Nasci em São Paulo filho de uma mãe alemã, que tinha alguns familiares que viviam no Brasil. O meu pai nasceu em Belém do Pará e com nove meses foi para a Suíça, foi educado lá e veio para o Brasil ainda antes da guerra.
Quais eram as suas ligações à comunidade?
Fui educado na escola alemã e por isso tenho este sotaque. Na altura, no Brasil, os estrangeiros viviam muito na sua própria comunidade.
Viveu os primeiros anos no seu país…
Nasci em 1955, vivi no Brasil até aos 25 anos e comecei a trabalhar com 15. O meu pai tinha falecido com 51 anos e tinha de ajudar no orçamento da família. Isso nunca me atrapalhou, muito pelo contrário, deixa-me orgulhoso e foi algo que ajudou a fortalecer e a afirmar o caráter e a personalidade.
O que faziam os seus pais?
A minha mãe era enfermeira, conheceu o meu pai num hospital e casaram-se. Somos quatro irmãos e, quando nasceu a minha irmã mais velha, a minha mãe tinha 23 anos e deixou de trabalhar. O meu pai era vendedor.
E o seu trabalho?
Trabalhava numa clínica médica à noite. Com 18 anos fui estudar administração de empresas na Universidade de São Paulo. Ainda durante o curso comecei a trabalhar noutras áreas como, por exemplo, em recursos humanos, porque tinha de continuar a ajudar no orçamento.
O seu primeiro emprego, já formado, também teve a ver com a Alemanha…
Fui trabalhar na Basf, a indústria química alemã. Estive três anos no Brasil e transferiram-me para a sede na Alemanha, onde trabalhei cinco anos na área financeira.
Porque aceitou ir para a Alemanha?
Percebi rapidamente que se quisesse ter sucesso na carreira, teria de ir para a sede da empresa. Como falo alemão, não tinha problema nenhum e, além disso, eu também queria muito viver na Europa. Do ponto de vista profissional, considerava o Brasil um pouco pequeno. E tinha interesse de viver a cultura europeia.
E a vida pessoal?
A experiência foi fascinante porque nos anos 80 ainda havia resquícios dos efeitos da guerra. Muitos carros militares americanos na rua, mas também era já uma época de recuperação. Participava em tudo o que existia, de concertos a museus, uma oferta espetacular. Apanhei um banho de cultura que nunca vou esquecer.
Depois saiu para os Estados Unidos…
Na Basf transferiram-me para Nova Iorque. É uma cidade igualmente fascinante do ponto de vista cultural. Do ponto de vista profissional percebi o dinamismo e quis ficar, mas transferiram-me para o México e não queria ir porque conheci o país antes e achava parecido com o Brasil, pobre, poluído.
Mas não foi bem assim?
Afinal é um país riquíssimo do ponto de vista cultural e completamente diferente profissionalmente. Aprendi que o México não tem nada a ver com o que nós tradicionalmente chamamos de América Latina ou do Sul.
Entretanto recebeu uma proposta.
Queriam transferir-me para a Inglaterra para liderar uma subsidiária da Basf, mas recebi uma oferta para diretor financeiro da Bunge que tinha a sede mundial no Brasil. Interessou-me viver de novo no Brasil porque gostaria que os meus filhos estivessem com os avós e com os amigos da época. Além disso, era um desafio profissional fascinante estar numa das maiores companhias de commodities agrícolas. Durante cinco anos fui diretor financeiro e depois assumi a presidência mundial.
A dimensão era muito diferente?
Quando eu saí da Bunge as vendas atingiam os 60 mil milhões de dólares, com 30 mil funcionários, presente em 40 países. Foi fundada em 1818, na Holanda, em Amsterdão e depois a sede mudou para a Bélgica. Em 1885, a Argentina era a nação do mundo com rendimento per capita mais alto, que alimentava o mundo com grãos e oleaginosas. Então a sede mudou para a Argentina, mas em 1975 o presidente e um dos diretores foram sequestrados pelo grupo guerrilheiro peronista Montoneros e, no mesmo dia, mudaram a sede da administração. Primeiro para Montevideu, depois Madrid, mas depois de meio ano, para o Brasil.
Que sequestro foi esse?
O resgate dos irmãos Juan e Jorge Born da Bunge ainda é considerado o mais alto de sempre. Primeiro o Juan foi solto e o Jorge depois de oito meses e o pagamento de 60 milhões de dólares. Mas a história é muito interessante porque anos mais tarde o Jorge fez uma sociedade com o homem que o raptou. A síndrome de Estocolmo perfeita. Fizeram uma sociedade na televisão Argentina, ou seja, fizeram as pazes.
