A prova de que Gregory Bernard é um homem de negócios 360°, é que este parisiense já abriu negócios em praticamente todas as áreas. "Depois de estudar, abri empresas novas todos os anos" revela, à MUST, sobre a sua trajetória, que começou em Paris mas também passou por cidades como Washington ou Londres. De produtor de cinema a empreendedor em start-ups tecnológicas e ligadas a novos talentos e à música, viveu 20 anos envolvido num turbilhão de novos negócios. No cinema, contam-se os filmes com Quentin Dupieux - de Rubber (2010) a Wrong (2012).
Até que decidiu abrandar, mudando-se para Portugal, onde descobriu - por mero acaso - a Costa da Caparica. Além de Olympia Le-Tan, a marca de carteiras em formato clutch e acessórios, conhecida por ter uma estética inovadora e inspirada nas Artes (as formas das clutches inspiram-se em livros), Bernard abriu o restaurante Dr. Bernard na Costa da Caparica, junto à praia, onde o surf e as boas energias se cruzam com um cocktail fresco e um menu inspirado nos seus mundos.
Sempre se sentiu um homem de negócios? Qual foi a sua trajetória até se tornar um empreendedor?
Eu nasci e cresci em Paris, e o meu pai era cirurgião. Ninguém na minha família está ligado ao Cinema, por isso eu fui um autêntico "intruso" ao entrar no mundo dos filmes. Eu estudei nas instituições francesas de topo nas áreas da ciência e negócios, e mais tarde estudei Ciências Políticas. Depois fui para Washington, entrei na Universidade de Georgetown [na Edmund A. Walsh School of Foreign Service] onde estudei ciência, tecnologia e assuntos internacionais. Estudei durante muito tempo, até aos 27 anos, mas sempre fui apaixonado por filmes, televisão, produção… O meu primeiro programa televisivo foi sobre ciência e tecnologia e sobre como ajudar as pessoas a compreender as questões ligadas a ambas as áreas nessa altura.
O que se passava no mundo, nessa altura?
Estávamos em 1998. Era a época da clonagem da Ovelha Dolly, era o início do aquecimento global, era o princípio da Internet… Trabalhei muito sobre esses temas. Quando regressei a França comecei uma start-up online que era uma plataforma de música, depois uma empresa sobre castings e gestão de talentos.
Em que momento surge o cinema? Qual foi o primeiro filme em que esteve envolvido?
Foi o documentário Lagerfeld Confidential [2007]. Tinha um amigo que estava a começar aquele projeto, que na altura era um pouco ousado, e por isso estava com problemas em encontrar um produtor. Como sempre me senti um verdadeiro empreendedor, comecei a ver todo o processo de criar um filme à semelhança de começar uma empresa. [Ou seja] é preciso criar uma peça de arte que seja também um produto, é preciso definir o produto, encontrar as pessoas para o produzir e por fim vendê-lo. A única diferença é que um filme tem um princípio e um fim, dure um ou três anos. Todos os filmes são, para mim, como começar uma nova empresa. Às vezes temos sucesso, outras não…
Essa primeira experiência serviu para compreender que, como empreendedor, era possível juntar o melhor de todas as suas paixões. Foi isso?
É verdade. Mas em relação aos filmes, tudo o que se aprende só se aprende quando o fazemos. Excepto para me dar a confiança para fazer as coisas, tudo aquilo que aprendi nas escolas não significou nada [para o processo de produzir filmes]. Para entrar no mundo dos filmes é preciso gosto, instinto, paixão e perseverança. O meu maior sonho era centrar a minha vida na indústria do cinema, mas é um sonho perigoso. Se basearmos toda a nossa vida nisso, é um negócio difícil. É possível ter-se sucesso num dia, no outro dia podemos falhar. Isto se falarmos em ser produtor independente, claro, porque a forma como eu percepciono o cinema é de uma forma livre, numa base de produção com baixo orçamento e com uma visão um pouco alternativa. Continua a ser um sonho.
Também investiu na indústria da moda, em 2009, com a Olympia Le-Tan. Como chegou à ideia de criar clutches com inspiração cultural?
Nessa altura estava muito envolvido no cinema, e tinha uma amiga que queria começar um projeto novo. E chegámos à ideia da "clutch-livro". Foi um sucesso imediato, não esperava. A primeira coleção era composta por 20 modelos do tamanho dos livros. As celebridades começaram a usá-las. Tornámo-nos uma marca grande e criámos algumas peças de vestuário, e até desfilamos em semanas da moda. Mas a ideia inicial foi sempre a melhor: carteiras em edição limitada, com inspiração em capas de livros criativas.
É um conceito que lhe interessa, o do slow fashion?
