Vamos imaginar que você é uma celebridade. Mas não é uma celebridade de renome – não é o Dwayne Johnson nem a Beyoncé, nem nada que se assemelhe. E, além disso, se for completamente honesto consigo mesmo, os seus anos de apogeu já passaram. Talvez seja um cantor, mas já não tem novos êxitos. Talvez tenha aparecido numa série que já não é transmitida. Talvez se tenha tornado uma celebridade viral, há alguns anos, por fazer algo com piada na internet. Mas, bem… isso era antes. E agora – neste preciso momento – não tem um trabalho concreto em mãos. O seu agente deixou de lhe responder aos telefonemas e você divaga sobre o inconsciente coletivo da cultura popular, como um fantasma com excelente tratamento dentário, à espera de ser esquecido.
Mas, um dia, o seu telefone toca. E do outro lado da linha está um homem de 34 anos muito entusiasmado, oriundo de Brighton, chamado Martin Blencowe, que lhe diz que as coisas não são tão sombrias como parecem. Blencowe é o cofundador de uma app chamada Cameo. Falando com uma suave fluência centro-atlântica, ele vende-lhe a sua premissa de base. A Cameo, explica, é um lugar onde qualquer pessoa pode dirigir-se para escolher por entre uma lista de pessoas famosas (na verdade, bastante conhecidas mas não celebridades de renome) que, por uma determinada quantia, gravam mensagens de vídeo personalizadas.
Assim, se alguém quiser, por exemplo, que John Aldridge, ex-avançado do Liverpool, grave uma mensagem de parabéns ao seu pai, isso está à distância do clique num botão. Ou mesmo se quiser que o comediante Paul Chuckle, dos Chuckle Brothers, grave um discurso motivacional a um membro da sua família. Ou que uma das muitas vedetas da série Real Housewives (donas de casa reais) se solidarize com a sua mãe por causa de um problema de saúde que não passou de um susto. Ou, se quiser ir um pouco mais longe, pode pagar a Lindsay Lohan para desejar ao seu marido um aniversário muito feliz. Cada celebridade determina o custo das suas mensagens (Chuckle cobra 37,50 libras; já Lohan estabelece o preço em 381,80 libras) e a única coisa que Blencowe pede em troca é 25% do valor recebido.
Talvez se sinta tentado? Mas existe assim tanta procura por pequenas mensagens de vídeo personalizadas gravadas por celebridades menos famosas? Acontece que a resposta é ‘sim’. Desde o lançamento desta aplicação, em 2017, foi realizado o pagamento de mais de um milhão deste tipo de mensagens. Um rápido estudo de caso: há 10 anos, o ator e comediante britânico James Buckley conquistou grande popularidade pelo seu papel do adolescente tagarela Jay na série The Inbetweeners. Atualmente presente na Cameo, Buckley cobra 41,50 libras por mensagens de vídeo personalizadas que grava com a arrogante personagem de Jay. Os utilizadores da Cameo já lhe deixaram mais de 1.500 avaliações (incrivelmente positivas). Vejamos: 41,50 libras x 1.500 = 62.250 libras, o que não é nada mau para algo que ele pode fazer no conforto da sua própria casa e que provavelmente nem sequer reflete o verdadeiro total, atendendo a que os utilizadores não são obrigados a deixar uma avaliação.
Buckley é uma das cerca de 30.000 celebridades de maior ou menor envergadura que se registaram na app. Em 2019, a Cameo estava avaliada em 300 milhões de dólares, se bem que o seu valor real só pode ter aumentado num mundo onde os confinamentos decorrentes da Covid-19 significam que um crescente número de atores e intérpretes se vê forçado a procurar formas alternativas de transformar em dinheiro qualquer tipo de fama que possam ter.
"Os concertos foram cancelados, as produções também, por isso eles estão a recorrer à app para poderem pagar os seus créditos à habitação e as propinas escolares", diz Blencowe, que fala rapidamente. "Não quero estar a dizer nomes nem a falar das finanças de quem quer que seja, mas há alguns indivíduos na Cameo a tentarem fazer milhões este ano".
Blencowe é alto, tem o cabelo penteado para trás e o seu bronzeado intenso é ofuscado por uma camisola branca com capuz. Ele é, de muitas formas, o oposto do empreendedor padrão da área tecnológica de Silicon Valley. Em vez de ser um homem hiperfocado e emocionalmente distante, há algo de romântico nele, uma seriedade apelativa. Vive em Bel Air com a sua mulher Lucinda ("o meu amor da escola secundária") e as suas pequenas filhas gémeas, mas está atualmente pelo Reino Unido em negócios. Quando era miúdo, explica, era "um grande sonhador" e desde cedo desenvolveu uma obsessão pela América e pela cultura norte-americana das celebridades. "O meu ídolo era Arnold Schwarzenegger. Ele era o tipo que foi para a América e fez com que tudo acontecesse. Por isso, desde os meus 10 anos de idade que eu também queria ir para lá".