Entretanto o Alberto voltou a mudar a sede da empresa…
Em 1993 eu e o presidente decidimos que tínhamos de mudar a sede de novo, pela quinta vez, para Nova Iorque e, assim, assumi a presidência do grupo a nível mundial em 1999 e voltei à Big Apple. Durante 15 anos fui o presidente mundial da empresa e nesses tempos a empresa cresceu 10 vezes em 10 anos.
Até querer sair?
Em 2013, com 58 anos, cansei-me porque eram basicamente uma a duas viagens por semana para a China, Médio Oriente, Europa, Brasil… constantemente a visitar as subsidiárias, os clientes e os governos. Num ano dormi 90 noites dentro de um avião, ou seja, era um absurdo.
Procurou outro tipo de vida?
Queria fazer algo na Europa e falei com os meus contactos. A família Mello e outros amigos, como a família Espírito Santo e os Pereira Coutinho é que me apresentaram aos Roquette, o João Portugal Ramos, o Júlio Bastos e encantei-me com os vinhos porque desde os 18 anos sempre me interessei. O meu sonho era fazer uma vindima na Borgonha e estive em muitos cursos e provas. O que eu realmente queria fazer era ter uma adega onde pudesse participar no processo de produção de vinhos.
Porquê Portugal?
Em 2014 decidi, juntamente com a minha ex-mulher, morar em Portugal. Podia ter sido Itália, Espanha ou França, mas foi Portugal por causa do idioma e também achámos que seria mais interessante morar aqui porque o clima é exatamente o mesmo da Califórnia, que conhecíamos muito bem. Como pensava continuar a viver em Nova Iorque e vir a cada seis semanas, o voo para Lisboa é mais perto, ou seja, é um voo fácil.
Onde procurou a propriedade?
Queria que não fosse muito longe do aeroporto e gostava dos vinhos do Alentejo. Apreciava os vinhos do Douro e do Dão, mas era complicado pelas viagens. Enquanto no Alentejo, em pouco mais de uma hora, chega-se à Tapada. Como fiz rapidamente amizade com pessoal em Montemor, Évora e Estremoz, decidi que deveria ser nesse triângulo. Mas também visitei a região do Minho, Monção e Melgaço e a Bairrada.
O Alentejo fazia mais sentido?
Os nossos amigos do Alentejo e Lisboa frequentam o Algarve e a Comporta. Fazia mais sentido socialmente, mas comecei a ficar desesperado por não encontrar nenhuma oportunidade. Numa conversa com o Luís Sáragga Leal ele perguntou porque não ia visitar a Tapada de Coelheiros.
Foi lá…
Num dia chuvoso de janeiro em 2015 às cinco da tarde, já quase escuro, bati à porta e estava um administrador. Demos uma volta e fiquei encantado. Percebi que talvez houvesse interesse em vender se as condições fossem as corretas. Nove meses depois, em setembro de 2015, consegui comprar a Tapada de Coelheiros.
O que tem a propriedade?
São quase 800 hectares, 65 de floresta de sobreiro e azinheira, 50 de vinha e 20 da cultura de nozes. Produz-se cortiça e temos 1300 ovelhas que ficam na floresta e, durante o inverno, na vinha e no pomar das nozes.
Mas a ideia era morar em Nova Iorque e vir cá de vez em quando?
Com uma vida social muito agradável, como disse, os amigos em Estremoz, Évora, Montemor e Lisboa, muita atividade social e trabalho muito intensivo, inverti. Em abril de 2018 mudei a minha residência fiscal para vir morar em Portugal. Vendi o apartamento que tinha em Nova Iorque e comprei um mais pequeno, porque continuo a ir a cada seis meses por causa de outros assuntos.
O que fez na Tapada?
Na Tapada de Coelheiros não revolucionei, mas evoluí. Ou seja, investi muito nos últimos cinco anos nas vinhas. Arranquei 35 hectares, fiquei com 15 de vinha e, aos poucos, fui modificando. Quero vinhos de altíssima qualidade.
Antes havia vinhos mais baratos…
Antes já eram bons. O Garrafeira ficou famoso, foi considerado pela Jancis Robinson como o melhor vinho do ano em Portugal, mas depois mudaram um pouco a filosofia e lançaram também vinhos mais baratos. Parei de os produzir e agora só há três gamas: o Coelheiros, de castas autóctones, tinto, branco e rosé. O Tapada de Coelheiros e finalmente o Garrafeira. De 400 mil garrafas passámos para 40 mil, mas só de qualidade, com preços mais altos e hoje já estamos nas 150 mil garrafas. Mas as vendas e a receita com estas garrafas já são mais altas.