É muito importante nos negócios. Eu estudei as áreas da ciência, de matemática, das ciências políticas. Sabia zero sobre moda, mas sempre adorei Arte. A Olympia Le-Tan interessou-me muito porque, para mim, era uma marca que empoderava as mulheres. Era sobre usarem uma peça de arte, um livro preferido, uma forma de se expressarem. Essa base faz parte do sucesso da marca. Sobre o consumo, desde que entrei neste mundo sempre me chocou a forma como a indústria funciona, onde é preciso ter-se quatro coleções por ano, ter sempre novos produtos, entre outras coisas. Com a Olympia Le-Tan pude fazer algo diferente, uma vez que as clutches são feitas para guardar para a vida.
Lançou a marca há 10 anos, já tinha essa consciência?
Temos verdadeiros artesãos a trabalhar connosco. Antes da proclamada era da sustentabilidade, já éramos uma marca sustentável e slow fashion. Mas também errámos, claro, tentando ser uma marca global, e perdemos dinheiro. É muito melhor ser-se uma marca pequena e bonita, perceber-se o que se está a fazer. É uma escolha. E nós sempre quisemos promover o artesanato, ordenados bem pagos… na verdade trabalhamos muito em Portugal, temos um atelier no Norte onde as pessoas são felizes a trabalhar.
Portugal estava na mira dos destinos onde queria viver?
Há cinco anos, quando decidi fazer uma pausa nos filmes e nos negócios, mudei-me para Portugal, porque a minha intuição me dizia que o mundo, e eu, precisávamos de novos valores. Queria ter riqueza, ter boa saúde, ter uma vida mais calma, estar mais perto da Natureza e ser mais sustentável. A decisão que tomei ao abrir o Dr. Bernard foi para "salvar" a minha vida após 20 anos de novos negócios e produção de filmes, mas ao mesmo tempo a inspirar outras pessoas a salvar as suas vidas. Hoje sinto que a minha intuição foi boa.
Já tinha uma ligação ao país?
Eu vinha a Portugal com regularidade, sempre adorei o país. Mas não tinha percebido o potencial de Portugal. Quase me mudei para Los Angeles, junto à praia, porque gravei lá quatro filmes, e comecei a surfar lá e apreciar a vida junto ao oceano. Antes de vir para Portugal vivi em Londres, antes disso em LA, e antes em Washington e Nova Iorque. Uma das razões porque me mudei para Portugal foi porque podia estar perto do mar, fazer ioga, ter uma vida saudável.
Como se dá a descoberta do espaço perfeito para o Dr. Bernard, na Costa da Caparica?
A história de como encontrei a Costa da Caparica é, por si só, engraçada. Naquela altura houve muitos franceses a mudar-se para Lisboa, toda a gente queria viver na cidade. Da minha experiência a viver em LA, aprendi que quando se vive numa cidade junto ao mar, ou se vive junto à praia e se vai à praia todos os dias ou, se não é o caso, são raras as vezes em que se vai à praia. Por isso eu sabia que queria estar num sítio junto à praia, e onde pudesse surfar. Procurei no meu telemóvel e achei a Costa da Caparica. Assim que cheguei vi uma casa enorme em frente ao restaurante O Barbas, que estava à venda. Fiquei com ela (risos). Depois, comecei a explorar melhor a Costa da Caparica. Eu já conhecia Cascais, Carcavelos, Estoril…. Mas continuei a preferir a Costa, onde vivem todos os tipos de pessoas, de todos os estratos sociais, e onde há todo o tipo de casas e construções. É de uma grande riqueza cultural, e tem um enorme potencial. Para mim é das praias mais bonitas do mundo. Tem ótimas ondas, e a água é mais cristalina que do outro lado.
Como empreendedor, no que é que queria que o Dr. Bernard se tornasse?
Eu estava muito receptivo a tudo o que trouxesse novidade. Percebi que alguns restaurantes da área também estavam a inovar e a fazer mudanças bem sucedidas, e até que estavam a surgir novos restaurantes e cafés. Quanto ao Dr. Bernard, percebi que as pessoas quereriam algo novo, também para conviverem. Na cozinha fizemos um mix, há tacos, há comida mexicana, italiana, brasileira… E no ano passado fizemos um encontro com chefes de todo o mundo, em que mudávamos de chef de semana para semana, e fomos tendo várias especialidades, mas vieram imensas pessoas de todo o lado para provar essas iguarias. Queremos que as pessoas se surpreendam e tentamos ter sempre produtos frescos e locais. Sinto que a Costa da Caparica que tem um potencial enorme para se tornar num sítio onde as pessoas vão viver, comer, festejar e surfar em Portugal.