Trabalhar na indústria automóvel nunca foi um sonho de Francesca Sangalli - licenciou-se em arquitetura com especialização em design industrial e de interiores -, mas bem sabemos que quando a vocação chama não há nada a fazer sem ser seguir em frente. Desde 2018 que a italiana lidera e coordena o Departamento de Design, Cores e Materiais da incontornável CUPRA (da Seat), conhecida pelos seus modelos sofisticados e desportivos. Antes do seu papel na marca, esteve mais de 16 anos na Mercedes-Benz, onde participou na definição da filosofia de design da marca, bem como da Smart e da AMG.
Em conversa com a MUST, damo-nos conta de que falamos com uma mente criativa em constante funcionamento. Inspira-se nas gerações mais novas e nas suas necessidades, nos pequenos detalhes do dia a dia e na beleza escondida das cidades, conta-nos.
A Francesca está na CUPRA desde o início da marca, mas já passou por outras. Como recorda o seu percurso até aqui?
Sempre fui curiosa e apaixonada pela procura da beleza e dedicada às inovações no que toca ao design. No meu percurso profissional especializei-me na orientação de projetos através de um design estratégico.
Sempre se imaginou a trabalhar na indústria automóvel?
Não, nem por isso. Estudei arquitetura no Politécnico de Milão e enquanto lá estava fui para Londres, através de Erasmus, para estudar design industrial. Gostava muito de desenhar produtos, processos e materiais, mas não estava focada nos meios de transporte nessa altura. Na verdade, foi graças à minha primeira chefe na Mercedes-Benz que entrei no mundo automóvel. Ela contratou-me para o estúdio de design avançado para me dar uma visão alternativa sobre o setor.
Como é que contribuiu na criação da identidade da CUPRA?
Quando entrei para a CUPRA há quatro anos e meio, a marca tinha acabado de ser criada. Comecei imediatamente a construir a estratégia de materiais da CUPRA com base nalguns pilares principais que, finalmente, se tornaram hoje alguns dos highlights do design da marca, como a utilização de gráficos paramétricos 3D para destacar algumas partes do carro em vez de as esconder debaixo de outro material. A nossa abordagem procura dignificar o uso (necessário) do plástico, e transformá-lo num material bonito e sustentável, dado que pode ser utilizado em versões recicladas.
Que critérios utiliza para o design interior dos automóveis? Como se realiza o processo de escolha de todos os materiais e cores? Porque o design do automóvel vai influenciar o modo como as pessoas o definem, se é um carro mais urbano, de família ou desportivo.
Quanto às cores na CUPRA, estamos a adotar uma abordagem bastante radical, ao não fornecer aos clientes todas as variantes cromáticas, como as marcas mainstream fazem. Todas as cores da CUPRA são neutras com um twist. E estão mais concentradas no tratamento do que na saturação da cor. Acabamentos em matte, efeito pó ou em contrastes com tonalidades oleosas, brilhantes ou iridescentes. É o efeito que dá o carácter!
Tem em conta o lado feminino no que toca ao design dos carros?
Estamos a desenhar com as novas gerações em mente. E as novas gerações são neutras do ponto de vista do género. Estamos a desenhar para mulheres e homens que partilham o mesmo amor pelo automóvel.
Um moodboard é o ponto de partida para qualquer projeto, tem várias funções. Onde se inspira? Como é que de um conceito imaginário se passa para um moodboard recheado de ideias e daí para o protótipo físico?
O moodboard é o início do nosso trabalho. É a tela onde depositamos as nossas inspirações e ideias. As inspirações vêm de tudo, realmente, quando se é curioso e explorador. E vivemos em Barcelona, que é um lugar altamente inspirador por si só. É o moodboard que contém todos os ingredientes para a criação de um conceito, que uma vez desenvolvido pode ser transformado num produto.
Esta é uma indústria maioritariamente masculina. O facto de ser mulher foi um contratempo?
Não diria que foi. Há uma grande evolução relativamente há uns anos, em que havia clusters dominados pelo género [masculino]. E como a mulher tem geralmente uma mentalidade e uma abordagem diferente da do homem, isso pode ser usado para obter resultados diferentes, o que para uma marca como a CUPRA é muito importante.
Quais foram os maiores desafios que teve até agora e como os ultrapassou?
Cada dia é um desafio quando se tenta colocar algo inovador em produção, e isto não acontece apenas comigo, mas com todas as equipas envolvidas no processo de desenvolvimento. O automóvel é o produto mais complexo de se conceber. É necessário um enorme esforço de equipa para se alcançar o objetivo.