Os seus pais brincavam com o seu elevado sentido de destino. "O meu pai é de Nuneaton [Inglaterra] e a minha mãe é do Irão. Ela veio durante a revolução", conta Blencowe. "Ambos se deram bem nos negócios, mas têm as suas raízes na classe operária". Após terminar os estudos no Reino Unido, Blencowe seguiu para a Universidade do Sul da Califórnia para estudar Ciências Políticas. Sendo um brilhante corredor de 100 metros, com alguns recordes pessoais no condado britânico de Sussex, ele sonhava poder ir aos Jogos Olímpicos. "Então decidi que iria para a América para tentar competir com os melhores".
No entanto, a década seguinte foi passada por entre um ciclo de esperanças criadas e sonhos frustrados. Algumas lesões, explica, destruíram as suas ambições olímpicas. Por isso, focou as atenções no futebol americano e o seu objetivo era conseguir integrar a equipa de elite da sua faculdade e fazer (um improvável) nome naquele desporto. "Disse para mim mesmo: ‘quero ser o tipo britânico que faz isto’, percebem?". Treinou, treinou e treinou para ganhar massa muscular e conseguir a dimensão necessária. "Fui para o Gold’s Gym, em Venice Beach, e cheguei aos 107 quilos". Por fim, foi-lhe dada a oportunidade de mostrar o que podia fazer num treino. "Mas o problema era que eu não sabia jogar futebol. Não compreendia as regras. Não percebia o que quer que fosse", diz, com ar de reprovação. "Por isso, foi um momento verdadeiramente embaraçoso".
Assim, quando terminou o curso, tentou virar-se para a produção cinematográfica. A trabalhar como produtor executivo, ajudou a garantir financiamento para uma série de produções de ação de baixo a médio orçamento. Até marcou presenças nalgumas dessas produções. "Normalmente, era o tipo que leva um tiro", diz. Em Precious Cargo, é creditado como o "segundo mercenário". Em Acts of Violence, é referenciado como o "primeiro guarda armado". Eram papéis desse género. "Levava com todo o tipo de coisas na cabeça. Houve um filme em que Kellan Lutz – da série Twilight, sabem? – me deu com uma garrafa na cabeça. Foi incrível".
Mas, uma vez mais, por mais incrível que fosse, a sua carreira em Hollywood acabou por ser uma desilusão. "Simplesmente não era um fluxo de receitas viável", aponta. "Os números começaram a cair". Por isso, ainda sem estar disposto a abrir mão do seu sonho americano, Blencowe voltou a reinventar-se, desta vez como agente desportivo. Conseguiu que um dos seus clientes, um jogador da NFL [Liga de Futebol Americano profissional] chamado Cassius Marsh, desempenhasse um papel secundário num filme de ação. "Tínhamos de disparar metralhadoras em conjunto", conta, animadamente. Contudo, sendo ele um britânico recém-chegado ao mundo do desporto americano, deu por si, uma vez mais, a lutar para sobreviver. "Não estava a fazer dinheiro enquanto agente desportivo", admite. Em 2017 as suas finanças estavam muito mal. "Não sei quantos mais anos teria conseguido ficar nos EUA. Talvez dois anos. Talvez 18 meses".
E foi então que, um dia, tudo mudou. Blencowe tinha ido a Chicago visitar um amigo, Steven Galanis, que também tinha tentado – e fracassado – vingar como produtor cinematográfico. A determinada altura, Blencowe mostrou a Galanis um curto vídeo que o seu cliente Marsh tinha gravado para um amigo seu, dando-lhe os parabéns pelo nascimento do filho. "E no preciso segundo em que vi aquilo, tive a absoluta convicção de que haveria uma procura insaciável por este tipo de produto do lado do consumidor", diz Galanis, um barbudo com 32 anos. Havia algo de emocionante na intimidade e imediatismo de uma pessoa famosa a dirigir-se a nós. "Foi como se de repente fosse óbvio para mim que as pessoas quereriam uma coisa destas. O que era menos óbvio era se conseguiríamos criar um produto em que a experiência fosse repetível e não apenas pontual".
Assim nasceu a ideia de criar algo como a Cameo. Galanis levou para o projeto um ex-programador da Microsoft que se tinha tornado um comediante online, Devon Townsend, para ser o terceiro cofundador – e os três lançaram-se a tentar convencer qualquer pessoa que tivesse algo semelhante a um clube de fãs para se registar. "Estávamos a construir um mercado a partir do zero", diz Galanis. "E é aqui que surge a pergunta de quem nasceu primeiro, se a galinha ou o ovo. Nós explicávamos aos talentos: ‘olá, estamos a criar um mercado para interagires com os teus fãs, mas ainda não temos fãs’. E depois tentávamos conseguir fãs que fossem para um sítio onde ainda não havia talentos. Aceitávamos quem quer que dissesse que sim".
