Confesso que tinha alguma esperança que as coisas não se agravassem tanto. Chegámos a um momento em que a travagem teve que ser total. No final do ano passado, a minha perspetiva era de que no fim de março pudéssemos estar a chegar a uma nova normalidade, mas neste momento é impossível.
Reformulou a ementa do DeCastro para o take-away?
Surgiu a ideia de mudar a cozinha para um formato de take-away, era o que fazia sentido. É uma comida que está pronta para ser consumida, assumi a identidade da minha cozinha e adaptei-a àquilo que o cliente pode comer de forma mais fácil em casa. Recentemente adicionei à ementa um caril e uma moqueca de atum, mas também há comida de conforto, como os hambúrgueres, que surgem em versões elaboradas.
Como chef e empresário, o que é que o preocupa mais?
Eu tenho quatro unidades fechadas, no Mercado da Ribeira, na Quinta de Ventozelo [Cantina de Ventozelo] em parceria com a Gran Cruz, o Casario e o DeCastro Gaia. Neste momento não sabemos quando podemos perspetivar reabrir, mas não acredito que seja antes de março. Tenho esperança que o Mercado da Ribeira possa reabrir por volta da altura da Páscoa. A minha preocupação passa pela rede de postos de trabalho que mantenho, e que mesmo com lay-off torna-se difícil suportar. Neste momento o que estou a fazer é uma gestão muito cautelosa dos recursos para não "morrermos na praia". Ficarei feliz se conseguir chegar ao fim deste ano com 40% do que foi 2020.
Que tendência na restauração vem para ficar, depois da pandemia? O take-away por exemplo?
Não sei bem dizer. Portugal tem uma longa tradição de take-away, há 15 anos desenvolvi uma linha de produtos que as pessoas podiam levar para casa, na altura acho que estava a cozinhar à frente do tempo. Desenvolvi linhas de comidas prontas para hipermercados, e fiz muitos desenvolvimentos na parte industrial, e por isso tenho alguma experiência nesta área. Julgo que possa surgir um mercado que procure um produto melhor, mas é muito na base das pessoas que estão em casa e querem mesmo uma refeição com alguma qualidade.
Tem esperança que as pessoas continuem a apoiar a restauração?
Eu tenho esperança que no momento em que as pessoas possam voltar, a restauração tradicional volte a ganhar dinâmica. Quanto ao resto, as pessoas tendem sempre a procurar um produto mais genuíno. Acredito que não se perderá aquilo que temos em Ventozelo, onde a cozinha é baseada numa comida regional, com produto de proximidade, de valorização da região. É um caminho que as pessoas irão continuar a reconhecer (é a minha esperança).
Não há nada como a experiência da tradição…
Nós damos muito valor a isso, é uma forma de convívio e de partilha, e um restaurante pode oferecer esse tipo de serviço e de preferência. Em Ventozelo, por exemplo, é um sítio onde cozinho com uma certa história, com genuinidade e todo o receituário que eu tenho vindo a testar e a recuperar foi fruto de muita pesquisa. Em casa não se consegue ter a experiência de comer uma sopa feita no pote ou comer o nosso rancho (à portuguesa). É tudo de uma qualidade invulgar, uma experiência muito séria e que me dá muito gozo proporcionar às pessoas.