Carol Schrappe, campeã brasileira de free diving, e discípula de Kirk Krack (por curiosidade, o braço direito de James Cameron para o treino dos atores de Hollywood quando as cenas envolvem água), estará em Portugal para o evento Diving Talks, um congresso internacional de mergulho, que acontece entre os dias 6 e 8 de outubro. A mergulhadora, que é também fisioterapeuta, mãe, e de Curitiba, bateu o recorde mundial sul-americano de mergulho em apneia no Egipto, em junho passado, após ficar 2 minutos e 22 segundos submersa, na categoria Lastro Variável 95m.
Comecemos pela ocasião que a traz a Portugal. Quão entusiasmada está com a Diving Talks?
Estou muito entusiasmada, porque ano passado eu segui o Diving Talks e assisti a algumas das palestras muito interessantes e com nomes muito expressivos no mergulho. Então fiquei muito lisonjeada por ter sido convidada para palestrar e falar um pouco sobre o mergulho livre, que está a crescer muito hoje em dia e sendo que temos poucos representantes internacionais, há poucas pessoas que falam em feiras sobre mergulho livre, sobre free diving. Eu estou muito honrada por poder ajudar a disseminar, a publicar e a fazer crescer justamente este mercado do mergulho livre.
Que experiências já teve em Portugal?
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Desde sempre que se sentiu atraída pelo mar, sentia-se como um peixe na água em pequena?
Isso é muito engraçado, porque eu tinha medo do mar quando era pequena. Eu tinha medo de animais, tinha uma imaginação muito fértil e pensava sempre em monstros gigantescos que me iam apanhar. Eu morava no sul do Brasil e aí a água é mais escura, então eu tinha receio de ir fundo - e olha o que eu faço hoje. Vou fundo. Eu tinha um pouco de medo na infância e na adolescência, apesar de o meu pai sempre ter tido barcos, veleiros, e de os meus irmãos serem destemidos e irem para a água. Foi já na vida adulta que eu descobri o mergulho em si e o mergulho livre e aí, claro, perdi todo o medo ao ver tudo o que há lá em baixo e entender como a vida marinha funciona. Hoje em dia o que eu mais faço é ir ao fundo, literalmente.
Em que momento começou a testar tempos de apneia, quando estava no mar? Algo espontâneo ou há uma história?
Na verdade existe uma história, não foi uma coisa que foi acontecendo devagarinho. Mais tarde, uma pessoa lembra-se daquilo que fazia quando era criança, e eu brincava muito com o meu pai e com os meus irmãos de ficar a segurar a respiração debaixo da escada na piscina para ver quanto tempo aguentávamos ou quem atravessava mais longe. Eu lembro-me de bem pequena ir nas costas do meu pai e meu pai atravessar a piscina em apneia. Então, claro que começou muito cedo, mas o que me fez começar a mergulhar mais fundo e a dedicar-me ao mergulho livre foi durante um curso de Dive Master e Instrutor de Mergulho Scuba, porque eu sou instrutora também.
Que exercícios se faziam nessa altura?
Naquela época, há 23 anos, eram exercícios mais militares, era uma coisa um pouco mais bruta e nós faziamos alguns exercícios em apneia, num dos exercícios tínhamos que tirar a âncora, a garateia que é uma pequena âncora para segurar os barcos, do fundo a 5 metros de profundidade e numa dessas descidas eu fiquei quase três minutos para tirar essa âncora lá de baixo. O meu instrutor já estava quase apavorado à superfície a dizer: "Meu Deus, será que ela apagou?", porque a água não é muito clara, então não dava para ver. No fim eu voltei toda feliz, porque eu era uma das poucas mulheres fazendo mergulho scuba naquela época e já dois rapazes tinham tentado tirar e não conseguiram. Eu pensei "eu tenho que conseguir, eu vou ter que tirar essa âncora lá de baixo de qualquer jeito". E eu tenho essa linha de pensamento e essa maneira de me propor a alguma coisa e não desistir no meio do caminho. Então eu tirei essa garateia, fiquei super feliz, cheguei à superfície super feliz, levei uma bronca do meu instrutor porque eu demorei muito e ele ficou preocupado, mas na verdade eu nem senti vontade de respirar, eu nem me lembrei que eu tinha que respirar de tão concentrada que eu estava a tentar tirar aquela garateia do fundo.