Blencowe recorda-se o quão reticentes ficaram perante a ideia, inicialmente, até as celebridades relativamente desconhecidas, e de terem de trabalhar afincadamente para as convencer a registarem-se. "Os talentos ficam bastante nervosos perante a perspetiva de fazerem algo totalmente novo", diz. Ele também ficou perplexo ao descobrir até que ponto as pessoas famosas – ou mesmo as pessoas semi-famosas – se conhecem umas às outras. Mas acabou por fazer com que isso funcionasse a seu favor. Porque quando se consegue que uma única celebridade com bons contactos veja o potencial de rendimentos do projeto, então o passa-palavra significa um rápido efeito dominó. Ele calcula que, até à data, tenha persuadido pessoalmente mais de 4.000 celebridades a registarem-se na Cameo. "O talento é o guardião de mais talento. Antes de dar por isso, estava a trocar mensagens com as pessoas o mais aleatórias possível. Um músico trazia um ator; um ator trazia um lutador profissional. Havia um efeito multiplicador".
Galanis diz que aquilo que o sucesso da Cameo revela é a forma como evoluiu a "economia da fama". "A quantidade de fama em todo o mundo está a aumentar, não é? Atualmente, há mais pessoas famosas no planeta do que alguma vez houve. Cada novo programa no Netflix criar uma nova estrela; as celebridades do YouTube estão a surgir de todos os lados; os rappers estão a surgir na SoundCloud. A quantidade de talento no mundo está a crescer exponencialmente", afirma, usando uma das suas mãos para desenhar uma curva no ar. "Mas a quantidade de dinheiro no negócio do entretenimento que está disponível para essas pessoas não está a crescer exponencialmente. Está a crescer linearmente", prossegue, usando a sua outra mão para esboçar uma linha a direito. "E o fosso entre a fama e capacidade de monetizar a fama está a ficar cada vez maior. E penso que isso é super interessante".
E aquilo que também precisamos de compreender é que, graças às redes sociais, a natureza dos clubes de fãs mudou. Galanis diz que a ideia de "outrora famoso" já não é bem a mesma coisa, porque um "sucesso único" em 2020 continuará a ter vários milhões de seguidores de uma forma que jamais aconteceria em 1999. O resultado é que estas pessoas continuam nos nossos corações e mentes durante muito mais tempo. De certa forma, considera Galanis, a semi-vida da fama aumentou. Assim, embora a vasta maioria das celebridades que você vê quando passa pela Cameo possa nada significar para si, a questão é que elas significaram alguma coisa para um número suficiente de pessoas. "É sempre embaraçoso quando as pessoas dizem que a Cameo é para celebridades de segunda categoria", diz Galanis. "Porque aquele que é uma celebridade de segunda categoria para um é uma celebridade de primeira categoria para outro".
Por outras palavras, hoje em dia é tão importante para uma celebridade ter alguma notoriedade – ou seja, ter uma "micro base de fãs" relativamente pequena mas leal, disposta a pagar 40 libras por cada mensagem de vídeo – como ter ampla notoriedade, por meio da qual se seja reconhecível por milhões de pessoas de grande ambivalência. "Por definição, em princípio você não conhecerá a maioria das celebridades que estão na Cameo", refere Galanis. "Mas o certo é que se ninguém quisesse saber deles, eles não estariam ali".
Apesar das avaliações no valor de muitos milhões de dólares e das grandes fatias de financiamento de capital de risco que receberam – incluindo 50 milhões de dólares no verão passado –, Blencowe e Galanis insistem que a Cameo está ainda longe do seu pleno potencial. Eles estimam que, em todo o mundo, haja provavelmente cinco milhões de pessoas que se qualificam como suficientemente famosas para estarem na app, pelo que o objetivo deles é convencer o máximo número possível dessas pessoas a registarem-se. Eles aceitam que irá sempre haver celebridades que não irão querer estar envolvidas, como Sir Paul McCartney, Dwayne Johnson ou Cristiano Ronaldo. "A nossa proposta de valor é que lhe estamos a pagar para o tornar mais famoso. Por isso, se não quiser mais dinheiro nem mais fama, então a Cameo não se adequa a si", afirma Galanis com um encolher de ombros. A ironia, acrescenta ele, é que as super-celebridades monolíticas do passado com que Blencowe era obcecado – "elas eram tudo para ele e, em certa medida, ainda são" – já não dominam o cenário da cultura pop da mesma forma que antigamente. Não enquanto as pessoas fizerem fila para pagarem uma boa quantia ao indivíduo que fez o papel de Jay na série The Inbetweeners para ele enviar mensagens mal educadas aos seus amigos, ou enquanto alguém pagar a Paul Chuckle para dizer ao seu cunhado que mantenha a cabeça erguida depois de sofrer uma lesão no futebol.
Blencowe diz que ainda lhe é difícil perceber como é que tudo funcionou tão bem. Tinha todos aqueles sonhos sobre a América, teve todos aqueles fracassos, mas agora, graças ao poder dos clubes de fãs, ele finalmente conseguiu. "Quando saio do avião e sigo para minha casa, tenho de me beliscar", afirma, com a voz um pouco abafada. "Um miúdo de Brighton a viver em Bel Air? É fantástico", remata, com os seus dentes brancos a brilharem. "É mesmo fantástico".
Créditos: Ben Machell/The Times/Atlântico Press
Tradução: Carla Pedro