Os melómanos atentos conhecer-lhe-ão a carreira de cor, mas mesmo os ouvidos assim mais distraídos já se terão cruzado nalgum momento com a música de Rodrigo Amarante, quanto mais não seja por ter sido o autor de Tuyo, o tema do genérico da série Narcos. Se a isto acrescentarmos o lendário grupo carioca Los Hermanos, o supergrupo de samba Orquestra Imperial ou a banda indie Little Joy (em parceria com o baterista dos The Strokes Fabrizio Moretti), mais as canções que tem escrito para gente tão variada como Gal Costa, Norah Jones e Gilberto Gil, percebe-se que o mais difícil é mesmo nunca o ter ouvido. A solo, porém, o músico carioca, de 45 anos, conta apenas com dois álbuns em nome próprio, o aclamado Cavalo, já de 2013, e o novo (e não menos celebrado), Drama, que é finalmente desvendado hoje, depois de alguns singles lançados estrategicamente a conta-gotas, para aguçar o apetite de um trabalho surpreendente, pelo modo como o autor se reconstrói enquanto artista, através de um conjunto de canções pessoais, mas que ao mesmo tempo soam tão familiares para quem as ouve.
A uma primeira audição este parece um álbum marcado por algum desânimo com o mundo, com uma certa desesperança, concorda?
Talvez, isso depende sempre de quem ouve e de como se ouvem as canções, poderá haver alguns sinais nesse sentido, mas não é um álbum desanimado, ele apenas reflete os sentimentos que me habitam em determinado momento. Ou seja, reflete o mundo no qual vivo.
E esse mundo, nestes últimos tempos, também não está assim tão animador...
Houve muita coisa que mudou nestes últimos anos e uma delas tem a ver com a velocidade a que a informação circula, a um ponto de já nem interessar se a mesma é verdadeira ou não. É um paradigma muito interessante, que nos devia colocar a refletir sobre como a liberdade de informação se tornou, ela própria, numa espécie de ditadura, a vários níveis. Mas enfim, eu apenas faço música, não sou político, por isso não tenho a solução para isso. Quero agir, mas não sei como.
Talvez o faça escrevendo canções?
Não, eu apenas escrevo canções, que muitas vezes até podem revelar um certo desespero pelo mundo à minha volta, mas seria mesquinho pensar nelas como uma verdade absoluta, deixada a quem as vá ouvir. Até porque somos pessoas, somos filhos, pais ou irmãos e todos fomos crianças, logo estamos todos de igual para igual neste caminho. Não podemos ter a arrogância de nos colocarmos como santos, a dizer como os outros se devem comportar. Mas podemos e devemos refletir sobre isso.
E chegou a alguma conclusão?
Criou-se uma veneração do mérito e da competição que acabou por nos conduzir ao medo do próximo e isso acabou por nos virar uns contra os outros. A liberdade não pode servir para nos separar, mas sim como reconhecimento da nossa interdependência. Liberdade é pertencer. Os "ismos" todos são fruto desse medo, que é outro efeito da tal desinformação. Não é por acaso que fenómenos como Trump, Bolsonaro ou o Brexit tenham surgido agora, numa altura em que também existe uma enorme frustração com a democracia e em que a economia se assume cada vez mais como um poder invisível, contra o qual parece não haver qualquer mecanismo de controlo.
É por isso que menciona palavra fé nalgumas das canções do disco?