De que forma é que se envolve?
A grande sorte é ter conseguido trazer o enólogo Luís Patrão. É um jovem, fazia os vinhos do Esporão e também tem o vinho próprio, o Vadio na Bairrada. Faz vinhos orgânicos, sustentáveis, biodinâmicos, e fez uma transição durante alguns anos muito importante com o António Saramago, que era o nosso enólogo. O Luís foi importantíssimo neste processo de repensar a nova Tapada, tal como o nosso diretor agrícola João Raposeira.
Quais são os seus vinhos preferidos? Brancos, tintos, alguma casta?
Não tanto a casta, mas o estilo. Gosto dos vinhos de Bordéus. E o nosso Tapada de Coelheiros é exatamente isso, um Cabernet Sauvignon com Alicante Bouschet, feito de uma forma elegante. O de 2017 recebeu 93 pontos. Gosto muito dos Pinot Noir da Borgonha que nós não conseguimos fazer aqui, mas produzimos um vinho fresco e elegante com a Touriga Franca e a Touriga Nacional feito de uma maneira delicada.
Também houve alterações ao nível da sustentabilidade…
Hoje, a Tapada dos Coelheiros também já é famosa nessa área. São quatro vetores: orgânico, biodinâmico, sustentabilidade e agricultura regenerativa. Temos muitos painéis solares e reduzimos brutalmente o consumo da água. O nosso objetivo é um dia não utilizar mais a água de poços, mas apenas a da chuva. Tudo têm uma influência muito grande no nosso solo e na nossa cepa, na vinha. E não é só a qualidade do vinho, mas também a resiliência para enfrentar as alterações climáticas.
Saiu um artigo sobre o tema…
Sem eu perceber, saiu no The New York Times, na Travel Magazine, um texto onde apontavam 52 lugares para serem visitados no mundo na área da sustentabilidade e um deles era a Tapada de Coelheiros. Agora temos visitas regulares para verem o que estamos a fazer.
Então agora divide-se entre Arraiolos e Nova Iorque?
Passo mais ou menos três, quatro dias por semana aqui na Tapada, com a minha mulher Karin Schmalzigaug. Os outros dias em Lisboa onde temos um apartamento. Fico cerca de 90 dias por ano em Nova Iorque, mas também viajamos por outros lugares. Mantenho outras ocupações como a presença nos conselhos de administração da Pepsi Cola, da Linde, da Bayer e faço consultadoria para o governo de Singapura.
O que diz de Lisboa?
É fantástica. Temos concertos maravilhosos na Gulbenkian e no São Carlos e constantemente exposições. E o Porto também. Ambas têm esse dinamismo europeu, são oportunidades para absorver os aspetos culturais.
Na Tapada de Coelheiros o que faz mais?
É importante estar com o pessoal. Estamos a fazer um trabalho muito forte com a Universidade de Évora para recuperar o biomontado e a nossa floresta transformou-se num laboratório. Há gente da universidade a fazer um trabalho lindo com os pássaros para combater os insetos. Acho que é possível combater as pragas com métodos sustentáveis. Orgânicos.
E regressar ao Brasil? Está fora dos seus planos?
Da minha família só lá está a minha irmã, que cuida de uma propriedade que tenho no Brasil, por isso vou uma ou duas vezes por ano para a visitar e também para vender o vinho. Os meus filhos moram nos Estados Unidos, um em Boston, outro em Houston.
Os seus filhos interessam-se por a propriedade em Arraiolos?
Estão encantados. Nós alternamos entre um Natal aqui e outro que ficam com a mãe. Vêm duas, três vezes por ano e um deles já fez o curso de sommelier, o WSET (Wine & Spirit Education Trust). E o outro, no Texas, ajuda a vender o vinho. Participam, mas é do ponto de vista de hobby. Um é engenheiro e o outro biólogo, contribuem para as mudanças na herdade, mas é importante seguirem a carreira deles.
A sua mulher também trabalha consigo?
A participação da Karin melhorou muito o nosso marketing. No início tínhamos uma loja e agora foi toda remodelada, comprámos três jipes e contratámos funcionários. As visitas não são baratas, mas estamos sempre ocupados com americanos, brasileiros, portugueses e muitos outros estrangeiros. O enoturismo está a ser extremamente importante e é a Karin que gere.