Conversas

A. Lange & Söhne: “Decidimos há muito que os nossos relógios não têm género”

No ano em que Walter Lange faria 100 anos, estivemos à conversa com Wilhelm Schmid, o atual CEO, para perceber como a alemã A. Lange & Söhne conquistou o seu lugar ao sol no topo da relojoaria mundial.

Foto: DR
12 de julho de 2024 | Bruno Lobo
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São relógios como o Datograph Perpetual Tourbillon Honeygold "Lumen" que contribuem para o estatuto que a A. Lange & Söhne goza junto da maioria dos colecionadores. Apresentado durante a última edição da Watches and Wonders em Genebra, em abril passado, é um modelo ultrassofisticado, com uma combinação improvável de cronógrafo flyback, calendário perpétuo e turbilhão com a função stop-seconds. "Servido" numa caixa em Honeygold, uma liga que se tornou icónica e – como se já não fosse tudo muito −, um mostrador inteiramente "banhado" a lumen, para que o possamos admirar até no escuro. E isso, como vamos descobrir em conversa com o CEO da marca, não foi tarefa fácil… Lançado para assinalar os 25 anos dos Datograph, é um relógio no qual muito poucos vão poder "meter o pulso", desde logo porque se trata de uma edição limitada a 50 unidades, mas também porque custa mais de meio milhão de euros.

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Tudo começou graças ao sonho de um homem, Walter Lange, que queria recuperar, em Glashütte, o que a sua família tinha começado em 1845, e as guerras tinham destruído. A cidade ficou do outro lado da cortina de ferro, pelo que só o conseguiu em 1990, após a reunificação. Tinha 66 anos e teve de começar do zero, mas o que alcançou em pouco tempo merece a nossa admiração.  

A marca produz atualmente poucos milhares de relógios por ano, predominantemente em ouro ou platina, e todos com calibres próprios. Desde 1990 apresentaram 72 novos calibres, a maioria deles entre os mais complicados da indústria. O grau de exigência é tal que nenhum Lange sai da manufatura sem ter sidos montado duas vezes, por relojoeiros diferentes.

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Se fosse vivo, faria 100 anos a 29 de julho, e Wilhelm Schmid, o atual CEO, tem a certeza de que estaria muito orgulhoso de tudo o que conseguiram até porque, diz, o fundador continua a ser o "coração pulsante" da manufatura. 

Wilhelm tomou posse em 2011 (Walter Lange faleceu em 2017), pelo que é atualmente um dos CEO mais antigos nas marcas de relojoaria. Tivemos uma breve conversa com ele na última edição do Watches and Wonders, em Genebra, sobre os novos modelos, evidentemente, mas também sobre as possibilidades de crescimento de uma empresa que está na sua máxima capacidade de produção, e dificilmente pode aumentar, mas antes, ainda, começámos com uma pergunta fundamental para quem gosta de relógios e não tem, infelizmente, um plafond ilimitado. 

(A resposta não foi a pretendida, obviamente, mas foi precedida de uma gargalhada tão genuína que era impossível levar a mal…).

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Quando é que podemos ter um Lange acessível? 

Acho que são acessíveis. Aliás, se olhar para a nossa oferta, comparada com a procura, torna-se muito evidente. Se baixássemos os preços teríamos de baixar a qualidade, e acho que ninguém quer um Lange de baixa qualidade. Por isso, sim, são "affordable", o que é diferente de baratos. Mas diria que é tanto do interesse dos nossos clientes, como do nosso, manter essa exigência, porque assim um Lange nunca perde valor. 

Já o disse várias vezes e repetiu aqui, que a Lange está no limite da capacidade de produção. Nesse caso, o que podem fazer para crescer? Decorar o relógio a luminescência parece ser uma boa ideia, porque é um relógio original − para a Lange e para o mercado −, e não será muito exigente em termos de produção… 

Mas é exigente. Há uma razão para ninguém mais o fazer, porque só o mostrador, em cristal, exige uma nova área dentro da fábrica e níveis de precisão nos cortes e de esterilização como nunca tinha sido necessário em relojoaria. Além disso, redesenhámos as fases da lua e alterámos completamente a reserva de marcha, não nos limitámos a dar um banho de lumen. É um relógio diferente por ter a luminescência, e é por ser tão complexo que está limitado a 50 unidades.

