meus pratos têm sempre um pano de fundo tradicional. 

Ter duas estrelas Michelin no Trèsind Studio é mais uma pressão ou uma motivação? 

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Duas estrelas estabelecem um nível muito alto de expectativas que temos de cumprir e, além disso, a Michelin presta muita atenção à consistência, o que aumenta a pressão. Mas sou aspiracional. Nenhum restaurante indiano conseguiu três estrelas e isso é uma motivação. Não quero contentar-me com duas. 

Gosta quando um cliente entra no restaurante sem saber muito bem o que esperar? 

Oh sim. [sorri] Com muitos clientes, dá para ver pelo comportamento que estão a pensar, de uma maneira um pouco snobe, ‘como é que um restaurante indiano tem duas estrelas?’. Mas quando estamos a dois ou três pratos do menu, toda a linguagem corporal deles muda: sentam-se de maneira diferente, prestam mais atenção, as expressões mudam. É muito comum e gosto de ver isso. Se conseguimos mudar assim a forma como as pessoas olham para a comida indiana, estamos no caminho certo. 

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Visitou a manufactura da Jaeger-LeCoultre no Vallée de Joux. O que o impressionou mais? 

A coisa mais incrível foi que não parece um negócio, vê-se que são realmente pessoas a dar o seu melhor. Muitas coisas são feitas à mão com grande precisão e sente-se essa paixão, herdeira de um legado com 200 anos. Começámos conversas que poderiam ter durado horas – eles têm tantas histórias… A pergunta que me fiz, quando a Jaeger-LeCoultre me abordou, foi ‘porquê eu’? Porque há chefs com três estrelas que são lendas, e acho que a resposta é uma filosofia comum − o nosso restaurante é um projeto movido pela paixão e, nesse sentido não parece um negócio; é muito pessoal. Tive a mesma sensação ao falar com os relojoeiros da Jaeger-LeCoultre. 

Qual era a sua relação com o mundo da relojoaria? 

É tudo novo. Sempre acreditei que o tempo não deve ser comprado. Sou um pouco supersticioso nisso e é por isso que nunca comprei um relógio. Os meus pais deram-me o meu primeiro relógio e usei-o até terminar a escola. Depois, acho que o perdi ou estragou-se, e deixei de usar relógio durante muitos, muitos anos. Quando me mudei para o Dubai, em 2014, o dono do hotel deu-me um que uso desde então.  

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Com esta colaboração deve ter visto muitos relógios da Jaeger-LeCoultre. Apesar de, segundo a sua filosofia, não os comprar, houve algum que se tenha destacado? 

O que usei para a sessão fotográfica, um Reverso Tribute Chronograph. Adorei usá-lo durante dois dias – deu-me uma confiança diferente: os meus ombros endireitaram-se de repente, senti-me como se estivesse mais alto, como um rapaz a tornar-se homem. 

Como é que um relógio o fez sentir assim? 

Por causa da complexidade, do detalhe. Por exemplo, o padrão no mostrador reverso [um guilloché Clous de Paris] tem 300 linhas e é feito completamente à mão – e se uma linha estiver errada, têm de refazer tudo. É simplesmente incrível que alguém esteja a investir tanto tempo, energia e esforço. Quando montamos um prato complexo no restaurante, pode demorar 20 minutos, mas um desses relógios pode demorar um mês inteiro! Para mim é incrível. Nunca pensei que o tempo pudesse ser tão bonito. 

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