Quem era ele, o seu instrutor?
O que é que a apaixona no free diving?
O free diving é a minha vida, eu digo que eu vivo para o mar e vivo do mar, porque eu sou fisioterapeuta de formação, trabalhei muito em ambiente hospitalar, em respiração mecânica, na parte de Cuidados Intensivos e eu encontrei-me muito no mar. Eu sinto muita paz, muita tranquilidade ao mergulhar. Ontem, na ilha onde eu estou, houve uma tempestade, nós estávamos no mar e estava bem agitado, havia bastante corrente e nós ficamos tensos com os alunos numa situação como essa. Eu sei que desci um pouco e já me sentia super bem, já me sentia em casa, já me sentia em paz, via que estava tudo calmo. Só na hora em que subimos é que vemos que o mundo está agitado.
Ir ao fundo do mar traz essa paz?
Como descreve a sensação de mergulhar tão fundo? Sente medo?
Eu nunca senti medo. Eu respeito muito o mar, eu sei que ele é muito mais forte do que eu. Eu não mando nada ali, não comando muitas coisas no mar, o clima, as marés, por isso eu tenho sempre um plano. Eu brinco que eu tenho um plano B, um plano C, um plano D, então normalmente nós temos vários planos contingentes, justamente para me deixar tranquila. Medo eu nunca tive, apesar de eu já ter sofrido alguns incidentes no mergulho, eu nunca tive medo de morrer ou medo de sofrer um acidente grave. Na hora eu penso sempre na melhor saída e na melhor solução e tento ficar o mais em paz possível.
Que episódios já viveu, mais perigosos, que possa contar? E outros mais caricatos?
Já fiquei enroscada entre os 60 e 35 metros de profundidade por causa de um cabo auxiliar. Mas mesmo nesse episódio, não senti medo algum, só me preocupei em tentar chegar o mais raso possível para que os seguranças pudessem me alcançar. Alguns momentos muito bons, e quase todos, foram tentando recordes fundos. Esquecer o lastro (material usado para aumentar o peso), ou até mesmo ter vontade de ir ao banheiro logo antes do mergulho.
O que é que já viu de extraordinário no "fundo" do mar?
Tubarões de todas as espécies, móbulas gigantes, nadei algumas vezes com golfinhos, vi até alguns mamando… lindo demais.
Dedica uma parte da sua vida à conservação dos oceanos. De que maneira?
Faço minha parte pelo mar, tudo o que está ao meu alcance. Além de dar o exemplo, gosto muito de influenciar as pessoas que me seguem e se inspiram na minha trajetória.
Que projetos estão on going?
Aqui no Brasil o EUCEANO.org e alguns projetos menores de limpezas e consciencialização em comunidades menos favorecidas.
Para quem se quer iniciar nesta modalidade, qual é o seu conselho?
O meu conselho, sempre, é procurar um bom instrutor (faz a diferença) e, claro, entender que o mergulho livre ou free dive é uma ferramenta maravilhosa par o autoconhecimento e auto controle. Por isso serve para tudo na vida. Vou falar disso na minha palestra no Diving Talks.
Em que pensa quando está em apneia?
Penso na paz que o Oceano me proporciona e no meu organismo fantástico que me permite vivenciar tudo isso.
As mulheres são melhores mergulhadoras?
As mulheres têm um poder de concentração muito bom, muitas vezes melhor que os homens.
A nossa fisionomia dá-nos vantagem, além da prática?
Fisiologicamente, não nos dá muitas vantagem, mas psicologicamente… muitas.
Alguma vez sentiu que a discriminavam pelo sexo, na sua profissão?
Sim, já senti muito, mas graças a toda a exposição e luta por espaços merecidos, hoje sou muito respeitada dentro do mundo do mergulho.
Por fim, qual é a sensação de bater um recorde?
É a sensação da vitória, de um desafio alcançado. No meu caso é sempre um desafio pessoal. Falarei disso também no Diving Talks, que esse ano terá muitas mulheres falando sobre mergulho.