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A estratégia de crescimento passa por aí? Edições limitadas a um preço mais elevado? 

Definitivamente não queremos crescer em volume. O mais importante é preservar a nossa forma de fazer relojoaria. Podemos alterar tudo o resto, menos isso. Focamo-nos muito nos nossos cursos de aprendizagem, não só para relojoeiros, mas para os gravadores, os finisseurs, e outros métiers d’art. É um crescimento muito limitado e, evidentemente, leva tempo. 

É esse o caminho, relógios cada vez mais complicados? 

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Exatamente. E é importante para as pessoas que trabalham connosco também, porque se é verdade que alguns relojoeiros estão perfeitamente satisfeitos a trabalhar nos mesmos movimentos, a maioria – os melhores, na realidade – gosta de ser constantemente desafiada. Por isso temos de criar uma linha onde possam progredir. 

Como funciona a vossa escola? 

A escola é fundamental para atrairmos mão de obra qualificada, que é, seguramente, a "mercadoria" mais rara atualmente. A escola é nossa e os instrutores são nossos, mas é reconhecida pelo Estado, por isso os alunos tornam-se relojoeiros certificados. Durante três anos o curso é essencialmente académico, e é então que fazem o exame oficial. Depois, temos mais dois anos de estágio antes de serem efetivamente admitidos na Lange. No último curso começámos com 57 pessoas, mas no final dos três anos só passaram 17. Por um lado é bom, porque não tínhamos capacidade para acolher 57 estagiários, mas explica a lentidão do processo, até porque dos 17 que passaram muitos decidiram continuar a estudar e foram para a universidade, por isso o número final é ainda mais reduzido. 

Em termos de coleções, podemos ver algum foco em específico, em detrimento de outras? 

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Não. Todos os anos temos algum lançamento dentro da coleção Lange 1, que é a nossa linha mais core, mas depois vamos alternadamente apostando nas outras. O ano passado foi a Odysseus, este ano a Saxonia, com os Datograph… Temos seis famílias e uma capacidade limitada, por isso não podemos visitar todas em cada ano. Mas nenhuma está adormecida.

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E em relação aos relógios femininos? Há muitas marcas a apostar cada vez mais em modelos femininos. 

Decidimos, há muito, que os nossos relógios não têm género. Alguns são maiores, porque precisam de mais espaço para albergar todos os componentes, e outros conseguimos fazer mais pequenos ou finos, mas quem somos nós para dizer ‘por seres homem ou mulher deves usar este ou aquele relógio’? Fazemos "Langes", só isso. 

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Acha que a empresa atualmente está onde Walter Lange gostaria que estivesse quando a (re)criou em 1990? 

Acho que estaria muito orgulhoso. Nunca foi pessoa de descansar sobre os louros, e estava sempre à procura de novos desafios e formas de evoluir, mas acho que se estiver lá em cima, a olhar para nós, vai estar satisfeito. 

Falemos, então, dos novos modelos… 

É um ano de aniversário. Temos os 25 anos do Datograph, e quisemos lançar um modelo com uma combinação de cores muito especial, que nunca tínhamos feito, com o mostrador azul numa caixa em ouro branco. Era algo que os clientes pediam faz tempo e agora fizemos. Depois, temos o Datograph Lumen… há uma sala ali fora (ndr.; a entrevista foi feita no pavilhão da Lange, na Watches and Wonders, em abril passado) onde podemos ver uma zona de cronógrafos, com vários modelos expostos. Outra leva-nos para o turbilhão, e para os modelos com essa complicação. Outra mostra Calendários Perpétuos, e noutra vemos os nossos modelos em Honeygold, um material que se tornou uma espécie de assinatura da Lange. O que este relógio faz é pegar em tudo isso e juntar num mesmo modelo. E ainda lhe acrescentámos o lumen. É genial.

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Porquê escolher? 

Exatamente. One Watch to Rule Them All. 

(E assim terminámos a entrevista. Com mais uma gargalhada, tal como começámos, o que é sempre um bom sinal. Apesar da desilusão de perceber que nunca vamos ter uma nova entrada de gama.) 

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